Há
poucas horas o ano de 2019, pelo calendário Gregoriano, acaba de se encerrar, e
a prática comum é comemorar o ciclo findo na mesma medida que se festeja a
renovação das esperanças e expectativas para o novo ano – eis o que é o
Reveillon, ou a festa de Ano Novo. No Brasil, desde 1935, o primeiro dia de
cada ano é um feriado nacional dedicado a Confraternização Universal; mas
imaginar algo assim, de tão somente um âmbito mundial, já seria uma feliz
ficção. Todavia, pelos caminhos tortuosos da humanidade, sob certos pontos de
vista, a conjuntura nacional reflete o mundo, numa curva descendente da
humanidade rumo a um destino cada dia mais sombrio. Mas será isto verdade? Quem
pode reivindicar uma posição tal de lucidez e uma tão isenta tomada de vista
geral que lavre a sentença, que delibere e profetize o sofrimento, a dor e o
fadário humano em suas piores e mais obscuras cores?
O
título que principia este artigo, que principia a série pretendida de opúsculos
a preencher este blog no decurso do presente ano pode, inequivocamente
assemelhar-se ao que é produto do que se conhece por autoajuda – bem,
atualmente nos centros espíritas é difícil ver em reuniões públicas
palestrar-se acerca de Allan Kardec, dos postulados da Doutrina dos Espíritos,
o abordar de questões candentes relativas ao objeto de estudo do Espiritismo,
qual seja o Espírito, quando o comum é a prática do discurso da autoajuda. Em exposições
mais ou menos eficientes, os palestrantes se outorgam a autoridade de psicoterapeutas,
independentemente de suas formações, deitando toda sorte de teses na busca pela
sublimação das afecções da mente. A que ponto todo este palanfrório surte o
efeito desejado ou possui apenas um caráter paliativo efêmero, somente quem se
propõe a condição de ouvinte pode o saber. Mas, se algo há que o Espiritismo
deva contribuir neste sentido, certamente não será equiparando-se a autoajuda
que obterá os mais bem-sucedidos desfechos – é preciso a profundidade de um
estudo assíduo do Espiritismo para se alcançar a mudança desejada.
A
despeito de tal similaridade ou parentesco temático quanto ao título, esta
questão permanece – quem vigia o próprio pensamento? Os profetas do apocalipse
se enfileiram diante dos púlpitos da nação prevendo o caos, a destruição, a dor
e a morte. As convulsões políticas incentivam o discurso, nem um pouco isento,
é preciso que se note – o observar do andamento natural dos dias trouxe
questões interessantes, expôs pensamentos, engessou discursos, soergueu
falácias, floresceu sofismas, preenchendo um ano que se expira com ódio
irracional; pior ver tais procederes daqueles que se arvoram espíritas, que se
propõem estudiosos da Doutrina, que esforçam-se para ombrear Allan Kardec. O
real compromisso surge límpido e claro – não é com a Doutrina, é com a ideologia
política, com agenda quiméricas, fantasiosas, utópicas. Para tanto, prática
comum, agarram pelo colarinho bem cortado do professor Rivail e o trazem à luz
de um Brasil abalado, enfermiço e fendido ao meio para fazê-lo representante do
pensamento de esquerda, ora de direita.
Na
edição de julho de 1868 da Revista
Espírita, há um artigo intitulado O
Partido Espírita, onde Allan Kardec registra haver tomado notícia pela
imprensa de um relatório urdido pelo Estado francês declarando o Espiritismo um
partido político. Seus comentários a tal fato são de uma contundência e poder
que o espírita não lhe por olhos é um prejuízo a própria instrução. Para tanto
interessa observar os seguintes trechos do mesmo:
“Por sua natureza e por seus princípios, o
Espiritismo é essencialmente pacífico; é uma ideia que se infiltra sem ruído, e
se encontra numerosos aderentes, é que agrada; jamais fez propaganda nem
exibições quaisquer; forte pelas leis naturais, nas quais se apoia, vendo-se
crescer sem esforços nem abalos, não vai ao encontro de ninguém, não violenta
nenhuma consciência; diz o que é e espera que a ele venham. Todo o ruído que se
fez a sua volta é obra de seus adversários; atacaram-no, ele teve de se
defender, mas sempre o fez com calma, moderação e só pelo raciocínio; jamais se
afastou da dignidade que é própria de toda causa que tem consciência de sua
força moral; (...) Hão de convir que é este o caráter ordinário dos partidos,
turbulentos por natureza, fomentando a agitação e a quem tudo é bom para chegar
aos fins.”
Na edição
de agosto do mesmo ano, em resposta a um correspondente de Sens, acerca
justamente deste primeiro artigo, Allan Kardec complementa:
“A palavra partido implica, por sua
etimologia, a ideia de divisão, de cisão e, por conseguinte, a de luta, de
agressão, de violência, de intolerância, de ódio, de animosidade, de vingança,
coisas todas contrárias ao espírito do Espiritismo. Não tendo o Espiritismo
nenhum desses caracteres, pois que os repudia, por suas tendências mesmas, não
é um partido na acepção vulgar da palavra, (...) Longe de nós, pois o
pensamento de transformar em partidários os adeptos de uma doutrina de paz, de
tolerância, de caridade e de fraternidade. A palavra partido, aliás, nem sempre
implica a ideia de luta, de sentimentos hostis; não se diz: o partido da paz? O
partido das pessoas honestas? O Espiritismo já provou, e provará sempre, que
pertence a esta categoria.”
Contudo,
cerca de seis anos antes, na edição de fevereiro de 1862, em artigo intitulado Resposta Dirigida aos Espíritas Lioneses por
Ocasião do Ano Novo, sua postura e opinião lavram a sentença em definitivo
quanto a questão da política introduzida aos meios da prática espírita:
“Assim, reconhecereis o verdadeiro espírita
pela prática da caridade em pensamentos, palavras e ações; e vos digo que
aquele que em sua alma nutrir sentimentos de animosidade, de rancor, de ódio,
de inveja ou de ciúme, mente a si mesmo se aspira a compreender e a praticar o
Espiritismo. (...) Devo ainda vos chamar a atenção para outra tática de nossos
adversários: a de procurar comprometer os espíritas, induzindo-os a se
afastarem do verdadeiro objetivo da doutrina, que é o da moral, para abordarem
questões que não são de sua competência e que poderiam, com toda razão,
despertar susceptibilidades e desconfianças. Também não vos deixeis cair nessa
armadilha; afastai cuidadosamente de vossas reuniões tudo quanto disser
respeito à política e às questões irritantes; nesse caso, as discussões não
levarão a nada e apenas suscitarão embaraços enquanto ninguém questionará a
moral, quando ela for boa. Procurai, no Espiritismo, aquilo que vos pode
melhorar; eis o essencial. Quando os homens foram melhores, as reformas sociais
verdadeiramente úteis serão uma consequência natural.”
Constitui-se
este trecho final num verdadeiro cala
boca a todos aqueles que buscam atrelar a figura de Allan Kardec e ao
Espiritismo a pecha de doutrina de esquerda; mais, estas palavras constituem-se
na proposta espírita para a melhoria do mundo – mude a si mesmo para melhor e
seja o bom exemplo em que o mundo pode espelhar-se. Difícil? Claro, mas em
total sintonia com a realidade evolutiva do planeta. Todavia, estas palavras do
professor abordam a questão que nos levou a este artigo, qual seja a da
vigilância de si mesmo, dos próprios pensamentos, e do compromisso que o
espírita deve, por princípio, consolidar consigo mesmo. O que temos
testemunhado, contudo, vai na contramão das instruções do Codificador;
indivíduos que se propuseram a perniciosa prática diária da crítica gratuita a
vazia a tudo quanto lhes é contrário ao pensamento, as inclinações pessoais, a
entranhada ideologia política que sustentam em muito maior importância que o
Espiritismo. Pode-se desgostar da figura do presidente da República, mas
impor-lhe os piores pensamentos, a mais rasteira má vontade para com suas ações
e palavras tem, antes que a suposta nobiliárquica ação combativa do campo
político, a consequência de somar para piorar a atmosfera fluídica do país.
Sustentar ódios intestinos de alguém, e alguém que não se conhece pessoalmente,
não apenas denuncia um ser humano em seu mais amador estado, imaturo e
patético, como depõe contra o Espiritismo se este assim se proclamar um adepto.
Indivíduos tem criado irreais dificuldades em suas próprias vidas porque alguém
que lhes é completamente distante do campo de ação cotidiana está ocupando o
cargo político mais importante do país - eis a consequência direta do ódio, da
animosidade, do rancor, dos sentimentos negativos. Caberia, por princípio, que
o espírita reconhecesse com grande dose de bom senso que a demonização de uma
figura, seja ela quem for, não é o proceder mais coerente, a prática mais
salutar, seja no âmbito dos círculos pessoais, seja em apontar um sujeito
público para tanto. A natureza pacífica do Espiritismo passa distante de tais
pessoas que apenas se arvoram aderentes sem o serem, como denuncia-lhes as
palavras e ações.
A
agenda oficial do mundo hoje constitui-se numa grande cortina de fumaça que
nubla as vistas para os reais problemas; e a aceitação deste expediente se
mostra na valorização de garotinhas bem-nascidas que com suas trancinhas vão
cobrar aos líderes mundiais suas infâncias perdidas, enquanto crianças de pele
escura padecem a fome dos corpos até o limite da razão, perdidas em localidades
esquecidas do território planetário. As ações geopolíticas engendradas por
engravatados condena milhões, na mesma medida que ilude bilhões acerca da
falácia das mudanças climáticas decorrentes da ação humana. Qualquer indivíduo
mais ou menos instruído e minimamente informado compreende que a agenda
ecologicamente correta, e o terrorismo que se busca imputar ao homem comum em
suas relações com o meio ambiente tem um claro motivador, que passa longe da
ameaça, suposta, da extinção da espécie humana. O petróleo é um recurso natural
largamente utilizado no mundo moderno, e por mais que se queira, ninguém sabe a
quantidade existente na natureza. Países ricos e desprovidos de recursos
energéticos naturais, principalmente o petróleo, patrocinam a ideia da mudança
climática consequente da ação humana com o fito único de frear o
desenvolvimento dos demais países do globo, para que estes persistam
dependentes economicamente, exportando seus recursos naturais sem o qual os
primeiros padeceriam. Destarte, a emissão de gás carbônico decorrente da industrialização
é o vilão que está causando o efeito estufa, e aquecendo o planeta, uma mentira
que depõe contra o básico das Ciências naturais aprendido no banco escolar –
forçando a diminuição da emissão destes gases, os países ricos freiam a
produção industrial dos países em desenvolvimento, obrigando-os a depender das
exportações de seus recursos para sustentarem suas economias. Observar os
veículos de mídia mundiais apoiando tal demanda, alimentando esta cortina de
fumaça, chega a ser uma afronta a inteligência de qualquer indivíduo – apenas
revolta menos que testemunhar supostos espíritas apoiando que o frívolo Prêmio
Nobel da Paz seja dado a tal garotinha sueca que teve sua infância perdida
exposta num discurso de ódio, diante dos olhares estupefatos do mundo. Culpa,
remorso, ódio, egoísmo, ciúmes, inveja enfim, toda sorte de sentimentos e
emoções negativas, alimentados e retroalimentados por uma realidade que, antes
de ser compreendida pelas vias que o Espiritismo propõe, são o açoite que magoa
as consciências sensíveis, as suscetibilidades mais caprichosas, as mais
imaturas individualidades - resultam em que efeito? Não se pede ao leigo
compreender as relações de causalidade, tampouco a ação do pensamento no
fluido, menos ainda a esperança no futuro decorrente da fé raciocinada, mas
aquele que se outorga espírita tem por obrigação saber, e este saber
demonstrar-se na própria melhoria, no progresso moral que se almeja,
decorrência direta do progresso intelectual.
Esta
compreensão, este saber, advirá apenas do estudo contínuo e assíduo da Doutrina
dos Espíritos, jamais em conjunto ou ladeando uma doutrina política, ou
ideologia cujos postulados sejam contrários a esta – acaso a realidade seja per
si uma provocação? Poucos há que aceitem-na inteiramente, e menos ainda os que
de fato a compreendem por uma visão de conjunto privilegiada para emitir uma
opinião isenta e correta; a imensa maioria apenas julga de um ponto diminuto,
embora tenham enorme visibilidade suas palavras e discursos. Deseja-se que o mundo
mude para melhor? Certo é que ninguém possui tão grande progresso que o possa
fazer por si mesmo, ou pela mobilização de indivíduos graças a um carisma
singular. Aliás, há muita pretensão em quem se propõe salvador da pátria, e uma
inocência igualmente abundante em quem dá crédito a tais bisonhas personagens.
Parafraseando um dito chinês – se o desejo é limpar o mundo, comece pela
própria casa; e não há lugar melhor, nem mais trabalhoso, que a habitação
mental, que o pensamento, que precisa ser expurgado de conceitos equivocados,
de discursos e agendas que escondem o engodo e o ódio, para de fato
empreender-se uma cultura de paz.
Todavia,
para os persistentes sistemas utópicos de justiça social, basta recordar a
comunicação do Espírito Bernard Palissy, dada a Allan Kardec e transcrita em
artigo da Revista Espírita de abril
de 1858 – tal Espírito, encarnado em Júpiter, um planeta superior a Terra, em
cujo conjunto a humanidade terrestre pode almejar alcançar, vem trazer aspectos
da vida que lá existe. Algumas poucas questões nos interessam para o presente
artigo:
“71. Há ricos e pobres, isto é, homens que
vivem na abundância e no supérfluo, e outros a quem falta o necessário?
R. – Não; todos são irmãos; se um
possuísse mais que o outro, com este dividiria; não seria feliz quando seu
irmão se privasse do necessário.”
“72. De acordo com isso, as fortunas seriam
iguais para todos?
R. – Eu não disse que todos sejam
ricos no mesmo grau; perguntastes se haveria os que possuem o supérfluo e
outros a quem faltasse o necessário.”
“73. Essas duas respostas nos parecem
contraditórias; pedimos que estabeleças a concordância entre elas.
R. – A ninguém falta o necessário;
ninguém possui o supérfluo, ou seja, a fortuna de cada um está em relação com a
sua condição. Estais satisfeitos?”
“74. Agora compreendemos; mas perguntamos,
ainda, se aquele que tem menos não é infeliz, relativamente àquele que tem
mais?
R. – Não pode ser infeliz, desde que
não é invejoso nem ciumento. A inveja e o ciúme fazem mais infelizes que a
miséria.”
“75. Em que consiste a riqueza em Júpiter?
R. – Que vos importa?”
“76. Há desigualdades sociais?
R. – Sim.”
“77. Sobre o que se fundam tais
desigualdades?
R. – Sobre as leis da sociedade. Uns
são mais ou menos avançados em perfeição. Os que são superiores exercem sobre
os outros uma espécie de autoridade, como um pai sobre os filhos.”
Num
planeta de tal conta avançado qual Júpiter, a matéria não é encarada senão por
aquilo que de fato é, a ferramenta que faculta as experiências que resultam no
progresso do Espírito – isto é tão verdade que Allan Kardec, em seus parâmetros
de fortuna e miséria, precisou de uma questão mais para compreender o que se
passa. Mas, e isto é necessário atentar, a solidariedade que propicia a ninguém
as agruras da extrema carência material é resultado do progresso íntimo de cada
indivíduo, e não o efeito de uma imposição legal, juridicamente instituída, que
violenta a natureza particular dos Espíritos. A ilusão que haja, que nutre o
ser humano acerca de uma equidade material à guisa de igualdade social, segundo
os parâmetros observáveis na Terra são e persistirão sendo apenas isto, uma
ilusão. Será preciso o progresso dos indivíduos, um a um, leve o tempo que
levar, para alcançar-se um estado como o existente em Júpiter. Até lá, ao invés
de buscar uma utopia, não seria mais coerente consagrar esforços a algo mais
real, possível de ser alcançado, qual o progresso pessoal? Qual a aumentar o
conhecimento próprio, e educar os sentimentos, comedir as emoções, melhorar a
qualidade dos próprios pensamentos?