O materialismo ganhou – qualquer pensador lúcido há de obtemperar e expor seus argumentos, por mais otimistas que sejam, concorde sob esta questão; e não haverá censores que, ao acusa-lo pessimista, não tenham sentido no próprio ser os efeitos nauseabundos de existir num mundo onde a hegemonia das paixões e o apego a matéria resultem nos efeitos mais nefastos. Todavia, se resiste o Espiritismo pelas letras vivas e atuais de Allan Kardec como um dos sustentáculos a apontar para a verdadeira realidade da vida, não será menos pungente que as expressões da prática espírita em território nacional façam débeis e estultos, iludidos pelas narrativas de além-túmulo e seus divulgadores de primeira hora, criando um ambiente falacioso, invulgarmente propicio a mitificação e ao simulacro, claramente ilegítimo, bastardo, inane.
O Espiritismo em sua missão de
restaurador do significado original da palavra de Jesus de Nazaré é qual
trombeta soprando num ermo de surdos, e ainda assim não é uma doutrina que
carrega consigo senão uma mensagem muito antiga, promanada da realidade oculta
das eras que dão a materialidade da vida humana seu lugar como um teatro de
sombras, fugaz e ilusório – e ao Espírito centraliza-o como o ser real,
imortal, perpétuo. Aqui e ali a História humana conta com expressões que
resgatam, ainda que simbolicamente, tal verdade, senão no todo, em parte. Acercados
que estamos do período natalino, em que a cristandade comemora o nascimento de
Jesus de Nazaré, uma figura de destaque surge em peças publicitárias, e
personificado em centros de comércio e consumo – o Papai Noel. Muitos espíritas
o rechaçam, enquanto outros o adotam pela força condicionante das tradições.
Os que logram detrata-lo
denunciam seu apelo mercantil de caráter adulterador do real sentido do Natal;
enquanto os que o filiam veem-no como parte fundamental das comemorações do
período, uma parcela lúdica de infantilidade inocente a resistir aos avanços
cruéis tão próprios do mundo adulto. No entanto, a figura do Papai Noel está
carregada de um simbolismo que no amago resgata e sustenta a doutrina de Jesus
de Nazaré, aquela mesma recuperada pelo Espiritismo – retratado como um idoso
trajando cores berrantes (costumeiramente vermelho) em meio a um deserto gelado
(costumeiramente as paisagens típicas do círculo polar ártico), o assim chamado
bom velhinho o que representa? Nas antiquíssimas tradições simbólicas a água,
que sempre se comporta com absoluta horizontalidade independente do recipiente
que a contenha caracteriza a matéria e por extensão o mundo material – os
enregelantes desertos da terra não são justamente um sem fim horizontal de água
em estado sólido? Não ofertariam as paisagens polares uma representação extrema
da frieza e desolação material? E em meio a ela uma só criatura, tremeluzindo
em vermelho como o fogo, que seja qual for sua fonte sempre mantém a
verticalidade, desafia a inclemência de tal clima como a expressão indômita do
Espírito, prosseguindo sempre adiante, alheio ao pior do que o cerca, focado a
cumprir sua razão de ser, espalhando em cada lar uma parcela deste saber,
representado pelo presente ofertado as crianças, à mente jovem mais apta a
adquirir, conter e viver segundo a égide espiritualista. Em sua condição idosa
e obesa, vem encarnar a imortalidade e ancestralidade do Espírito, bem como a
fartura de sua condição, pleno de experiências e saberes, de Inteligência ampla
e de potencial ilimitado para as realizações da existência.
Sob a superfície das aparências e
dos adornos que foram atados a sua figura, o Papai Noel guarda na essência esta
significação profunda, talvez um esboço palatável a mentalidade infantil, um
ensaio preparatório para o caudaloso texto evangélico e a história de Jesus de
Nazaré, tão cruel em seu epílogo. A alternativa para os que sustentam o prazer
sádico de revelar a uma criança que o Papai Noel é uma invenção é ver se
avizinhar da humanidade, década após outra, o frio domínio do materialismo, que
subverte o símbolo do fogo espiritual em fogo das paixões e dos desejos, e o
bom velhinho no mais inoxidável garoto-propaganda do consumismo sem freios, e absolutamente
vazio. Que os espíritas não queiram associar-se ao catolicismo é compreensível
e recomendável; mas nenhum pensador livre, estudante do verdadeiro saber, há de
perder-se ao se associar as ideias, conceitos e símbolos que de fato repercutam
a doutrina de Jesus de Nazaré, preservando-lhe o fundamento, exortando o
Espírito em detrimento da materialidade acerba do mundo. Qual a melhor
alternativa para os pequenos? Um Papai Noel ou nenhum?