Introdução
Jesus - quão imensurável é o
significado contido neste nome? Desde que um hebreu fendeu o tecido da História
humana cerca de vinte séculos se passaram, e o que de fato ocorreu naqueles
dias, numa Palestina sob domínio do Império Romano, é mote de exame, estudo e
discussão incessante. Aos defensores da ideia segundo a qual Jesus é uma
invenção, conspira favoravelmente um oceano de tempo e de repercussões
históricas que, a bem da verdade, pouco ou nada interviu diretamente este para
o desdobrar dos eventos. Os mitos enodoaram os fatos sob um véu de
interpretações repletas de fantasia, superstição, fanatismo e idolatria. Um
homem tornou-se um Deus, suas palavras a nova ordem, seus atos em milagres que
derrogaram a Lei Natural. Mas de sobre suas sandálias puídas no árido e
poeirento deserto palestino, ele teve a presciência do porvir e soube o que
resultaria sua passagem entre as gentes - prometeu restaurar o que haveria de
ser perdido, prometeu um bálsamo, um consolador para a homem que lhe teria
distante da essência de seus ensinamentos. O Espiritismo restituiu o
significado original das palavras e atos de Jesus de Nazaré, expurgando a chaga
das interpretações de vanguarda que fizeram dele um ser sobre-humano e
sobrenatural. A esse respeito, Allan Kardec escreveu em O Evangelho Segundo
o Espiritismo:
“O Espiritismo é a ciência
nova que vem revelar aos homens, por meio de provas irrecusáveis, a existência
e a natureza do mundo espiritual e as suas relações com o mundo corpóreo. Ele
no-lo mostra, não mais como coisa sobrenatural, porém, ao contrário, como uma
das forças vivas e sem cessar atuantes da Natureza, como a fonte de uma
imensidade de fenômenos até hoje incompreendidos e, por isso, relegados para o
domínio do fantástico e do maravilhoso. É a essas relações que o Cristo alude
em muitas circunstâncias e daí vem que muito do que Ele disse permaneceu
ininteligível ou falsamente interpretado. O Espiritismo é a chave com o auxílio
do qual tudo se explica de modo fácil. (...) Nada ensina em contrário ao que
ensinou o Cristo; mas desenvolve, completa e explica, em termos claros e para
toda gente, o que foi dito apenas sob forma alegórica. Vem cumprir, nos tempos
preditos, o que o Cristo anunciou e preparar a realização das coisas futuras.
Ele é, pois, obra do Cristo, que preside, conforme igualmente o anunciou, à
regeneração que se opera e prepara o Reino de Deus na Terra.”
O estudioso espírita encontra
facilmente um sem número de referências a Jesus desde O Livro dos Espíritos,
alcançando em O Evangelho Segundo o Espiritismo um tratado acerca de
suas parábolas, de suas lições, chegando A Gênese com as explicações
naturais dos atos que equivocadamente a historiografia, dando voz a ignorância
ancestral, registrou como miraculosos. Sem ter à mão em seu tempo senão os
Evangelhos canônicos contidos na Bíblia, Allan Kardec contou com a orientação
direta e ativa dos Espíritos da Codificação para compor tais obras,
resguardando-se a posição do homem de intelecto que habilmente trata as ideias
por si mesmas, e não como o idólatra que toma as fontes como expressão cabal da
verdade. Desde então, as Ciências avançaram sobre questões jamais antes
estudadas, e a figura humana de Jesus de Nazaré começou a tomar forma,
vaporosamente se irrompendo dentre as brumas do tempo, separando-se da figura
deificada, mitificada e idolatrada de Jesus Cristo. Com certa audácia
imagina-se que Allan Kardec abriria mão do segundo em nome do primeiro, ainda
que não completamente, posto que as Ciências materialistas nada acrescem aos
aspectos filosóficos éticos e morais que o Espiritismo aborda, por meio daquela
que persiste sendo a fonte mais adequada, os Evangelhos.
Ainda que haja sido apontado como
guia e modelo da humanidade na questão 625 de O Livro dos Espíritos,
tornando-se objeto e parte essencial das Obras da Codificação, Jesus parece
permanecer tão desconhecido na abordagem do Espiritismo, quanto os fundamentos
doutrinários espiritas o são de parte daqueles mesmos que se declaram seus
aderentes. Alvo e mote dileto de diversos autores, encarnados ou não, a atenta
leitura de suas obras as opõem frente a abordagem espírita. Evocando a dinâmica
mesma que sugerimos em artigo de 27 de setembro último, empreenderemos em exame
um cotejamento entre algumas destas obras que, segmentadas ao adjutório de livros
espíritas, tem em Jesus suas razões de existir, com o fito de dar
comprovação a tal asserção. Para tal empresa o artigo citado lista tão somente
três livros (O Sublime Peregrino de Ramatis, O Redentor de Edgard
Armond, e Os Últimos Seis Dias de Jesus de Jamiro dos Santos Filho), ao
que pudemos acrescer de A Caminho da Luz, Há 2000 Anos e O
Consolador, atribuídos ao Espírito Emmanuel, Cornélius o Centurião que
viu Jesus atribuído a J. W. Rochester, e Os Quatro Evangelhos de J.
B. Roustaing; são, portanto, oito obras que tangem a figura de Jesus, ainda que
não seja ele forçosamente o protagonista em todas elas. Sabidamente, nem todos
os mesmos pontos biográficos de sua vida são abordados, mas ao fazê-lo
pontualmente fornecem material vasto para estudo, permitindo ao espírita
constatar a penetração do mito frente aos fatos, a supremacia da versão
tradicional que obscurece a restauração empreendida pela Doutrina dos
Espíritos. Imaginamos alcançar por provas abundantes a constatação da
discrepância existente entre o que é tomado como a expressão da verdade cabal
dos narradores de além-túmulo, e aquilo que registra os princípios do
Espiritismo, bem como os novos conhecimentos hauridos do trabalho de um sem
número de pesquisadores acerca de Jesus e de seu tempo. Portanto, certos
tópicos de interesse geral acerca do nazareno restringirão o foco e o critério,
fixando-se nas passagens das obras em exame que tratam do assunto, seguidas
pelo que pontua as Obras Básicas, comentadas e concluídas ao final, segundo
convenha. Sem isto, cada livro por si resguarda tanto mais material aberrante
quanto deseje o leitor encontrar ao esmiúça-las por seus próprios meios,
mantendo o método prescrito pelo Espiritismo ao nortear a fé raciocinada em tal
esclarecedor e necessário exercício.
1. A Natureza de Jesus
“Antes de tudo, precisamos
compreender que Jesus não foi um filósofo e nem poderá ser classificado entre
os valores propriamente humanos, tendo-se em conta os valores divinos de sua hierarquia
espiritual, na direção das coletividades terrícolas.” - O Consolador,
3º Parte, II Evangelho
“As peças nas narrações
evangélicas identificam-se naturalmente, entre si, como partes indispensáveis
de um todo, mas somos compelidos a observar que, se Mateus, Marcos e Lucas
receberam a tarefa de apresentar, nos textos sagrados, o Pastos de Israel na
sua feição sublime, a João coube a tarefa de revelar o Cristo Divino, na sua
sagrada missão universalista.” - O Consolador, 3º Parte, II
Evangelho
“288-'Meu Pai e eu somos Um' -
Podemos receber mais alguns esclarecimentos sobre essa afirmativa do Cristo?
A afirmativa evidenciava a sua
perfeita identidade com Deus, na direção de todos os processo atinentes à
marcha evolutiva do planeta terrestre.” - O Consolador, 3º Parte, II
Evangelho
“Seja como for, percebe-se que Jesus, naquele instante - o Filho do
Homem, isto é, o que evoluíra pelas encarnações humanas, o Governador
Planetário, em perfeita sintonia com o Cristo Planetário - reintegrou-se em
todo o poder do Espírito Crístico, da esfera dos Amadores, tornando-se
integralmente apto para a realização de sua sacrificial tarefa na Terra.” -
O Redentor, cap. 17, O Início da Tarefa Pública
“Jesus foi um 'Avatar', ou
seja, uma entidade da mais alta estirpe sideral já liberta da roda exaustiva
das reencarnações educativas ou expiatórias. Em consequência, a sua encarnação
não obedeceu às mesmas leis próprias das encarnações comuns dos Espíritos
primários e atraídos à carne devido aos recalques da predominância do instinto
animal.” - O Sublime Peregrino, cap. 2, Jesus e sua Descida à Terra
“Portanto, já é tempo de vos
afirmar que o Cristo Planetário é uma entidade arcangélica, enquanto Jesus de
Nazaré, espírito sublime e angélico, foi seu médium mais perfeito na Terra!”
- O Sublime Peregrino, cap. 5, Jesus de Nazaré e o Cristo Planetário
“Efetivamente, Jesus, Espírito
perfeito, puro entre os mais puros de quantos, sob a sua direção, trabalham
para o vosso progresso, vossa regeneração, vossa transformação física, moral e
intelectual, a fim de vos conduzir à perfeição; (...)” - Os Quatro
Evangelhos, vol. I
“Então ali, naquele pátio,
olhando-o de frente vi que ele não poderia ser Deus, mas também não era um
homem comum. Era, sim, um espírito puro, descido de Altas Esferas e encarnado
num corpo constituído de carne e osso como todos nós. (...) Essa era a parte
comum dele, ter o corpo igual a de todos os homens. Nada mais.” - Os
Últimos Seis Dias de Jesus, Segundo Dia Segunda-feira, Os Sacerdotes e
Escribas
Jesus não é Deus, e isto é óbvio
para qualquer espírita; mas não impede a adoração cega, uma clara herança
atávica, senão um forte condicionamento que repercute num extremo ao ridículo
de certas narrativas, constrangedoras, acerca de Jesus de Nazaré. Jesus é um
Espírito, criado simples e ignorante como qualquer outro, que por múltiplas
reencarnações deambulou pela existência em atos que não devem nada ao daqueles
catalogados nas expressões da vida humana na Terra. Jesus amou e odiou em
semelhante medida, cometeu atos meritórios e outros reprováveis, foi pai, mãe,
irmão, filho, avô, tirano, assassino, amigo, amante, filantropo, hipócrita,
demagogo, altruísta, grosseiro, violento, doce, benemérito, nobre, humilde,
egoísta, enfim; imaginar diferente é, sim, concordar a quem toma-o havendo
progredido sem sobressaltos, o que a razão mais elementar condena. Como pode o
Espiritismo encontrar pleno entendimento nas mentes das gentes se não há
compreensão deste seu fidalgo caráter, de haver restaurado o sentido original
dos atos e palavras de Jesus? Sem isto, sua natureza persiste no campo do
sobrenatural, do maravilhoso e da fantasia. Nem mesmo os 'espíritas' se
entendem - enquanto uns o querem Espírito Superior, outros o veem na qualidade
de Espírito Puro; mas esta questão deu e dá margem a discussões inúteis, sendo
que em se optando por classificar Jesus como um ou outro dentro da escala
hierárquica de progresso sugerida por Allan Kardec, que prejuízo decorre? Seus
atos e palavras perdem importância? Outrossim, esta escala não tem caráter
absoluto, deixando à vista uma área intermediária bastante extensa entre as
categorias classificadas, de conta que mais ou menos posicionado entre uma e
outra, Jesus não perderia em importância, senão a quem guarda limites ao
pensamento, valorando tais pormenores. O que não se concebe, no entanto, é que
exista um Cristo Planetário ou cousa semelhante sem que, para tanto, haja uma
razão expressamente lógica que o justifique. Possível é fazer uma leitura
materialista da ideia segundo a qual um Espírito de elevado progresso não pode
encarnar-se num planeta inferior a sua própria condição íntima sem encontrar
dificuldades aí. Por que não poderia? Seria preciso um sujeito a servir-lhe de
médium? Não faz sentido sem um argumento racional que o sustente. O
Espiritismo, ao contrário, prescreve encarnações missionárias que, pode-se
supor, são corriqueiras levando-se em conta a vastidão de mundos habitados do
Universo - imagina-se o transtorno que decorreria não fosse um processo
natural, desprovido de dificuldades maiores e firulas imaginativas inventadas
por autores de mentes superexcitadas. Porém, no tocante a Jesus, encontra o
estudioso o trecho seguinte, que o posiciona na escala de progresso espírita:
“Sem nada prejulgar quanto à
natureza do Cristo, natureza cujo exame não entra no quadro desta obra,
considerando-o apenas um Espírito superior, não podemos deixar de reconhecê-lo
um dos de ordem mais elevada e colocado, por suas virtudes, muitíssimo acima da
humanidade terrestre.” - A Gênese, cap. XV, Os Milagres do
Evangelho, Superioridade da Natureza de Jesus
2. O Corpo de Jesus
“P_Mas como, sendo de carne comum, poderia
desmaterializar-se, como fez várias vezes e de forma tão natural e perfeita,
como consta dos Evangelhos? R_Porque tinha um corpo de carne, sem dúvida, porém
de consistência diferente, de densidade muito menor, de matéria mais pura, de
vibração mais alta, adequada a conter um Espírito de Sua elevada hierarquia;
corpo, a seu turno, gerado por um vaso físico devidamente preparado e selecionado
anteriormente ao nascimento, de vibração e pureza que comportasse Sua
permanência em nosso plano grosseiro e impuro.” - O Redentor, cap.
4, Controvérsias Doutrinárias
“(...) na verdade o nascimento
do Mestre obedeceu às leis comuns da genética humana. Seu organismo era
realmente físico. Evidentemente, tratava-se de um organismo isento de qualquer
distorção patogênica própria ou hereditária, pois descendia da mais pura
linhagem biológica das gerações passadas.” - O Sublime Peregrino,
cap. 7, A Natureza do Corpo de Jesus
“Jesus houvera podido,
unicamente por ato exclusivo da sua vontade, atraindo a si os fluidos ambientes
necessários, constituir o perispírito ou corpo fluídico tangível que vestiu
para surgir no vosso mundo sob o aspecto de uma criancinha.” - Os Quatro
Evangelhos, vol. I
“Maior ainda era a diferença
entre esse corpo de Jesus e os vossos corpos de lama. Aquele participava em
grande escala do corpo do homem nos mundos superiores, por isso que se compunha
dos mesmos elementos, mas modificado, solidificado por meio dos fluidos humanos
ou animalizados, de modo a manter-se, segundo a vontade do Mestre e as
necessidades da sua missão terrena, visível e tangível para os homens, com
todas as humanas aparências corporais do vosso planeta.” - Os Quatro
Evangelhos, vol. I
“Nossa doutrina explica
facilmente esse fato esclarecendo as seguidas materializações dele. Embora
alguns acreditem que ele tenha tido um corpo fluídico durante a sua vida na
Terra, sabemos que, caso fosse essa a verdade, tudo o que ele passou na cruz
teria sido uma farsa, coisa inadmissível.” - Os Últimos Seis Dias de
Jesus, Preâmbulo, A Permissão
A questão da natureza do corpo de
Jesus é uma chaga originada da peculiar e patética figura do advogado francês
Jean Baptiste Roustaing, que absolutamente despreparado para compreender tudo
quanto lera das Obras Básicas, deu-se ao egomaníaco exercício missionário de
receber mensagens espirituais dos, supostamente, apóstolos de Jesus, que vieram
- veja só - restituir o sentido real dos Evangelhos, que se perdeu pelas
adulterações e interpolações ali cometidas ao longo dos séculos. Menos ainda
entenderam os que lhe deram crédito, chamando sua obra vasta, repetitiva e
pseudo-sábia de 'a revelação da revelação'. Muitos mais competentes já
jogaram uma luz racional sobre tais tomos, demonstrando-lhes, senão a cópia
descarada de trechos e conceitos presentes nos livros de Allan Kardec, a
retomada de heresias medievais ladeadas de invenções descabidas frente ao
Espiritismo. Alardeou-se a tanto esta empreitada de Roustaing que, coetâneo do
Codificador, teve este de haver-se em dar uma resposta, que se encontra
presente em A Gênese, para que ficasse em definitivo às claras as razões
pelas quais Jesus não poderia envergar um corpo fluídico, numa imitação vulgar
de vida encarnada. Obviamente, para os autores das obras em exame aqui, se
Jesus não tinha um corpo fluídico fora, justamente, porque o tinha em
semelhança ao de um super-herói dos gibis - acaba por ser o mesmo argumento,
ainda que torcido, que dá a matéria uma importância desmedida. Jesus tinha a
saúde que um homem de seu tempo poderia ter; o que se descobriria, por
comparação, a um corpo saudável de um homem dos tempos atuais? O que haveria de
revelar o corpo de Jesus se a disposição de um médico legista, com toda gama
dos modernos métodos e aparelhos a descortinar-lhe as entranhas? As condições
de existência humana em seu tempo e naquela região do planeta eram mais duras,
e seria uma fantasia completa acreditar que seu corpo não ostentaria as marcas
de tal estilo de vida. Com a palavra, Allan Kardec:
“Como homem, tinha a
organização dos seres carnais; (...) A sua superioridade com relação aos homens
não derivava das qualidades particulares do seu corpo, (...) Se tudo nele fosse
aparente, todos os atos de sua vida, (...) não teria passado de vão simulacro,
para enganar com relação à sua natureza e fazer crer num sacrifício ilusório de
sua vida, numa comédia indigna de um homem simplesmente honesto, indigna,
portanto, e com mais forte razão de um ser tão superior. Numa palavra: Ele
teria abusado da boa-fé dos seus contemporâneos e da posteridade.” - A
Gênese, cap. XV, Os Milagres do Evangelho, Superioridade da natureza de
Jesus
3. A Missão de Jesus
“As próprias esferas mais
próximas da Terra, que pela força das circunstâncias se acercam mais das
controvérsias dos homens que do sincero aprendizado dos espíritos estudiosos e
desprendidos do orbe, refletem as opiniões contraditórias da Humanidade, a
respeito do Salvador de todas as criaturas.” - A Caminho da Luz,
cap. XII, A Vinda de Jesus
“Reunir-se-á, de novo, a
sociedade celeste, pela terceira vez, na atmosfera terrestre, desde que o
Cristo recebeu a sagrada missão de abraçar e redimir a nossa Humanidade,
decidindo novamente sobre os destinos do nosso mundo.” - A Caminho da
Luz, cap. XXIV, O Espiritismo e as Grandes Transições
“Para alcançar a paciência e o
heroísmo domésticos, faz-se mister a mais entranhada fé em Deus, tomando-se
como espelho divino a exemplificação de Jesus, no seu apostolado de abnegação e
de dor, à face da Terra.” - O Consolador, 1º Parte, II Sentimento
“Em sua exemplificação divina,
faz-se mister considerar, antes de tudo, o seu amor, a sua humildade, a sua
renúncia por toda a Humanidade.” - O Consolador, 3º Parte, II
Evangelho
“A tarefa messiânica era
sanear a Terra de suas iniquidades, oferecer a humanidade diretrizes
espirituais mais perfeitas, definitivas, redimir os homens e encaminhá-los para
Seu reino divino de luzes e de amor e foi cumprida em todos os sentidos, (...)”
- O Redentor, Prólogo
“A sua encarnação messiânica e
a sua paixão sacrificial tiveram como objetivo acelerar, tanto quanto possível,
o ritmo da evolução espiritual dos terrícolas, a fim de proporcionar a redenção
do maior número possível de almas, durante a 'separação do joio e do trigo, dos
lobos e das ovelhas', no profético Juízo Final já em consecução no século
atual.” - O Sublime Peregrino, cap. 1, Considerações Sobre a
Divindade e Existência de Jesus
“Assumindo a posse do seu
delicado instrumento carnal, ele iniciou a sua viagem messiânica pelo deserto
da incompreensão humana, culminando em sacrificar sua própria vida para redimir
os seus irmãos encarnados.” - O Sublime Peregrino, cap. 2, Jesus e
sua Descida à Terra
“Aquela missão lhe competia,
primeiro como encarregado que é do progresso humano; (...)” - Os Quatro
Evangelhos, vol. I
“Já pela sua natureza
espiritual, (...) Jesus (...) tinha consciência exata da sua origem (...), era
sempre o protetor e governador do vosso planeta e presidia à vida e a à
harmonia universais em todos os reinos da natureza, constantemente em relação
com Deus, (...)” - Os Quatro Evangelhos, vol. I
“Cumpria-lhe (a Jesus)
proferir palavras que repercutissem no futuro.” - Os Quatro Evangelhos,
vol. I
Jesus certamente não falou aos
hindus, tampouco aos muçulmanos, ainda menos calariam suas palavras aos
zoroastrianos e jainistas, ou aos budistas e xintoístas; não haveriam suas
palavras de se destinarem os romanos cultores de Júpiter, e todo panteão de
origem grega adotado e adorado então.
Mas Jesus falou aos hebreus? Por certo que sim, e apenas a eles
destinava-se sua mensagem - suas parábolas e seus atos registram um profundo
conhecimento do meio em que se encarnara, e a alma daquele povo buscava trazer
a realidade do Espírito, em missão de combate frontal ao materialismo que ali vicejava, e vicejava movido pelos
fariseus, ladeados pelos saduceus. Ora, o materialismo é um cancro próprio da
natureza dos Espíritos que se reencarnam na Terra, e não haveria de
extinguir-se de um só golpe; eis porque calou pelos milênios o que dissera e
fizera Jesus, ainda que parte de sua mensagem e ações hajam sofrido
adulterações em seu significado e natureza. E também por tal razão o
Espiritismo surgiu. Descortina-se mais absurdo crer que Jesus dir-se-ia o meio
único para se atingir a 'salvação', conceito que prevê a perdição do
Espírito imortal - para o quê?, pergunta-se aos autoproclamados espíritas que
ainda sustentam tal crença. A caridade é o meio, os Espíritos a Allan Kardec
alertaram, e sustentar que tal prática de bonomia é prerrogativa exclusiva da
cristandade é demonstrativo de extrema ignorância. Ditos contrários a isto,
postos na boca de Jesus em partes dos Evangelhos, parece ter o fim de afirmá-lo
a encarnação de Deus, e também sedimentar a hegemonia do cristianismo de
antanho, expresso pela Igreja Católica. A visão dos autores 'espíritas'
apenas vem refletir a adoração cega a um homem-deus, tomando-se-lhe a figura ao
superlativo de uma deidade primitiva qualquer. Para o Espiritismo, todavia, a
questão da missão de Jesus é diversa, e se não se pode afirmá-la mais prosaica
é, senão, menos hiperbólica em sua extensão, mas não em seu alcance. Os trechos
a seguir registram isto, demonstrando a real natureza da missão de Jesus de
Nazaré:
“Jesus, que prezava,
sobretudo, a simplicidade e as qualidades da alma, que, na lei, preferia o
espírito que vivifica à letra que mata, se aplicou durante toda a sua missão, a
lhes desmascarar a hipocrisia, pelo que tinha neles encaniçados inimigos. Essa
a razão por que se ligaram aos príncipes dos sacerdotes para amotinar contra
Ele o povo e eliminá-lo.” - O Evangelho Segundo o Espiritismo,
Introdução, III Notícias Históricas
“Ele viera ensinar aos homens
que a verdadeira vida não é a que transcorre na Terra, e sim a que é vivida no
Reino dos Céus; viera ensinar-lhes o caminho que a esse reino conduz, os meios
de eles se reconciliarem com Deus e de pressentirem esses meios na marcha das
coisas por vir, para a realização dos destinos humanos.” - O Evangelho
Segundo o Espiritismo, cap. I Não Vim Destruir a Lei
4. Jesus e os Essênios
“O Mestre, porém, não obstante
a elevada cultura das escolas essênias, não necessitou da sua contribuição.
Desde os seus primeiros dias na Terra, mostrou-se tal qual era, com a
superioridade que o planeta lhe conheceu desde os tempos longínquos do
princípio.” - A Caminho da Luz, cap. XII, A Vinda de Jesus
“É sabido que João Batista era
essênio, como essênio eram José de Arimatéia, Nicodemo, a família de Jesus e
inúmeros outros que na vida do Mestre desempenharam papéis relevantes, como
também o próprio Jesus que conviveu com essa seita, frequentando assiduamente
seus mosteiros, enterrados nas montanhas palestinas, onde sempre encontrava
ambiente espiritualizado e puro, apto a lhe fornecer as energias de que carecia
nos primeiros tempos da preparação para o desempenho de sua transcendente
missão.” - O Redentor, cap. 13, A Fraternidade Essênia
“Jesus, realmente, esteve em
contato com os Essênios durante algum tempo e conheceu-lhes os costumes, as
austeras virtudes, (...) Muitos dos seus gestos, práticas e atos (...) deixavam
perceber as características essênicas de elevado teor espiritual, (...) o
Mestre (...) não se filiou propriamente à Confraria dos Essênios, (...) embora
tenha participado dos ritos internos, que os próprios mentores Essênios os
achavam dispensáveis para uma entidade do seu quilate.” - O Sublime
Peregrino, cap. 26, Jesus e os Essênios
O termo essênio deriva de essaya,
ou médico em aramaico - e eles surgiram em decorrência da invasão selêucida na
Palestina, cerca de 200 anos antes do nascimento de Jesus. Por essa época, as
tradições hebraicas se viram ameaçada pela cultura helenística dos invasores
(os selêucidas eram gregos que habitavam a Síria), e a crença em um messias
capaz de preservar sua cultura e valores surgiu por consequência, mas não
apenas, já que a ortodoxia religiosa expandiu-se, criando grupos sectários,
dentre os quais os essênios. Partindo para isolamento no Deserto da Judeia, os
essênios dedicavam-se a orar, meditar e estudar as escrituras, longe do mundo
que consideravam impuro. Em vida monástica, realizavam partilhas igualitárias
de bens, proibiam a presença de mulheres e puniam duramente quem não seguisse
as normas; são liderados por um Mestre da Justiça, sacerdote mitificado que
conta com o auxílio de um membro que assume funções decisórias frente a
questões doutrinárias, de justiça e pureza - esse membro, conhecido por epis
copus, ou 'aquele que olha de cima' em grego, vai dar origem
posteriormente a figura do bispo (episcopus em latim). O historiador
judaico-romano Flávio Josefo conviveu por três anos com um mestre essênio, de
quem teve lições e pode registrar seus hábitos e ritos - os essênios
despertavam antes do nascer do Sol em absoluto silêncio e assim permaneciam, em
prece, até receberem suas tarefas; pelas cinco horas seguintes dedicavam-se a
elas (cultivo de alimentos, ou o estudo das escrituras, por exemplo), tomando
um banho frio ao seu término. Vestiam túnicas brancas e almoçavam, ainda em
silêncio, ouvindo as orações do sacerdote encarregado; ao fim deste retiravam
suas túnicas e voltavam ao trabalho até o poente, quando tomavam novo banho,
vestiam suas túnicas brancas para a refeição noturna e, então, se recolhiam
para o descanso. Alimentavam-se de legumes e algumas frutas, além de um pão bem
rústico desprovido de fermento; bebiam um vinho fraco semi-fermentado e
jejuavam aos sábados. Não se alimentavam de carne a exceção de peixes, que eram
abertos vivos e seu sangue drenado. Apesar de tal confiável fonte, muito
mistério e informações desencontradas ainda subsistem acerca dos essênios e de
suas práticas - no entanto, reconhece-se nesta vida monástica, uma quase
clausura, a mesma espécie de existência prescrita a muitas ordens religiosas
católicas, algumas resistindo ao progresso dos tempos. Far-se-ia admirável
Jesus adotando hábitos tão rigorosos frente a uma tão liberta consciência por
ele demonstrada em atos e palavras; acaso o ascetismo, ou práticas próximas a
este fossem o proceder correto, por que então não isolou-se ele com seus
discípulos? Porque não recomendou com fervor e repetição a necessidade do
jejum, ou o respeito ao sábado? Não foi ele, aliás, que amiúde desafiou essa
regra? Realmente, se fora como descrito por Josefo, os essênios estão mais a
feição de um clero repleto de práticas sacerdotais do que de uma irmandade de
cultores de altos valores intelectuais e espirituais. Ao que consta nas obras
em análise, reside aqui outro ponto dissonante entre os autores; para o Espiritismo,
no entanto, a questão é clara:
“Pelo gênero de vida que
levavam, assemelhavam-se muito aos primeiros cristãos, e os princípios da moral
que professavam induziram muitas pessoas a supor que Jesus, antes de dar começo
à sua missão pública, lhes pertencera à comunidade. É certo que ele há de tê-la
conhecido, mas nada prova que se lhe houvesse filiado, sendo, pois, hipotético
tudo quanto a esse respeito se escreveu” - O Evangelho Segundo o
Espiritismo, Introdução, III Notícias Histórias
5. Maria e a Família de
Jesus
“As figuras de Simeão, Ana,
Isabel, João Batista, José, bem como a personalidade sublimada de Maria, têm
sido muitas vezes objeto de observações injustas e maliciosas; mas a realidade
é que somente com o concurso daqueles mensageiros da Boa Nova, portadores da
contribuição de fervor, crença e vida, poderia Jesus lançar na Terra os
fundamentos da verdade inabalável.” - A Caminho da Luz, cap. XII, A
Vinda de Jesus
“_Mãe, não chores!... Assim te
ensinei. Reparti contigo minha ciência, para que esta hora decisiva de
sofrimentos te fosse menos dolorosa. Oh! Mãe, tu entendeste meus ensinamentos e
me acreditaste... A minha morte não pode apavorar-te. Já te expliquei que nossa
separação será apenas momentânea! Mãe, terás perdido tua fé? Ouvindo-o, a
mulher cessou o choro convulsivo e sentindo-se reconfortada, corrigiu-se.”
- Cornélius o Centurião que viu Jesus!, Primeira Parte, A Mãe de Jesus
“Buscará na piedosa Mãe de
Jesus o símbolo das virtudes cristãs, transmitindo aos que a cercam os dons sublimes
da humildade e da perseverança, sem qualquer preocupação pelas gloriosas
efêmeras da vida material.” - O Consolador, 1º Parte, II-Sentimento
“Maria, sua mãe, sabendo do
isolamento em que vivia, sem conforto, e das durezas e dificuldades da missão que
apenas iniciava, pediu-lhe que também aceitasse em sua companhia Cleófas.”
- O Redentor, cap. 23, Na Sinagoga de Nazaré (nota de rodapé)
“Nunca encontrara apoio e
compreensão espiritual naqueles irmãos afins que, ao contrário, sempre
desejaram que Ele permanecesse em casa e discordavam de suas atividades
religiosas; e, como já dissemos atrás, no lar somente contou desde o início com
a cooperação da sua Mãe.” - O Redentor, cap. 30, O Desenvolvimento
da Pregação
“Maria era todo coração e
pouco intelecto; um ser amorável, cujo sentimento se desenvolvera até à
plenitude angélica. (...) Maria era um espírito amoroso, terno e paciente,
completamente liberta do personalismo tão próprio das almas primárias e sem se
escravizar à ancestralidade da carne. Possuía virtudes excelsas oriundas do seu
elevado grau espiritual.” - O Sublime Peregrino, cap. VIII, Maria e
sua Missão na Terra
“Maria era um Espírito muito
puro, Espírito superior, que descera à terra com a missão sagrada de cooperar
no preparo da regeneração humana.” - Os Quatro Evangelhos, vol. I
“O Senhor estava com Maria,
mulher entre todas bendita, por ser ela, entre todas, Espírito muito puro no
desempenho de uma missão na terra.” - Os Quatro Evangelhos, vol. I
“_Meu filho, conheceste hoje
outro anjo que o Pai concedeu vir a Terra... Ela veio iluminar a escuridão
dessas paragens e se posicionou como serva de Deus, a fim de intermediar a
chegada de outra luz, a Luz do Mundo... Mãe é aquela que se faz de colo para
nosso cansaço, que se faz de ombro para as nossas lágrimas e luz para as nossas
esperanças... E Maria é tudo isso e muito mais... Ela é nossa Mãe Santíssima!”
- Os Últimos Seis Dias de Jesus, Quinto Dia Quinta-feira, Maria de
Nazaré
Eis o ponto de maior discordância
dentre todos os autores que, unanimemente tem em Maria um Espírito de alta
estirpe, frente ao Espiritismo. O culto mariano, como referido em artigo
anterior postado neste espaço, é uma interpolação do culto a Ísis, deusa
originária do Egito Antigo, cuja adoração ultrapassou as fronteiras do país
africano, estendendo-se por todo o mundo greco-romano de antanho. Ísis é a
filha primogênita de Geb e Nut, respectivamente o deus da Terra e a regente do
Cosmos. Ela casa-se com seu irmão Osíris concebendo Hórus, o deus do firmamento
ligado ao Sol. Por milênios Ísis foi venerada como a representação máxima da
essência materna, zelosa com todos sejam quais forem suas origens e posição
social, gênero ou raça - olha com igual solicitude por cada criatura, com
grande instinto protetor e maternal. Seu culto era especialmente intenso junto
ao Império Romano no século I d.C.; a cultura associada a ela é riquíssima e
impossível de resumir aqui, cabendo ao leitor fazer sua própria pesquisa -
interessa para o momento sua similitude com Maria. Não é, nem longinquamente
consensual a influência do culto a Ísis àquele surgido a partir da mãe de
Jesus, nem entre as correntes cristãs, menos ainda entre estudiosos do
cristianismo ou da cultura egípcia antiga. No entanto, não há como negar
similaridades que não podem ser simples coincidências: Ísis e Maria têm alguns
epítetos em comum, como 'rainha do céu', 'nossa senhora' ou 'mãe
de Deus', para citar os exemplos mais significativos; há também as mui
comuns procissões em que a imagem de Maria, em suas muitas representações,
conduz o cortejo, uma manifestação popular de grande paridade com o Navigium
Isidis, festival romano dedicado a deusa Ísis e que, segundo certos
eruditos, também teria originado o Carnaval. Mas, se a religião dos antigos
egípcios e romanos é hoje questão a ser tratada na Academia, o culto mariano
como expressão da religião cristã segue com extrema força e significância
social. No entanto, para o Espiritismo, ela e os demais filhos que teve estão
longe de obter tal relevância, o que deveria expressar-se pelo conhecimento
suposto que os autores deveriam ter das Obras Básicas, traduzido por
manifestarem concordes a estas - isto não ocorre contudo. Mas o que registram
as letras kardecianas acerca de Maria?
“Pelo que concerne a seus
irmãos, sabe-se que não o estimavam. Espíritos pouco adiantados, não lhe
compreendiam a missão: tinham por excêntrico o seu proceder e seus ensinamentos
não os tocavam, tanto que nenhum deles o seguiu como discípulo. Dir-se-ia mesmo
que partilhavam, até certo ponto, das prevenções de seus inimigos. O que é
fato, em suma, é que o acolhiam mais como um estranho do que como um irmão,
quando aparecia à família. João diz, positivamente (7:5), 'que eles não lhe
davam crédito'. Quanto à sua mãe, ninguém ousaria contestar a ternura que lhe
dedicava. Deve-se, entretanto, convir igualmente em que também ela não fazia
ideia muito exata da missão do filho, pois não se vê que lhe tenha seguido os
ensinos, nem dado testemunho dele, como fez João Batista.” - O Evangelho
Segundo o Espiritismo, cap. XIV, Honrai o vosso pai e a vossa mãe
6. A Aparência de Jesus
“Vestia túnica branca e por
cima dela, um manto escuro cor de vinho. Seus cabelos longos balançavam ao
vento como o trigal maduro. (...) Seus traços fisionômicos finos e regulares
eram os mais belos que seus olhos jamais fitaram. Os cabelos castanhos tinham
reflexos dourados e deles pareciam sair raios de luz como o sol. (...) Seus
olhos grandes e expressivos pareciam mudar de cor, ora ficavam azuis, de um
azul celeste, ora negros e aveludados, emitindo raro fulgor. (...) Seu rosto
pálido, emoldurado por barba e bigodes, estava levemente queimado do Sol.”
- Cornélius o Centurião que Viu Jesus!, cap. O Encontro com Jesus
“Seus cabelos esvoaçavam às
brisas da tarde mansa, como se fossem fios de luz desconhecida nas claridades
serenas do crepúsculo; e de seus olhos compassivos parecia nascer uma onda de
piedade e comiseração infinitas. Descalço e pobre, notava-se-lhe a limpeza da
túnica, cuja brancura se casava à leveza dos seus traços delicados.” - Há
2000 Anos, cap. III, Em Casa de Pilatos
“Tratava-se de um homem ainda
moço, que deixava transparecer nos olhos, profundamente misericordiosos, uma
beleza suave e indefinível. Longos e sedosos cabelos molduravam-lhe o semblante
compassivo, como se fosse fios castanhos, levemente dourados por luz
desconhecida. Sorriso divino, revelando ao mesmo tempo bondade imensa e
singular energia, irradiava da sua melancólica e majestosa figura uma
fascinação irresistível.” - Há 2000 Anos, cap. V, O Messias de Nazaré
“Sua fisionomia parecia
transfigurada em resplendente beleza. Os cabelos, como de costume, caíam-lhe
aos ombros, à moda dos nazarenos, esvoaçando levemente aos ósculos cariciosos
dos ventos brandos da tarde.” - Há 2000 Anos, cap. VII, As Pregações
do Tiberíades
“Jesus, ali chegando, repousou
alguns dias em casa da sogra de Simão Bar Jonas. Nesse tempo tinha ele quase 32
anos. Era esbelto, mas robusto, estatura acima da mediana, rosto ovalado,
emoldurado por uma barba fina, castanho-avermelhada, repartida ao meio e
encaracolada nas pontas; usava cabelo caindo pelas costas, da mesma cor da
barba. Tinha a testa alta e ampla, olhos grandes, claros, têmporas encovadas;
tez morena como a de sua Mãe, sobrecílios e cílios compridos, sombreando o
rosto.” - O Redentor, cap. 25, Os Trabalhos na Galileia
“Também se pode considerar um
relato autêntico a carta enviada a Tibério, pelo senador Públio Lentulo, quando
presidente da Judéia, narrando a existência de um 'homem de grandes virtudes
chamado Jesus, pelo povo inculcado de profeta da verdade e pelos seus
discípulos de filho de Deus. É um homem de justa estatura, muito belo no
aspecto; e há tanta majestade no seu rosto, obrigando os que o veem a amá-lo ou
a temê-lo. Tem os cabelos cor de amêndoa madura, são distendidos até as
orelhas; e das orelhas, até as espáduas; são da cor da terra, porém reluzente.
Ao meio da sua fronte, uma linha separando os cabelos, na forma em uso pelos
nazarenos. Seu rosto é cheio; de aspecto muito sereno; nenhuma ruga ou mancha
se vê em sua face; o nariz e a boca são irrepreensíveis. A barba é espessa,
semelhante aos cabelos, não muito longa e separada pelo meio; seu olhar é muito
afetuoso e grave; terá os olhos expressivos e claros, resplandecendo no seu
rosto como os raios do sol; porém, ninguém pode olhar fixo o seu semblante,
pois se resplende, subjuga; e quando ameniza, comove até as lágrimas! Faz-se
amar e é alegre; porém, com gravidade. Nunca alguém o viu rir, mas, antes,
chorar.” - O Sublime Peregrino, cap. 1, Considerações Sobre a
Divindade e Existência de Jesus
“Ele era mais belo do que
qualquer um poderia expressar... Seus cabelos dourados, cor de amêndoa, eram
repartidos ao meio, caindo nos ombros largos. Um pouco ondulados, alguns fios
se dobravam nas pontas. (...) A barba rala cobria-lhe a face alva, e era da
mesma cor dos cabelos, e isso formava um conjunto perfeito. Os lábios finos
emolduravam o rosto, tornando-o delicado, meigo, com expressão suave. (...) Os
olhos eram azuis sem ferir. Suavemente azuis, poder-se-ia assim dizer, e isso
causava espanto a todos, pois os judeus tinham sempre os cabelos negros e os
olhos da cor da jabuticaba. (...) Ele não era magro, tampouco musculoso. Posso
dizer que possuía o corpo de estátua exata, perfeita, e estava no auge do vigor
físico com seus 33 anos.” - Os Últimos Seis Dias de Jesus, Primeiro Dia Domingo, Jesus de Nazaré
Detalhes vem, detalhes vão, e
Allan Kardec permanece isento da discussão mais estéril que, ainda, move muitos
que se arvoram aderentes do Espiritismo - que importa a aparência que teve
Jesus quando encarnado? Seria demasiado aberrante se, entre homens de tez
escura e baixa estatura nascesse um gigante de pele alva, cabelos quase louros
e olhos azuis translúcidos, apenas por que é o que se espera que a matéria grosseira
do corpo faça ao refletir o Espírito que ela manifesta - mas, não está aí um
padrão eurocêntrico, senão racista? Não é, ainda, dar importância demasiada a
forma, a matéria? Seria preciso muita especulação e dar absoluto crédito as
comunicações de além-túmulo para defender que a pele branca é a correta
demonstração física de um Espírito de alta estirpe, quando encarnado. Acaso
Jesus fosse tão etnicamente diverso de seus pares, os Evangelhos certamente
registrariam tal incrível façanha da genética, algo que por si só seria tão
maravilhoso quanto seus feitos considerados miraculosos. Há quem dê por certo
que Há 2000 Anos contou com o auxílio involuntário (plágio) de parte da
obra do professor gaúcho Radagasio Taborda, que em 1931 fez lançar a obra Crestomatia:
Excertos Escolhidos em Prosa e Verso dos Melhores Escritores Brasileiros e
Portugueses, onde consta a tal epístola atribuída ao suposto senador Públio
Lentulus, e que Chico Xavier possuía em sua biblioteca. Temos em posse um
opúsculo de 17 páginas de autoria de um historiador chamado Carlos Henrique
Nagipe Assunção intitulado Sim, Existe um Públio Lentulus ao Tempo do
Imperador Tibério (sic), onde judiciosamente se propõe provar que houve um
sujeito que corresponderia a figura que o mentor de Chico Xavier alega
ter sido como descrito na citada obra - ainda aqui, mui sabiamente, o bacharel
não se arrisca a avançar nos demais equívocos presentes na narrativa, menos
ainda a questionar a autenticidade da carta que teria escrito este, descrevendo
a Jesus. Oficialmente, a descrição mais antiga de Jesus fora realizada por
Flávio Josefo, historiador e apologista judaico-romano; sua obra mais polêmica,
por justamente tratar de Jesus é Antiguidades Judaicas. O trecho onde o
descreve é considerado por muitos estudiosos uma criminosa interpolação
realizada por Eusébio de Cesareia, que fora bispo de tal localidade e é tido
como o pai da História da Igreja. Descobertas relativamente recentes, contudo,
mantém a chama da polêmica acessa, contestando tais conclusões - o polímata
judeu Robert Eisler, em sua obra The Messiah Jesus and John the Baptist,
reconstituiu o testemunho de Josefo com base numa tradução anterior a das
supostas adulterações realizadas por sacerdotes cristãos; é a versão mais
ancestral e, imagina-se, a mais segura e credível. No entanto, a aparência de
Jesus descrita aí é, no mínimo, contrária aquela a ele atribuída, e que os
autores 'espíritas' ecoam em suas obras analisadas:
“Naquela época, também,
apareceu um certo homem (de mágico poder), se é permitido chamá-lo de homem, a
quem certos gregos chamam de filho de Deus, mas seus discípulos o chamam de
verdadeiro profeta, capaz de ressuscitar os mortos e curar todas as doenças.
Sua natureza e sua forma eram humanas (homem de aparência simples, idade madura,
baixa estatura, três côvados de altura, corcunda, de rosto comprido, nariz
comprido e sobrancelhas unidas para espanto de quem o veja, com cabelo escasso,
mas separados no meio da cabeça à maneira dos nazarenos, e com barba
subdesenvolvida).”
Seria, no mínimo, curioso se
fosse esta a aparência real de Jesus, bem como, outrossim, plenamente coerente
com o período histórico e condições de vida. No mais, é preciso recordar aos
que dão importância as formas o que fora expresso a Allan Kardec pelos Espíritos
da Codificação:
“Os Espíritos superiores não
se preocupam absolutamente com a forma. Para eles, o fundo do pensamento é
tudo.” - O Livro dos Espíritos, Introdução, item XIII
“Para os Espíritos,
principalmente para os Espíritos superiores, a ideia é tudo, a forma nava vale.”
- O Livro dos Espíritos, Introdução, item XIV
“Teu Espírito é tudo; teu
corpo é simples veste que apodrece: eis tudo.” - O Livro dos Espíritos,
resposta a questão 96a
Conclusão
Quem estará com a verdade?
Emmanuel frente a Edgard Armond? Ou seria Ramatis a quem se deveria depositar
maior confiança? Talvez J. W. Rochester seja o azarão aqui, e sua obra esteja
em concordância com a verdade dos fatos, ou quem sabe Jamiro dos Santos Filho e
esta atípica forma de regressão a que se submetera, atípica e completamente
fantasiosa. Os adeptos de Roustaing, que ainda são muitos, não guardam dúvidas
que a verdade está com seu autor de estimação. Todavia, a verdade não pode
estar no que se contradiz, já alertara São Jerônimo séculos atrás - quando não
há consenso, pede a lógica concluir que ninguém está de posse dela; contudo se
o Espiritismo é a Doutrina dos Espíritos, é preciso igualmente inferir que os
Espíritos que com Allan Kardec erigiram as obras que contem a exposição dos
princípios desta são, necessariamente, possuidores de um conhecimento diverso
do expresso pelos autores das oito obras aqui examinadas. No item 257 de
O
Livro dos Espíritos o Codificador presta contas: “
Interrogamos, aos
milhares, Espíritos que na Terra pertenceram a todas as classes da sociedade,
ocuparam todas as posições sociais; estudamo-los em todos os períodos da vida
espírita, a partir do momento em que abandonaram o corpo; acompanhamo-los passo
a passo na vida de além-túmulo, como observar as mudanças que se operavam
neles, nas suas ideias, nos seus sentimentos e, sob esse aspecto, não foram os
que aqui se contaram entre os homens mais vulgares os que nos proporcionaram
menos preciosos elementos de estudo.” Pode-se firmar que há verdade contida
no consenso de milhares de Espíritos acerca das questões mais abstratas
constituintes dos fundamentos do Espiritismo, mas e quanto aos pormenores
biográficos de Jesus de Nazaré? Que mérito haveria no Espiritismo como
restaurador do sentido original das palavras e ações de Jesus se viesse, como
outros anteriormente, falseá-los ou interpretá-los erroneamente? O '
consolador
prometido' que não consola, uma revelação que nada revela... qualquer
resposta bastaria para pô-lo ao rés das obras que, como as presentemente
estudadas, simplesmente dão a versão mais agradável ao leitor, que tem as
mesmas caducas crenças de seus autores. Mas o Espiritismo é a verdade, e a
verdade não é popular, notara um gênio brasileiro já há muito relegado a
obscuridade. A verdade espírita assenta-se no Controle Universal dos
Ensinamentos dos Espíritos, que prescreve cinco critérios observáveis para se
dar crédito ao que surja de um médium: 1_as mensagens devem ser espontâneas; 2_as
mensagens têm de ser idênticas ('
senão quanto a forma, quanto ao fundo');
3_é preciso um grande número de médiuns ('
estranhos uns aos outros'); 4_as
mensagens devem ser recebidas '
em vários lugares'; 5_as mensagens devem
ser simultâneas ('
ao mesmo tempo'). Quais dentre os oito livros
compulsados na dinâmica que gerou o presente artigo se adéqua a este critério?
Absolutamente nenhum deles. São a expressão pessoal e particular da visão e
opiniões dos que as escreveram; não passam, portanto, de ficção - e o '
espírita'
que arriscar ver neles algo diferente do exercício prosaico de reinterpretar as
passagens evangélicas ao pendor pessoal pode encontrar acolhimento, aceitação,
espírito de grupo, e ainda comunhão de pensamento; mas, certamente estará
distante do Espiritismo, e muito longe da verdade, assumindo para si o papel de
uma máquina de crer, autômata, irracional e idólatra.