Em artigo aqui publicado em 4 de
outubro último, sob o título Qual o Tamanho do Espírito?, vimos expor
considerações acerca de aspectos poucos conhecidos e debatidos do perispírito,
no tocante as suas propriedades, relativo a estatura do ser. Ao final, não
repercute senão a verdade havermos concluído que muitos dos seres míticos,
mitológicos e folclóricos, dentre as minúsculas fadas pouco maiores que alguns
insetos, até os gigantes que se elevam acima das copas das árvores, resultam da
visão de Espíritos que por tais formas se apresentam. Podem mesmo ser a
reminiscência de médiuns que os viram quando em estados excitatórios da
consciência, quais os sonâmbulos e os extáticos - sabe-se que em erraticidade,
uma multidão infindável de indivíduos toma formas as mais diversas. Para se
conceber o que há por aí, será preciso imaginar as figuras mais ostensivamente
chamativas dentre o enorme espectro dos tipos humanos encarnados, dos
enormemente altos acometidos de gigantismo aos mais diminutos representantes
dos portadores de nanismo primordial, daqueles vitimados pela morbidez da
obesidade aos mais esquálidos sujeitos, dos casos mais graves e jamais
registrados pela medicina teratológica de gemelaridades parasitárias até os
indivíduos mais bizarros que a modificação corporal da matéria dá um pálido
esboço - sem que sejam esquecidos os mais insólitos quadros do hibridismos, em
que a figura humana mescla-se a dos animais, e mesmo o surgimento dos seres
mitológicos dignos dos bestiários mais ricos do medievo. Obviamente,
autores sem nenhum conhecimento da
Doutrina dos Espíritos, em nome desta atestaram a existência de tais criaturas
como expressões reais dos mesmos, e não pelo que de fato são, ou seja,
Espíritos humanos que tomaram tais aparências sob os mais íntimos e singulares
pretextos.
Contudo, a questão que se
apresenta pode, para certas sensibilidades, ser igualmente perturbadora. Um dos
raros fenômenos decorridos do perispírito é a transfiguração. Como operada no
Evangelho de Marcos, pareceu um dos muitos milagres catalogados em tais textos
sem um fim útil - claro que, por se tratar de Jesus e, considerando-se como
havendo de fato ocorrido, sua transfiguração teve senão o patente objetivo de,
uma vez mais, comprovar a doutrina da existência e sobrevivência do Espirito
aos seus discípulos. Não tendo tal fenômeno ocorrido apenas com Jesus, mas
observado ao longo de toda a história humana, o Espiritismo dele tratou como
manifestação mediúnica incomum, porém absolutamente natural. Seu registro mais
significativo se encontra em O Livro dos Médiuns, no capítulo VII da
Segundo Parte, sob o título Da Bicorporeidade e da Transfiguração, onde
Allan Kardec o define como a mudança do aspecto de um corpo vivo. A
partir de então narra o ocorrido a uma mocinha natural de Saint-Étienne, cidade
situada há 60km. de Lyon e capital do distrito do Loire - esta jovem de cerca
de 15 anos possuía uma invulgar capacidade para operar o fenômeno da
transfiguração, e com tal habilidade que reproduzia magistralmente a aparência
quanto os trejeitos e expressões dos Espíritos, além de seu peso corporal. O
Codificador explica:
“Está, em princípio, admitido
que o Espírito pode dar ao seu perispírito todas as aparências; que, mediante
uma modificação na disposição molecular, pode dar-lhe a visibilidade, a
tangibilidade e, conseguintemente, a opacidade; que o perispírito de uma pessoa
viva, isolado do corpo, é passível das mesmas transformações; que essa mudança
de estado se opera pela combinação dos fluidos. Figuremos agora o perispírito
de uma pessoa viva, não isolado, mas irradiando-se em volta do corpo, de
maneira a envolvê-lo numa espécie de vapor. Nesse estado, passível se torna das
mesmas modificações de que o seria, se do corpo estivesse separado. Perdendo
ele a sua transparência, o corpo pode desaparecer, tornar-se invisível, ficar
velado, como se mergulhado numa bruma. Poderá então o perispírito mudar de
aspecto, fazer-se brilhante, se tal for a vontade do Espírito e se este
dispuser de poder para tanto. Um outro Espírito, combinando seus fluidos com os
do primeiro, poderá, a essa combinação de fluidos, imprimir a aparência que lhe
é própria, de tal sorte, que o corpo real desapareça sob o envoltório fluídico
exterior, cuja aparência pode variar à vontade do Espírito. Esta parece ser a
verdadeira causa do estranho fenômeno e raro, cumpra se diga, da
transfiguração.”
Em edição de março de 1859 da Revista
Espírita, Allan Kardec volta a questão, obtendo uma série de respostas de
São Luís, as quais se destacam os dados seguimentos:
“3.Como se produz esse efeito?
Resp. - A transfiguração, como
o entendeis, nada mais é que uma modificação da aparência, uma mudança ou uma
alteração das feições que pode ser produzida pela ação do próprio Espírito
sobre o seu envoltório ou por uma influência exterior. O corpo não muda jamais;
todavia, em consequência de uma contração nervosa, adquire aparências diversas.”
“7. Parece resultar do que
acabais de dizer que no fenômeno da transfiguração podem ocorrer dois efeitos:
1º_Alteração dos traços do corpo real em consequência de uma contração nervosa;
2º_Aparência variável do perispírito, tornado visível. É assim que devemos
entender?
Resp. - Certamente.”
“Com efeito, desde que o
perispírito pode isolar-se do corpo e tornar-se visível; que, por sua extrema
sutileza, pode adquirir diversas aparências, conforme a vontade do Espírito,
concebe-se sem dificuldade que assim ocorra com uma pessoa transfigurada: o
corpo continua o mesmo; somente o perispírito mudou de aspecto. Mas,
perguntarão, em que se transforma o corpo? Por que razão o observador não vê
uma imagem dupla, a saber, de um lado o corpo real e do outro o perispírito
transfigurado?”
Eximindo-se de estender o assunto
aqui, apesar de tais questionamentos, na edição de maio de 1861 da Revista
Espírita, retoma ele a abordagem, de tal feita referindo-se ao seguimento
acima anotado de O Livro dos Médiuns; observemos:
“4. Se, no aumento de volume e
peso da mocinha das cercanias de Saint-Étienne, o fenômeno se produzia pelo
adensamento de seu perispírito, combinado com o de seu irmão, como é que os
olhos dela, que deviam ter ficado no mesmo lugar, podiam ver através da espessa
camada de um novo corpo que se formava diante deles?
Resp. - Como veem os
sonâmbulos com as pálpebras fechadas: pelos olhos da alma.”
“5. No fenômeno citado o corpo
aumentou. No fim do capítulo VII está dito ser provável que se a transfiguração
tivesse ocorrido sob o aspecto de uma criancinha, o peso teria diminuído
proporcionalmente. Não posso me dar conta, conforme a teoria da irradiação e da
transfiguração do perispírito, de que este possa tornar-se menor que um corpo
sólido. Parece-me que o último deveria ultrapassar os dois perispíritos
combinados.
Resp. - Como o corpo pode
tornar-se invisível pela vontade de um Espírito superior, o da mocinha também
se torna invisível, pela força de um poder independente de sua vontade. Ao
mesmo tempo, combinando-se com o do menino, seu perispírito pode formar e
realmente forma a imagem dessa criança. A teoria da mudança do peso específico te
é conhecida.”
Infere-se, portanto que algumas
questões mantiveram o pensamento de Allan Kardec ocupado no tocante a
transfiguração, e no particular deste caso facultado pela jovem médium
stéphanoise. Tais mesmas questões de apelo inegável para qualquer estudante do
Espiritismo - afinal se concebe que a garota tinha seu perispírito combinado ao
perispírito do Espirito comunicante, ao qual se tornava visível, podendo mesmo
tornar-se tangível ao ponto de seu peso ser mensurado. Enxergaria a médium,
envolta pela opacidade de tal 'casca' perispiritual? Claro, pelos olhos
da alma, foi a resposta que o Codificador obteve. Manifestando um Espírito
superior a sua estatura, nenhuma dificuldade em se compreender que a médium
ficara contida em seu imo, mas e se o caso fosse oposto? Acaso um médium de boa
altura, um adulto, viesse manifestar o Espírito de uma criança? - do mesmo modo
compreende-se que parte do corpo do médium, a excedente na diferença de sua
altura frente a do Espírito, tornar-se-ia invisível. Não é, portanto, absurdo
concluir que o médium e o Espírito neste fenômeno vem ocupar um mesmo espaço,
imprescindível para operar-se a transfiguração - diversamente das aparições
tangíveis, onde o médium, frequentemente em repouso em uma cadeira, cede parte
de seu fluido para combiná-lo ao do Espírito, que ganha os ambientes de modo
independente e com certa autonomia.
Na mesma edição de maio de 1861
da Revista Espírita, em Conversas Familiares de Além Túmulo. Dr.
Glass, acha-se transcrito diálogo de Allan Kardec com o Espírito deste
médico desencarnado precocemente aos 35 anos, em fevereiro de 1861, registrado
como fervoroso espírita. Algumas das questões aí notadas são bastante
interessantes e vão aprofundar os estudos aqui apresentados:
“Fazeis distinção entre o vosso
Espírito e o vosso perispírito? Qual a diferença que estabeleceis entre as duas
coisas?
Resp. - Penso, logo sinto e
tenho uma alma, como disse um filósofo. Não sei mais que ele a respeito. Quanto
ao perispírito, é uma forma, como sabeis fluídica e natural; mas buscar a alma
é querer buscar o absoluto espiritual.”
“Credes que a faculdade de
pensar resida no perispírito? Numa palavra, que a alma e o perispírito sejam
uma só e a mesma coisa?
Resp. - É absolutamente como
se perguntásseis se o pensamento reside no vosso corpo. Um se vê; o outro se
sente e se conhece.”
“Assim, não sois um ser vago e
indefinido, mas um ser limitado e circunscrito?
Resp. - Limitado, sim; mas
rápido como o pensamento.”
“Quereis indicar o lugar que
estais aqui?
Resp. - À vossa esquerda e à
direita do médium.”
“Fostes obrigado a deixar o
vosso lugar para mo ceder?
Resp. - Absolutamente: nós
passamos através de tudo, como tudo passa através de nós; é o corpo espiritual.”
“Assim, estou mergulhado em
vós?
Resp. - Sim.”
“Por que não vos sinto?
Resp. - Porque os fluidos que
compõem o perispírito são muito etéreos, não suficientemente materiais para
vós; mas pela prece, pela vontade, numa palavra, pela fé, os fluidos podem
tornar-se mais ponderáveis, mais materiais, e mesmo afetar o tato, o que
acontece nas manifestações físicas e é a conclusão deste mistério.”
Resposta a que Allan Kardec
observa: “Suponhamos um raio luminoso penetrando num local escuro; pode-se
atravessá-lo, nele mergulhar, sem lhe alterar a forma nem a natureza. Embora
esse raio seja uma espécie de matéria, é tão sutil que não oferece nenhum
obstáculo à passagem da matéria mais compacta. Dá-se o mesmo com a coluna de
fumaça ou de vapor que, igualmente, pode ser atravessada sem dificuldade.
Somente o vapor, por ter mais densidade, produzirá no corpo uma impressão que
não produz a luz.” - prossegue ele com as indagações ao falecido doutor.
“Suponhamos que neste momento
pudésseis tornar-vos visíveis aos olhos da assembleia. Que efeitos produziriam
nossos dois corpos, um dentro do outro?
Resp. - O efeito que vós mesmo
imaginais, naturalmente; todo o vosso lado esquerdo seria menos visível que o
direito; estaria num nevoeiro, no vapor do perispírito; o mesmo ocorreria do
lado direito do médium.”
“Suponhamos agora que vos
pudésseis tornar não apenas visível, mas tangível, como já aconteceu algumas
vezes. Isto poderia acontecer, conservando a situação em que estamos?
Resp. - Forçosamente eu me
mudaria pouco a pouco de lugar; eu me construiria ao vosso lado.”
“Há pouco, quando falei
somente da visibilidade, disseste que estaríeis entre mim e o médium, o que
indica que teríeis mudado de lugar. Agora, para a tangibilidade, parece que vos
afastais ainda mais. Não seria possível tomardes as duas aparências conservando
nossa posição inicial, eu ficando mergulhado em vós?
Resp. - Não, absolutamente, já
que respondo a pergunta. Eu me reconstruiria ao lado. Não me posso solidificar
naquela posição; só posso aí ficar se permanecer fluídico.”
O perispírito é maleável aos
caprichos do Espírito; pode expandir ou retrair, ou penetrar matéria sólida,
permitindo ainda que dois seres ocupem um mesmo espaço - se no primeiro caso o
Espírito se manifesta visível e tangivelmente a ponto de encobrir a médium, é
porque a junção do fluido de ambos faculta tal possibilidade; diversamente do
aventado por Allan Kardec ao Espírito do Dr. Glass, em que a tangibilidade nada
tem que ver com a transfiguração, e certamente os fluidos aí usados o seriam de
modos diversos. Mas, preciso é atentar para o fato de que o Codificador não
fora médium ostensivo, a tal que nenhuma impressão lhe causou estar mergulhado
no Espírito do Dr. Glass. Contrariando o consagrado pela cultura popular, em
que a penetrabilidade dos fluidos sempre permitiu a fantasmas a habilidade de
atravessar matéria sólida, aqui se verifica que podem muito bem permanecer
imersos nela, como que integrando momentaneamente um obstáculo ao qual lhes é
insensível e que, imagina-se, para muitos chega a ser invisível. O diálogo com
o Dr. Glass é um seguimento transcrito de bom tamanho, levando o leitor a
concluir que haja se tratado de uma interação algo longa, o que não causou
nenhuma perturbação ao Codificador. Não nos surpreende, portanto, as visões de
médiuns que hajam reportado Espíritos ocupando o mesmo assento que um encarnado
durante palestras e cursos - parece impactante? não menos é imaginar uma
multidão invisível de Espíritos desempenhando os afazeres dos encarnados,
mesclando-se a estes, operando máquinas, conduzindo veículos, ministrando aulas,
usando sanitários, participando de atividades desportivas, orando em templos e
igrejas, permitindo-se o hedonismo de festas e espetáculos, enfim, tudo quanto
constitui ocupação humana.
Pode-se pensar equivocadamente,
principalmente os defensores da ideia segundo a qual existem locais
circunscritos destinados a conter Espíritos, que estes 'desgarrados' são
necessariamente maus ou como preferem reputá-los, trevosos - que as
trevas residem nos corações e mentes dos homens, filha esta da ignorância das
Leis Naturais, é o saber esperado de todo espírita. Como propugna a Doutrina
dos Espíritos, os Espíritos compõem toda uma população invisível, a mover-se
em torno de nós; estão por toda parte no espaço e ao nosso lado, vendo-nos e
acotovelando-nos de contínuo.
Há toda sorte de indivíduos aí,
mas por certo nenhum que escape ao esperado para o gênero humano encarnado na
Terra.
Algumas pessoas a quem foi
exposto o conteúdo do presente artigo questionaram se não haveria, pela
contínua atividade dos Espíritos em meio e através dos encarnados a chamada incorporação
- faltou-lhes, claro, apresentar a questão 141 de O Livro dos Espíritos.
O termo é, infelizmente, ainda de uso corrente nos círculos que se acreditam
espíritas, e acaba por traduzir erroneamente as mais variadas medianimidades,
como a psicofonia e a psicografia. O Espírito não fica encerrado no corpo
físico, visto que sua natureza, como explanado no artigo a que reportamos no
início deste, difere do que se compreende por matéria - aliás, está penetrabilidade,
sua particularidade reproduzida pelo perispírito, leva o estudioso a
especulações sem fim acerca da íntima natureza do ser espiritual, sem um termo
satisfatório, contudo. Outras indagações mais facultadas por este tema tão
interessante guardam na mediunidade suas dúvidas mais nevrálgicas - informes
contaminantes da literatura mediúnica vem exortar a confusão. Para aclarar a
questão em definitivo, ou antes para compreender corretamente o mecanismo
da mediunidade, um pequeno trecho de Estudos sobre os Possessos de Morzine,
ensaio publicado na Revista Espírita em seu número de dezembro de 1862,
encerra este presente opúsculo com as sapienciais palavras de Allan Kardec:
“Quando um Espírito quer agir
sobre uma pessoa, dela se aproxima e a envolve, por assim dizer, com o seu
perispírito, como num manto; os fluidos se interpenetram, os dois pensamentos e
as duas vontades se confundem e, então, o Espírito pode servir-se daquele corpo
como se fora o seu próprio, fazê-lo agir à sua vontade, falar, escrever, desenhar,
etc. Tais são os médiuns.”
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