quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

Velhos livros, novas leituras - "Transição Planetária - Um Grito de Alerta"


Ariston Teles é hoje reconhecido como o 'incorporador' de Francisco Cândido Xavier - e o termo, usado equivocadamente, é este mesmo. Produto do meio, e não da Doutrina dos Espíritos, Ariston Teles fora amigo do médium mineiro, um dos inumeráveis que, após a morte deste em 2002, deu-se a tarefa de enfeixar em livro as reminiscências de tal relação. Chico Xavier é, e permanecerá sendo por muitos anos ainda, um ídolo cultuado, independentemente do que prescreve o Espiritismo acerca da questão. Aos que aderiram a esta crença carente de provas segundo a qual o médium residente em Brasília seria capaz de permitir manifestar-se ostensivamente a Chico Xavier, a que se reconhecer a emulação competente dos maneirismos e tom de voz do falecido - é real? Descrer do fenômeno em particular é recomendável, ainda que a psicofônia seja medianimidade factual; porém, provar que se trata do matuto de Pedro Leopoldo, eis aí o desafio, e o é para os aderentes de sempre, antigos e novos, em devoção.

Nos idos de 1996, Ariston Teles arriscou-se literariamente com esta obra em nossa posse, de título chamativo e apelativo. Nos anos que antecederam a mudança do calendário gregoriano adotado no ocidente, o milenarismo era o furor, conjurando toda sorte de conjecturas acerca do final dos tempos - filmes-catástrofe não deixavam as salas de cinema, enquanto séries de TV prescreviam invasões alienígenas e o colapso civilizatório antevisto pelo bug do milênio. O dito bug não veio, e os alienígenas também não, e a folhinha de 1999 foi trocada pela de 2000; lá se vão vinte anos em que novas formas de pensar e prever o fim do mundo pululam pelas mídias. A geopolítica global incute no homem comum o medo ante a mudança climática, prometendo extinção enquanto terraplanistas ressurgem num movimento pretensamente sério, maculando o conhecimento científico das eras. Naqueles idos o ensejo pedia uma obra milenarista, e terrorista, que insuflasse temor nos corações dos hipotéticos espíritas brasileiros - Ariston Teles não deixou passar, e ainda que reconheça no prefácio deste que o livro não pode ser reconhecido como tal por falta de conteúdo, ei-lo em sua existência como objeto que evoca o intelecto, embora este, singularmente não possa se afirmar que o faça.

Ramatis, um Espírito flagrantemente pseudo-sábio previra, a seu turno, agônicas convulsões de fin de sieclè que, como esperado, não ocorreram. Nesta obra, Ariston Teles alinha-se aos visionários do apocalipse, tendo nos caracteres próprios de uma sociedade em transição os sinais precedentes do Armagedom - ele assim os identifica. Todavia, antes que os fundamentar com argumentos de bom volume, nota-se, e ele o aponta, que cada página registra os tópicos de uma palestra - onde estaria o texto desta palestra? Não atinou ele para tomar nota disto, transcrevendo seus dizeres em seguida? A gramatura do papel que compõe as páginas, bastante denso, contribui para a sensação de um livro confeccionado com o fito oportunista de prover o milenarismo, somando às sensibilidades mais fragilizadas o terrorismo próprio que acompanha os fins de ciclo dos calendários. Fatores naturais pouco ou nenhuma influência sofrem pelo modo como o homem conta o tempo, como o divide e subdivide, como classifica e cria datas com significados próprios e especiais. O autor, o brasiliense que alega falar por Chico Xavier, aqui se deixa levar pelo zeitgeist, sonegando-se a uma abordagem mais crítica para a questão, ainda de interesse tão nevrálgico para certos indivíduos.

O fim do mundo não deveria preocupar, mas que tantas pessoas o temam é assunto oportuno para um estudo - não para o momento, contudo. Importa notar, para tal o presente, que a obra de Ariston Teles foi aqui escolhida para dar inicio a esta sessão justamente por sua condição sui generis: como livro não se sustenta; como obra alvitrada espírita, é um atentado a própria Doutrina. E o é por seu extremo oportunismo, na ambição de amealhar algumas somas em vista da iminência do novo século, e do novo milênio. Não é um livro amparado pelas bases da Doutrina dos Espíritos que Allan Kardec codificou; não aborda a questão a que se propõe de um ângulo seguramente crítico, historiográfico e espírita, o que garantiria, por certo, uma obra imensamente mais interessante, mesmo que seu autor insistisse na defesa de uma visão catastrofista da realidade. Aqui, contudo, não passa de um caça-níqueis em formato de livro; observa-se a capa e seus dizeres sensacionalistas, bem como o título falacioso, visto que a transição planetária prescrita pelo Espiritismo não é neste abordada; pior, fica-se com a certeza que o termo, para Ariston Teles é como que um sinônimo para o fim do mundo. Recomenda-se cuidado com obras de tal qualidade, pois são comuns; aninham-se sobre a corruptela de obra espírita, sem que sequer Allan Kardec haja sido evocado, numa prática ordinária que visa lesar o leitor pelo embuste barato, que pode sair caro.

Nenhum comentário: