quinta-feira, 2 de janeiro de 2020

Você Cuida dos Seus Pensamentos?


Há poucas horas o ano de 2019, pelo calendário Gregoriano, acaba de se encerrar, e a prática comum é comemorar o ciclo findo na mesma medida que se festeja a renovação das esperanças e expectativas para o novo ano – eis o que é o Reveillon, ou a festa de Ano Novo. No Brasil, desde 1935, o primeiro dia de cada ano é um feriado nacional dedicado a Confraternização Universal; mas imaginar algo assim, de tão somente um âmbito mundial, já seria uma feliz ficção. Todavia, pelos caminhos tortuosos da humanidade, sob certos pontos de vista, a conjuntura nacional reflete o mundo, numa curva descendente da humanidade rumo a um destino cada dia mais sombrio. Mas será isto verdade? Quem pode reivindicar uma posição tal de lucidez e uma tão isenta tomada de vista geral que lavre a sentença, que delibere e profetize o sofrimento, a dor e o fadário humano em suas piores e mais obscuras cores?

O título que principia este artigo, que principia a série pretendida de opúsculos a preencher este blog no decurso do presente ano pode, inequivocamente assemelhar-se ao que é produto do que se conhece por autoajuda – bem, atualmente nos centros espíritas é difícil ver em reuniões públicas palestrar-se acerca de Allan Kardec, dos postulados da Doutrina dos Espíritos, o abordar de questões candentes relativas ao objeto de estudo do Espiritismo, qual seja o Espírito, quando o comum é a prática do discurso da autoajuda. Em exposições mais ou menos eficientes, os palestrantes se outorgam a autoridade de psicoterapeutas, independentemente de suas formações, deitando toda sorte de teses na busca pela sublimação das afecções da mente. A que ponto todo este palanfrório surte o efeito desejado ou possui apenas um caráter paliativo efêmero, somente quem se propõe a condição de ouvinte pode o saber. Mas, se algo há que o Espiritismo deva contribuir neste sentido, certamente não será equiparando-se a autoajuda que obterá os mais bem-sucedidos desfechos – é preciso a profundidade de um estudo assíduo do Espiritismo para se alcançar a mudança desejada.

A despeito de tal similaridade ou parentesco temático quanto ao título, esta questão permanece – quem vigia o próprio pensamento? Os profetas do apocalipse se enfileiram diante dos púlpitos da nação prevendo o caos, a destruição, a dor e a morte. As convulsões políticas incentivam o discurso, nem um pouco isento, é preciso que se note – o observar do andamento natural dos dias trouxe questões interessantes, expôs pensamentos, engessou discursos, soergueu falácias, floresceu sofismas, preenchendo um ano que se expira com ódio irracional; pior ver tais procederes daqueles que se arvoram espíritas, que se propõem estudiosos da Doutrina, que esforçam-se para ombrear Allan Kardec. O real compromisso surge límpido e claro – não é com a Doutrina, é com a ideologia política, com agenda quiméricas, fantasiosas, utópicas. Para tanto, prática comum, agarram pelo colarinho bem cortado do professor Rivail e o trazem à luz de um Brasil abalado, enfermiço e fendido ao meio para fazê-lo representante do pensamento de esquerda, ora de direita.

Na edição de julho de 1868 da Revista Espírita, há um artigo intitulado O Partido Espírita, onde Allan Kardec registra haver tomado notícia pela imprensa de um relatório urdido pelo Estado francês declarando o Espiritismo um partido político. Seus comentários a tal fato são de uma contundência e poder que o espírita não lhe por olhos é um prejuízo a própria instrução. Para tanto interessa observar os seguintes trechos do mesmo:

Por sua natureza e por seus princípios, o Espiritismo é essencialmente pacífico; é uma ideia que se infiltra sem ruído, e se encontra numerosos aderentes, é que agrada; jamais fez propaganda nem exibições quaisquer; forte pelas leis naturais, nas quais se apoia, vendo-se crescer sem esforços nem abalos, não vai ao encontro de ninguém, não violenta nenhuma consciência; diz o que é e espera que a ele venham. Todo o ruído que se fez a sua volta é obra de seus adversários; atacaram-no, ele teve de se defender, mas sempre o fez com calma, moderação e só pelo raciocínio; jamais se afastou da dignidade que é própria de toda causa que tem consciência de sua força moral; (...) Hão de convir que é este o caráter ordinário dos partidos, turbulentos por natureza, fomentando a agitação e a quem tudo é bom para chegar aos fins.

Na edição de agosto do mesmo ano, em resposta a um correspondente de Sens, acerca justamente deste primeiro artigo, Allan Kardec complementa:

A palavra partido implica, por sua etimologia, a ideia de divisão, de cisão e, por conseguinte, a de luta, de agressão, de violência, de intolerância, de ódio, de animosidade, de vingança, coisas todas contrárias ao espírito do Espiritismo. Não tendo o Espiritismo nenhum desses caracteres, pois que os repudia, por suas tendências mesmas, não é um partido na acepção vulgar da palavra, (...) Longe de nós, pois o pensamento de transformar em partidários os adeptos de uma doutrina de paz, de tolerância, de caridade e de fraternidade. A palavra partido, aliás, nem sempre implica a ideia de luta, de sentimentos hostis; não se diz: o partido da paz? O partido das pessoas honestas? O Espiritismo já provou, e provará sempre, que pertence a esta categoria.

Contudo, cerca de seis anos antes, na edição de fevereiro de 1862, em artigo intitulado Resposta Dirigida aos Espíritas Lioneses por Ocasião do Ano Novo, sua postura e opinião lavram a sentença em definitivo quanto a questão da política introduzida aos meios da prática espírita:

Assim, reconhecereis o verdadeiro espírita pela prática da caridade em pensamentos, palavras e ações; e vos digo que aquele que em sua alma nutrir sentimentos de animosidade, de rancor, de ódio, de inveja ou de ciúme, mente a si mesmo se aspira a compreender e a praticar o Espiritismo. (...) Devo ainda vos chamar a atenção para outra tática de nossos adversários: a de procurar comprometer os espíritas, induzindo-os a se afastarem do verdadeiro objetivo da doutrina, que é o da moral, para abordarem questões que não são de sua competência e que poderiam, com toda razão, despertar susceptibilidades e desconfianças. Também não vos deixeis cair nessa armadilha; afastai cuidadosamente de vossas reuniões tudo quanto disser respeito à política e às questões irritantes; nesse caso, as discussões não levarão a nada e apenas suscitarão embaraços enquanto ninguém questionará a moral, quando ela for boa. Procurai, no Espiritismo, aquilo que vos pode melhorar; eis o essencial. Quando os homens foram melhores, as reformas sociais verdadeiramente úteis serão uma consequência natural.

Constitui-se este trecho final num verdadeiro cala boca a todos aqueles que buscam atrelar a figura de Allan Kardec e ao Espiritismo a pecha de doutrina de esquerda; mais, estas palavras constituem-se na proposta espírita para a melhoria do mundo – mude a si mesmo para melhor e seja o bom exemplo em que o mundo pode espelhar-se. Difícil? Claro, mas em total sintonia com a realidade evolutiva do planeta. Todavia, estas palavras do professor abordam a questão que nos levou a este artigo, qual seja a da vigilância de si mesmo, dos próprios pensamentos, e do compromisso que o espírita deve, por princípio, consolidar consigo mesmo. O que temos testemunhado, contudo, vai na contramão das instruções do Codificador; indivíduos que se propuseram a perniciosa prática diária da crítica gratuita a vazia a tudo quanto lhes é contrário ao pensamento, as inclinações pessoais, a entranhada ideologia política que sustentam em muito maior importância que o Espiritismo. Pode-se desgostar da figura do presidente da República, mas impor-lhe os piores pensamentos, a mais rasteira má vontade para com suas ações e palavras tem, antes que a suposta nobiliárquica ação combativa do campo político, a consequência de somar para piorar a atmosfera fluídica do país. Sustentar ódios intestinos de alguém, e alguém que não se conhece pessoalmente, não apenas denuncia um ser humano em seu mais amador estado, imaturo e patético, como depõe contra o Espiritismo se este assim se proclamar um adepto. Indivíduos tem criado irreais dificuldades em suas próprias vidas porque alguém que lhes é completamente distante do campo de ação cotidiana está ocupando o cargo político mais importante do país - eis a consequência direta do ódio, da animosidade, do rancor, dos sentimentos negativos. Caberia, por princípio, que o espírita reconhecesse com grande dose de bom senso que a demonização de uma figura, seja ela quem for, não é o proceder mais coerente, a prática mais salutar, seja no âmbito dos círculos pessoais, seja em apontar um sujeito público para tanto. A natureza pacífica do Espiritismo passa distante de tais pessoas que apenas se arvoram aderentes sem o serem, como denuncia-lhes as palavras e ações.

A agenda oficial do mundo hoje constitui-se numa grande cortina de fumaça que nubla as vistas para os reais problemas; e a aceitação deste expediente se mostra na valorização de garotinhas bem-nascidas que com suas trancinhas vão cobrar aos líderes mundiais suas infâncias perdidas, enquanto crianças de pele escura padecem a fome dos corpos até o limite da razão, perdidas em localidades esquecidas do território planetário. As ações geopolíticas engendradas por engravatados condena milhões, na mesma medida que ilude bilhões acerca da falácia das mudanças climáticas decorrentes da ação humana. Qualquer indivíduo mais ou menos instruído e minimamente informado compreende que a agenda ecologicamente correta, e o terrorismo que se busca imputar ao homem comum em suas relações com o meio ambiente tem um claro motivador, que passa longe da ameaça, suposta, da extinção da espécie humana. O petróleo é um recurso natural largamente utilizado no mundo moderno, e por mais que se queira, ninguém sabe a quantidade existente na natureza. Países ricos e desprovidos de recursos energéticos naturais, principalmente o petróleo, patrocinam a ideia da mudança climática consequente da ação humana com o fito único de frear o desenvolvimento dos demais países do globo, para que estes persistam dependentes economicamente, exportando seus recursos naturais sem o qual os primeiros padeceriam. Destarte, a emissão de gás carbônico decorrente da industrialização é o vilão que está causando o efeito estufa, e aquecendo o planeta, uma mentira que depõe contra o básico das Ciências naturais aprendido no banco escolar – forçando a diminuição da emissão destes gases, os países ricos freiam a produção industrial dos países em desenvolvimento, obrigando-os a depender das exportações de seus recursos para sustentarem suas economias. Observar os veículos de mídia mundiais apoiando tal demanda, alimentando esta cortina de fumaça, chega a ser uma afronta a inteligência de qualquer indivíduo – apenas revolta menos que testemunhar supostos espíritas apoiando que o frívolo Prêmio Nobel da Paz seja dado a tal garotinha sueca que teve sua infância perdida exposta num discurso de ódio, diante dos olhares estupefatos do mundo. Culpa, remorso, ódio, egoísmo, ciúmes, inveja enfim, toda sorte de sentimentos e emoções negativas, alimentados e retroalimentados por uma realidade que, antes de ser compreendida pelas vias que o Espiritismo propõe, são o açoite que magoa as consciências sensíveis, as suscetibilidades mais caprichosas, as mais imaturas individualidades - resultam em que efeito? Não se pede ao leigo compreender as relações de causalidade, tampouco a ação do pensamento no fluido, menos ainda a esperança no futuro decorrente da fé raciocinada, mas aquele que se outorga espírita tem por obrigação saber, e este saber demonstrar-se na própria melhoria, no progresso moral que se almeja, decorrência direta do progresso intelectual.

Esta compreensão, este saber, advirá apenas do estudo contínuo e assíduo da Doutrina dos Espíritos, jamais em conjunto ou ladeando uma doutrina política, ou ideologia cujos postulados sejam contrários a esta – acaso a realidade seja per si uma provocação? Poucos há que aceitem-na inteiramente, e menos ainda os que de fato a compreendem por uma visão de conjunto privilegiada para emitir uma opinião isenta e correta; a imensa maioria apenas julga de um ponto diminuto, embora tenham enorme visibilidade suas palavras e discursos. Deseja-se que o mundo mude para melhor? Certo é que ninguém possui tão grande progresso que o possa fazer por si mesmo, ou pela mobilização de indivíduos graças a um carisma singular. Aliás, há muita pretensão em quem se propõe salvador da pátria, e uma inocência igualmente abundante em quem dá crédito a tais bisonhas personagens. Parafraseando um dito chinês – se o desejo é limpar o mundo, comece pela própria casa; e não há lugar melhor, nem mais trabalhoso, que a habitação mental, que o pensamento, que precisa ser expurgado de conceitos equivocados, de discursos e agendas que escondem o engodo e o ódio, para de fato empreender-se uma cultura de paz.

Todavia, para os persistentes sistemas utópicos de justiça social, basta recordar a comunicação do Espírito Bernard Palissy, dada a Allan Kardec e transcrita em artigo da Revista Espírita de abril de 1858 – tal Espírito, encarnado em Júpiter, um planeta superior a Terra, em cujo conjunto a humanidade terrestre pode almejar alcançar, vem trazer aspectos da vida que lá existe. Algumas poucas questões nos interessam para o presente artigo:

71. Há ricos e pobres, isto é, homens que vivem na abundância e no supérfluo, e outros a quem falta o necessário?
R. – Não; todos são irmãos; se um possuísse mais que o outro, com este dividiria; não seria feliz quando seu irmão se privasse do necessário.

72. De acordo com isso, as fortunas seriam iguais para todos?
R. – Eu não disse que todos sejam ricos no mesmo grau; perguntastes se haveria os que possuem o supérfluo e outros a quem faltasse o necessário.

73. Essas duas respostas nos parecem contraditórias; pedimos que estabeleças a concordância entre elas.
R. – A ninguém falta o necessário; ninguém possui o supérfluo, ou seja, a fortuna de cada um está em relação com a sua condição. Estais satisfeitos?

74. Agora compreendemos; mas perguntamos, ainda, se aquele que tem menos não é infeliz, relativamente àquele que tem mais?
R. – Não pode ser infeliz, desde que não é invejoso nem ciumento. A inveja e o ciúme fazem mais infelizes que a miséria.

75. Em que consiste a riqueza em Júpiter?
R. – Que vos importa?

76. Há desigualdades sociais?
R. – Sim.

77. Sobre o que se fundam tais desigualdades?
R. – Sobre as leis da sociedade. Uns são mais ou menos avançados em perfeição. Os que são superiores exercem sobre os outros uma espécie de autoridade, como um pai sobre os filhos.

Num planeta de tal conta avançado qual Júpiter, a matéria não é encarada senão por aquilo que de fato é, a ferramenta que faculta as experiências que resultam no progresso do Espírito – isto é tão verdade que Allan Kardec, em seus parâmetros de fortuna e miséria, precisou de uma questão mais para compreender o que se passa. Mas, e isto é necessário atentar, a solidariedade que propicia a ninguém as agruras da extrema carência material é resultado do progresso íntimo de cada indivíduo, e não o efeito de uma imposição legal, juridicamente instituída, que violenta a natureza particular dos Espíritos. A ilusão que haja, que nutre o ser humano acerca de uma equidade material à guisa de igualdade social, segundo os parâmetros observáveis na Terra são e persistirão sendo apenas isto, uma ilusão. Será preciso o progresso dos indivíduos, um a um, leve o tempo que levar, para alcançar-se um estado como o existente em Júpiter. Até lá, ao invés de buscar uma utopia, não seria mais coerente consagrar esforços a algo mais real, possível de ser alcançado, qual o progresso pessoal? Qual a aumentar o conhecimento próprio, e educar os sentimentos, comedir as emoções, melhorar a qualidade dos próprios pensamentos?