1.
Vivem-se dias em que verdades
tácitas precisam ser ditas clara e pausadamente, ainda sob risco de faltar a
compreensão de muitos - nossas observações firmadas acerca de Chico Xavier e de
questões a ele relacionadas, tais como os autores espirituais que por sua
prodigiosa mediunidade vieram legar obras que fomentaram e fomentam confusão,
em artigos neste espaço publicados, exortaram certas ordens de observações.
Ordinariamente foi possível testemunhar quem desejasse, a exemplo do ocorrido
ao médium mineiro, ter admoestações cotidianas de parte de seus mentores
espirituais. Tais diretas intervenções parecem, aliás, ser da vontade plena de
diversos indivíduos, e suspeitamos que o sejam de uma imensa maioria, mesmo
dentre os que não se identificam como espíritas. Destes não há o que censurar
em abrir mão do livre-arbítrio, mas dos espíritas é de espantar, senão condenar
- no entanto, esta prática necromântica, ou seja, a consulta dos mortos para
aconselhamento acerca do futuro é antiquíssima, muitos milhares de anos
anterior ao surgimento do Espiritismo. É contra esta, aliás, que o legislador
hebreu Moisés vem manifestar-se no livro do Deuteronômio, no capítulo
18, versículos de 9 a 12, e o termo usado ali para a condenação da prática é espírito
adivinhador (v. 11), deixando claro a presença de tal prática
adivinhatória, aquela que pressagia, pressente, desvenda ou descobre
antecipadamente fatos ou acontecimentos vindouros. O que prescreve o
Espiritismo é bem diverso disto, embora esta necromancia seja imprudente e
correntemente levada a efeito em locais e por grupos que se afirmam espíritas.
Mais comum ainda é a bibliomancia, em que O Evangelho Segundo o Espiritismo,
preferencialmente, é aberto ao acaso, como que movidas suas páginas por
uma vontade e inteligência ocultas, a fim de fazer cair num dado capítulo, item
ou passagem que caiba ao consultante ou a alguém para quem se pratica tal arte.
Estas e demais práticas divinatórias, não seja demasiado redundante registrar,
não faz parte das atividades recomendadas pela Doutrina dos Espíritos, sendo
seus executores inteira e pessoalmente responsáveis por estas e seus efeitos.
Há um apelo candente na ideia de
se conhecer o futuro, embora aqueles que a historiografia notou como capazes de
fazê-lo hajam previsto mortes, tragédias e calamidades. A figura nebulosa do
médico francês Michel de Nostredame, o Nostradamus, é sempre evocada em tempos
incertos e na culminância de hecatombes e fatalidades; o americano Edgar Cayce
é outro visionário que tem suas previsões evocadas de quando em vez, para
espanto geral, prevendo epidemias e desastres; da Internet, recentemente surgiu
a obscura clarividente russa chamada Baba Vanga
que teria previsto a morte de Stalin, o acidente nuclear de Chernobil,
os atentados do 11 de setembro e a eleição de Barack Obama a presidência dos
EUA - claro, em se tratando da rede mundial de computadores, é difícil
comprovar o que de fato ela teria antecipado. Esses e outros tantos alimentam a
crença e as superstições, além dos temores mais intestinos das mentes
sensíveis, que ora se abstém de ir comprovar se o que lhes alcança é o que fora
adivinhado, haja visto que muitos dentre estes profetas usam de linguagem
cifrada ou hermética, carecendo de interpretes ou tradutores nem sempre hábeis,
ou bem intencionados. Uma questão frequentemente cara aos céticos mais renhidos
diz respeito ao fato segundo o qual tais previsões, se reais, seriam a
derrogação do livre-arbítrio - contudo, Allan Kardec trata desta questão,
outrossim, em A Gênese com sua Teoria da Presciência, ou seja, o
conhecimento do futuro. Neste ensaio ele cria a figura de um viajante que,
posicionado ao cume de uma alta montanha é capaz de ver ao longe o caminho pelo
qual vai um peregrino, antevendo na distância o que aguarda a este adiante -
pudesse o que está acima comunicar do que há no porvir, parecerá prever o
futuro do que está embaixo. Desta forma, o professor conclui:
“Bem se compreende, pois, que,
de conformidade com o grau de sua perfeição, possa um Espírito abarcar um
período de alguns anos, de alguns séculos, mesmo de muitos milhares de anos,
porquanto, que é um século em face do infinito? Diante dele, os acontecimentos
não se desenrolam sucessivamente, como os incidentes da estrada diante do
viajor: ele vê simultaneamente o começo e o fim do período; todos os eventos
que, nesse período, constituem o futuro para o homem da Terra são o presente
para ele, que poderia então vir dizer-nos com certeza: tal coisa acontecerá em
tal época, porque essa coisa ele a vê como o homem da montanha vê o que espera
o viajante no curso da viajem. Se assim não procede, é porque poderia ser
prejudicial ao homem o conhecimento do futuro, conhecimento que lhe pearia o
livre-arbítrio, paralisá-lo-ia no trabalho que lhe cumpre executar a bem do seu
progresso.”
O caminho traçado ao viajante é
como que a linha indelével ascendente do progresso do Espírito, e a um outro
Espírito que está muito acima deste hipotético que se lhe está abaixo, vê-lo em
sua trajetória será como que antever, precisamente, suas ações, seus próximos
passos, assim como um pai é capaz de antever as ações de um filho porque o
conhece em profundidade. Não obstante, aos pais compete fatalmente confiar
haver dado o melhor sustentáculo moral e espiritual aos filhos, a fim que estes
fruam pela vida por seus próprios esforços, cometendo de per si os atos que
resultarão desdobramentos ora positivos, ora negativos, cujos quais lhes caberá
inteira responsabilidade. Saber o que resultará amanhã os passos dados hoje
parece um alento, cuja tentação abarrota em todos os lugares, as mais
disparatadas sessões mediúnicas, numa irresponsável prática da necromancia. Em
complemento a questão 871 de O Livro dos Espíritos, Allan Kardec vem
lucidamente esclarecer acerca dos efeitos do conhecimento do futuro:
“Quanto mais se reflete nas
consequências que teria para o homem o conhecimento do futuro, melhor se vê
quanto foi sábia a Providência em lho ocultar. A certeza de um acontecimento
venturoso o lançaria na inação. A de um acontecimento infeliz o encheria de
desânimo. Em ambos os casos, suas forças ficariam paralisadas. Daí o não lhe
ser mostrado o futuro, senão como meta que lhe cumpre atingir por seus
esforços, mas ignorando os trâmites por que terá de passar para alcançá-la. O
conhecimento de todos os incidentes da jornada lhe tolheria a iniciativa e o
uso do livre-arbítrio. Ele se deixaria resvalar pelo declive fatal dos
acontecimentos, sem exercer suas faculdades. Quando o feliz êxito de uma coisa
está assegurado, ninguém mais com ela se preocupa.”
2.
A presciência guarda este caráter
extraordinário para as massas ignorantes, tanto quanto para certos
espiritualistas que, equivocadamente creem ser espíritas - e embora estes
últimos venham apelar as vozes de além-túmulo para conhecer o porvir, a
generalidade dos homens sobre a Terra busca, com pontuais e anonimas exceções,
guiar-se por intermédio de práticas divinatórias, sendo o horóscopo diário a
mais ordinária de suas expressões. Não há nenhum equívoco em desejar um
conselho, uma orientação, a voz de uma experiência superior quando diante de
uma decisão difícil a ser tomada - é tal tarefa, aliás, que cabe aos Espíritos
guia, os benfeitores espirituais. Imaginar ou almejar, porém, que estes
Espíritos decretem como exatos um futuro venturoso, é por-se na condição de um
ingênuo pronto a ser ludibriado. As seguintes questões de O Livro dos
Espíritos tratam dos guias:
“491. Qual a missão do
Espírito protetor?
A de um pai com relação aos
filhos; a de guiar o seu protegido pela senda do bem, auxiliá-lo com seus
conselhos, consolá-lo nas suas aflições, levantar-lhe o ânimo nas provas da
vida.”
“501. Por que é oculta a ação
dos Espíritos sobre a nossa existência e por que, quando nos protegem, não o
fazem de modo ostensivo?
Se vos fosse dado contar
sempre com a ação deles, não obraríeis por vós mesmos e o vosso Espírito não
progrediria. Para que este possa adiantar-se, precisa de experiência,
adquirindo-a frequentemente à sua custa. É necessário que exercite suas forças,
sem o que seria como a criança a quem não consentem que ande sozinha. A ação
dos Espíritos que vos querem bem é sempre regulada de maneira que não tolha o
livre-arbítrio, porquanto se não tivésseis responsabilidade, não avançaríeis na
senda que vos há de conduzir a Deus. Não vendo quem o ampara, o homem se confia
às suas próprias forças. Sobre ele, entretanto, vela o seu guia e, de tempos em
tempos, lhe brada, advertindo-o do perigo.”
Esta última questão, a propósito,
resulta num comprovante mais da atuação anômala de Emmanuel, a que já foi
detidamente tratada em artigos anteriores aqui publicados. Não nos furtamos,
uma vez mais, vir transcrever as lições de Allan Kardec e dos Espíritos da
Codificação acerca deste tema - em O Céu e o Inferno, em seu
capítulo X, Intervenção dos Demônios nas Modernas Manifestações, pode-se
apreciar o seguinte:
“Que mérito teríamos nós se, para tudo
saber, apenas bastasse interrogar os Espíritos? Por esse preço, todo imbecil
poderia tornar-se sábio.”
Do mesmo tomo, no capítulo VII, As
Penas Futuras Segundo o Espiritismo, encontra-se:
“Quaisquer que sejam a inferioridade e
perversidade dos Espíritos, Deus jamais os abandona. Todos têm seu anjo da
guarda (guia) que por eles vela, espreita-lhes os movimentos da alma, e se
esforçam por suscitar-lhes bons pensamentos, desejosos de progredir, de reparar
em uma nova existência o mal que praticaram. Contudo, essa interferência do
guia faz-se quase sempre ocultamente e de modo a não haver pressão, pois que o
Espírito deve progredir por impulso da própria vontade, nunca por qualquer
sujeição.”
Ou ainda, em O Livro dos Médiuns,
item 303, há a passagem:
“Se os homens não tivessem mais do que
se dirigirem aos Espíritos para tudo saberem, estariam privados do
livre-arbítrio e fora do caminho traçado por Deus à Humanidade. O homem deve
agir por si mesmo. Deus não manda os Espíritos para que lhe achanem a estrada
material da vida, mas para que lhe preparem a do futuro.”
Ainda que o sentido à tez da pele
por Chico Xavier não lidou diretamente com quaisquer previsões mirabolantes
acerca de seu futuro, as intervenções empreendidas por Emmanuel no curso de
tolher o livre-arbítrio deste foram além de consentidas, foram desejadas,
exortadas e esperadas. Nem a doença, nem o cansaço, nem o comum das expressões
da vida humana na Terra podiam desviar Chico Xavier de prosseguir trabalhando,
psicografando, atendendo aos necessitados que para si acorriam com toda sorte
de adversidade a afligir-lhes. O médium mineiro pôs-se aos caprichos de um
Espírito que por ele, coagiu a seguir caminhos, constrangeu a tomar ações e
atitudes, mesmo que lhe fosse contrário ao arbítrio. Tal relação em que a
sujeição de um frente a dominação do outro urdiram um harmônico encadeamento
com um fim que, em retrospecto, é conhecido e reconhecido, encontra muitos
apoiadores e aderentes, que sob os mais diversos e absurdos argumentos defendem
tudo quanto a biografia de Chico Xavier registrou. Subsiste firmemente a ideia
segundo a qual o médium era um Espírito missionário, o que aponta a necessidade
de coagir por parte de Emmanuel. Mas eis que a lógica se estabelece contra tal
pressuposto, indicando para efeito didático, contrapor o momento em que Allan
Kardec, de fato um Espírito missionário, fora convidado a assumir sua imensa
tarefa, e o modo por que Chico Xavier fora impelido por Emmanuel ao trabalho de
servir a registrar um mundo de obras equivocadas, cujos erros foram já alvo de
artigos passados. De mais a mais, quem assim crê, demonstra desconhecer as funções
de um benfeitor espiritual, bem como carece de maior estudo em relação ao
livre-arbítrio, tanto quanto aos aspectos da vida do médium mineiro - o fato de
alguns, ou muitos indivíduos terem sido tocados pessoalmente pela obra deste,
ou terem sido levados ao Espiritismo por estas, não é o indicativo senão da
confusão e deturpação aí contidas. O que ganha o Espiritismo em ter aderentes
que se encontram presos por uma divida de gratidão que cega, afeitos ao
desmedido das emoções e não a retidão da lógica racional?
3.
As duas questões que abrem o
seguimento anterior pintam a figura dos benfeitores espirituais como pais; em
complemento a questão 495 de O Livro dos Espíritos, São Luís e Santo
Agostinho tecem outra imagem igualmente calorosa e receptiva:
“Oh! Interrogai os vossos
anjos guardiães; estabelecei entre eles e vós essa terna intimidade que reina
entre os melhores amigos. Não penseis em lhes ocultar nada, pois que eles têm o
olhar de Deus e não podeis enganá-los. Pensai no futuro; procurai adiantar-vos
na vida presente. Assim fazendo, encurtarei vossas provas e mais felizes
tornareis as vossas existências. Vamos, homens, coragem! De uma vez por todas,
lançai para longe todos os preconceitos e ideias preconcebidas. Entrai na nova
senda que diante dos passos se vos abre. Caminhai! Tendes guias, segui-os, que
a meta não vos pode faltar, porquanto essa meta é o próprio Deus. (...) Não vos
parece grandemente consoladora a ideia de terdes sempre junto de vós seres que
vos são superiores, prontos sempre a vos aconselhar e amparar, a vos ajudar na
ascensão da abrupta montanha do bem; mais sinceros e dedicados amigos do que
todos os que mais intimamente se vos liguem na Terra?”
Num mundo em que o materialismo é
a tônica, tais palavras acerca dos benfeitores espirituais soam anacrônicas - que
homens de fato podem analisar os próprios pensamentos e ações e afirmar que
avançaram irreprochavelmente na senda do bem, que não faltaram uma só vez e
dedicaram todo seu ser ao progresso e satisfação de seus pares? O superlativo
chamamento da vida, transfigurado na oculta presença dos benfeitores
espirituais pede um rumo diverso do entendido pelas massas agônicas que hora se
debatem sobre a Terra. A felicidade do homem é o mesmo gozo do animal, da
satisfação das necessidades do corpo, do descanso necessário, de suprir a fome
que atordoa e a sede que esgota, de fruir do sexo e de prazeres fugazes - a
felicidade espiritual é uma quimera que não atrai, a fé no futuro é letra morta
nos Evangelhos, a promessa do Reino de Deus é um distante e caduco voto. O que
importa é contentar agora, imediatamente. Diante disto a sentença que versa que
Deus
não manda os Espíritos para que lhe achanem a estrada material da vida, mas
para que lhe preparem a do futuro parecem escritas em indecifrável idioma -
nem mesmo aqueles que se propõem espíritas parecem prontos a compreender tal
fato. Menos ainda dispostos estão a mudança de postura consciente exigida para
avançar por este caminho.
Somente aí, em insuflar a bonomia, é que
se irmana a postura de Emmanuel a dos guias espirituais; todavia, em que se
prestem a toda assistência que podem remotamente dar, instando bom ânimo,
orientando e guiando aos esforços sinceros na senda do progresso, nenhum guia
espiritual há que pressionar seu protegido, constranger ou mesmo ameaçar, indo
contra o livre-arbítrio deste. E aí é que pesam os fatos contra o mentor
de Chico Xavier - o modo como operou atenta contra o bom senso e contra os
postulados espíritas. Caberá ao leitor se questionar, ao fazer uma análise
pessoal e íntima, se tem as disposições particulares do médium mineiro para
suportar um mentor espiritual, presente, atuante e ostensivamente
autoritário, que o impedirá de descansar, de recuperar-se de uma moléstia, de
faltar aos compromissos assumidos por razões judiciosas, de fruir conversas vãs
ou sequer aprender a tocar um instrumento musical. O capiau interiorano
suportou isto e muito mais ao longo de mais de setenta anos, como bem se pode
ler em qualquer de suas biografias disponíveis. Quererão insistir em afirmar a
missão de Chico Xavier como forma de indultar Emmanuel, ou a solicitar
averiguar o resultado prático de tal aberrante relação, qual seja os mais de
quatro centenas de livros psicografados, quando de fato o conteúdo destes não
transforma o médium mineiro em um Espírito missionário, menos ainda Emmanuel em
um benfeitor espiritual. E disto já tratamos com riqueza de minucias em artigos
aqui publicados no ano de 2019, e que estão prontos a apreciação de qualquer
interessado.
O que se pode concluir diante disto? Que
Emmanuel não fora um guia espiritual, tampouco que haja Chico Xavier sido tão
bom quanto lhe supre o mito - a este pormenor, a propósito, dão as ações de
bonomia do médium muito mais um caráter publicitário do que sincero. Chico
Xavier não poderia ter desejado marqueteiro melhor.
Destarte, para este mar sem fim de
cabeças humanas que deambulam em busca da felicidade, desta mesma felicidade de
contornos materialistas, resta aos que aí, acompanhando a marcha aspiram e
pressentem a vida como uma fenômeno muito mais amplo, debruçar esforços ao
estudo de doutrinas espiritualistas, das quais o Espiritismo é senão, para nós
outros, o expoente máximo - e de seu Codificador, o professor Allan Kardec,
surge uma voz de ânimo desde mais de cento e cinquenta anos passados, instando
a um fim que o futuro reserva a todos:
“Todos os Espíritos, mais ou menos
bons, quando encarnados, constituem a espécie humana e, como o nosso mundo é um
dos menos adiantados, nele se conta maior número de Espíritos maus do que de
bons. Tal a razão por que aí vemos tanta perversidade. Façamos, pois, todos os
esforços para a este planeta não voltarmos, após a presente estada, e para
merecermos ir repousar em mundo melhor, em um desses mundos privilegiados, onde
não nos lembraremos da nossa passagem por aqui, senão como de um exílio
temporário.”