Para onde se vai após a morte?
Esta é uma pergunta frequente que explicita a recorrência da temática, por sua
aparente complexidade, mas também e principalmente por toda a confusão gerada
pelas narrativas de escrevinhadores de além-túmulo, que supõe deveriam
resguardar-se no esforço por progredir ao silêncio dos Espíritos
verdadeiramente elevados. No exercício de ler e estudar tão somente as obras de
Allan Kardec, o estudioso se familiariza não apenas com o estilo didático e
conciso do mestre, mas com aspectos pouco presentes, ou totalmente ausentes da
literatura dos médiuns, o que lhes revela e denuncia a pouca profundidade dos
conhecimentos espíritas.
O ir e vir dos Espíritos, de um
mundo a outro é algo que surpreende os despreparados, que antes se perdem em
devaneios oníricos por cidades fluídicas flanando no céu, fazendo a alegria dos
Espíritos enganadores e pseudo-sábios que se riem da ignorância vigente. A
questão é evocada por meio dos tais Espíritos que teriam sido exilados de um
mundo supostamente existente na constelação de Auriga, sob o nome Capela - os
leitores acríticos são levados a imaginar levas de Espíritos sendo
constrangidos a reencarnarem-se em mundos inferiores, o que assim posto, sem a
necessária adição de explicações, resultam inferir pela retrogradação do
Espírito, o que não pode ser. Seus avanços se deram puramente no intelecto, que
forçosamente os impeliu a uma maior sensibilidade e pendor para as ciências,
artes e cultura, e não se traduziu em moralidade excelsa. E exclusivamente se
trata das raças adâmicas que registra Allan Kardec em A Gênese - este
povo, ou povos se achavam àquele tempo identificados, em grande parte, aos
hebreus. Afirmar que teriam vindo de Capela é já um arrojo especulativo
desmedido e irresponsável; principalmente levando-se em conta a fonte pouco
confiável que dá nota a esta história, Emmanuel e Edgard Armond.
Em tal mesma obra, o Codificador
trata deste fenômeno das migrações e emigrações de Espíritos, ao que destaca-se
em seu texto os seguintes e pertinentes trechos:
“Pelas mortes e pelos
nascimentos, as duas populações, terrestre e espiritual, desaguam
incessantemente uma na outra. Há, pois, diariamente, emigrações do mundo
corpóreo para o mundo espiritual e imigrações deste para aquele: é o estado
normal. (...) Essa transfusão, que se efetua entre a população encarnada e
desencarnada de um planeta, igualmente se efetua entre os mundos, quer
individualmente, nas condições normais, quer por massas, em circunstâncias
especiais.”
Está claro que assim como
diariamente morre-se e nasce-se na Terra, indivíduos de outros mundos aqui se
reencarnam, enquanto outros partindo daqui vão se reencarnar nestes. É um fluxo
incessante e diário - mas entre uma encarnação e outra, ensina o Espiritismo, há
o período da erraticidade, que pode resultar mais ou menos longo em consonância
ao progresso íntimo de cada Espírito; para onde se vai aí? Onde se pousa? As
Obras Básicas possuem em si a resposta, mas a medida de sua riqueza é
proporcional a carência de ânimo reinante para as compulsar continuamente, com
regra e propósito, constituindo um estudo perene e sério da Doutrina dos
Espíritos. Não seja por O Céu e o Inferno, o estudioso engajado pode
colher nos doze volumes constitutivos da Revista Espírita um sem número
de comunicações de Espíritos vindo atestar-lhes o destino, as atividades, os
fenômenos que se lhes decorreram por ocasião da morte e após. Tratando desta,
em específico, a edição de fevereiro de 1858 traz um curto seguimento que
resume a questão:
“Quando às suas qualidades
íntimas, os Espíritos pertencem a diferentes ordens, que percorrem
sucessivamente à medida que se depuram. Como estado, podem estar encarnados,
isto é, unidos a um corpo num mundo qualquer; ou errantes, ou seja, despojados
do corpo material e aguardando nova encarnação para se melhorarem. Os Espíritos
errantes não formam uma categoria especial; é um dos estados em que podem
encontrar-se. O estado errante ou de erraticidade não constitui inferioridade
para os Espíritos, pois que nele os podemos encontrar em todos os graus. Todo
Espírito que não está encarnado é, por isso mesmo, errante, à exceção dos
Espíritos Puros que, não tendo mais encarnação a sofrer, estão no seu estado
definitivo. Não sendo a encarnação senão um estado transitório, a erraticidade
é, em verdade, o estado normal dos Espíritos e esse estado não lhes é,
forçosamente, uma expiação. São felizes ou desventurados conforme seu grau de
elevação e segundo o bem ou o mal que hajam praticado.”
As particularidades da erraticidade
encontram-se disponíveis para os interessados em O Livro dos Espíritos,
num sistema simples de perguntas e respostas - e de modo mais adensado em O
Céu e o Inferno. Outros artigos tratando do tema de modo pormenorizado se
encontram presentes na Revista Espírita, e aí está a substância que move
os esforços presentemente, no tocante a esta dança pelas esferas planetárias
que os Espíritos empreendem, questão em relação direta com a erraticidade. Pode
espantar aos de caráter vulnerável tal fato, muitos dentre estes para quem a
pluralidade dos mundos habitados é um assunto por demais longínquo para por
olhos e deitar esforços. No entanto, é bom que se registre, a erraticidade é um
estado do Espírito entre uma existência física e outra, o seu decurso e os caminhos
percorridos por este enquanto aguarda o ensejo de uma vindoura estadia na
materialidade da vida encarnada não guarda os limites traçados pelas
imaginativas narrações de além-túmulo. Mui diversamente, para o Espiritismo, o
Universo é uma casa desprovida de portas, cujo único impedimento ao livre
trânsito do Espírito é sua condição íntima de progresso.
Mentalidades algo sensíveis,
entregues a manipulação fantasiosa das especulações ufológicas, ou ao
entretenimento comum à ficção-científica, vislumbram o espaço cósmico infinito
com o temor dos ancestrais da humanidade, para quem a natureza fora tão cruel
quanto bela e, ao mesmo tempo, misteriosa. Xenomorfos do espaço profundo e
relatos supostamente verídicos de abduções por OVNIs emprestam ao Cosmo a feição
de um inferno exterior, negro, frio, silencioso e mortal. Para o Espiritismo,
no entanto, e para Allan Kardec por conseguinte, a endemia da vida nos mundos
constitutivos do Universo é uma realidade inconteste - não tanto para os
físicos e astrofísicos que oficialmente acautelam-se diante da possibilidade.
Poucos, todavia, cravam a infeliz sentença que a vida na Terra é uma expressão
singular do acaso. Seria preciso que cada fragmento de rocha, de cada mundo
existente fosse examinado para se inferir pela absoluta negativa, tendo em
vista mesmo as expressões que a vida toma, do micro ao macro, no planeta.
Ao que falte em fé no futuro e
prática da fé raciocinada, em que inexista ânimo pela leitura crítica e pelo
estudo assíduo, em que careça vocação íntima para voos intelectuais mais altos,
não será por este pequeno e despretensioso ensaio que a formação do espírita
será distintiva, ainda menos completa ou definitiva. Não - escusando-nos a
expor trechos inteiros das Obras Básicas, o presente tem por fim empreender uma
viajem pelo periódico criado e editado por Allan Kardec; um mero convite ao
leitor simpático a Doutrina, para apreciar as vozes de além-túmulo que vem dar
de si um contributo ao conhecimento espírita, revelando suas jornadas por
outros mundos, patenteando o que está em A Gênese acerca das migrações
dos Espíritos, buscando ofertar a perspectiva, senão nova para todos, mas para
grande parcela, do que aguarda o progresso particular do ser, para muito além
das narrativas ficcionais de autores espirituais que fizeram e fazem da mesa
mediúnica o palco de um grotesco espetáculo de egos e inverdades.
Um dos seguimentos da Revista
Espírita destinados a transcrição das comunicações dos Espíritos, via de
regra, recebidos em sede da Sociedade Parisiense de Estudos Espírita,
denominado Conversas Familiares de Além-túmulo, é a que vem agraciar o
estudioso com relatos os mais interessantes acerca da erraticidade em seus
diversos aspectos - inclusive a migração para outros mundos. Na edição de fevereiro
de 1858, com o subtítulo Senhorita Clary D..., Allan Kardec trava contato
com o Espírito que fora em sua derradeira encarnação uma jovem, a que lhe
sucedera a morte aos 13 anos de idade, vindo posteriormente ser evocada e legou
diversas comunicações do mais alto interesse. A certa altura do registro em
exame, o mestre lionês pergunta a ela acerca de sua futura reencarnação:
“4. Será na Terra ou em outro
mundo? Resp. - Num outro.”
“5. Em relação à Terra, o mundo
para onde ireis terá condições melhores, ou inferiores? Resp. - Muito melhores
que as da Terra; lá se é feliz.”
Na mesma seção, em edição de março,
Allan Kardec evoca Lemaire, um assassino que teve por pena capital a
decapitação, ocorrida no último dia do ano de 1857; parte de sua comunicação se
encontra em O Céu e o Inferno. Aqui também temos menção natural a outros
mundos pelo qual o mestre questiona, acerca da reparação dos males provocados
em vida pelo Espírito:
“32. Como pretendeis repará-los?
Resp. - Por novas provações, conquanto me pareça que existe uma eternidade
entre elas e mim.”
“33. Essas provas se cumprirão
na Terra ou num outro mundo? Resp. - Não sei.”
O conceito da transição de mundos,
ou antes da migração dos Espíritos pelos diversos globos do Cosmo, é de tal
conta intrínseco ao ensinamento dos pilares do Espiritismo que, mesmo alguém
que principia seus estudos aí já o conhece e reconhece. Allan Kardec dá espaço
na edição de maio a correspondência de um assinante que lamenta a morte da
esposa, e que por tal fato se aproximou da doutrina espírita, tendo obtido da
falecida algumas comunicações acerca das metades eternas - conceito a que Allan
Kardec em seguida trata de derrubar. A falecida revela que sua metade eterna se
encontra na Ásia e que com ele se reunirá apenas no futuro, ao que o marido
questiona: 'Reunir-vos-eis na Terra ou num outro mundo?' - ou seja,
mesmo para este pobre viúvo que se inicia nos caminhos do Espiritismo, a ideia
segundo a qual o Espírito move-se de um mundo a outro é indubitável. Em seguida
a este artigo, a Revista Espírita traz uma comunicação de Mozart, que
não fora obtida diretamente pela Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas,
mas a ela enviada, onde uma questão se destaca pois, o perquiridor deseja saber
do estado do Espírito após a morte:
“18. Nada leva consigo daqui da
Terra? Resp. - Somente a lembrança de suas boas ações, o pesar de suas faltas e
o desejo de ir para um mundo melhor.”
Na edição de julho, Allan Kardec
trava contato com Espírito que se identificara pelo nome Célima, tocador de
tambor falecido aos 45 anos em Paris - a ele questiona se permanece apenas na
Terra ou vai a outros mundos, reiterando o sabido acerca do trânsito espiritual
entre os planetas do universo. Ainda nesta edição, sob o título de Espíritos
Impostores o Falso Padre Ambrósio, debruça-se ele acerca de comunicações
publicadas em periódico de Nova Orleans, EUA, de um sacerdote de nome Padre
Ambrósio que vivera naquela região no século XVIII, homem bom, inteligente e
venerável, que são claramente falsas. Evocando o verdadeiro padre, em certo
momento lhe questiona:
“24. E vós, Padre Ambrósio, em
que situação vos encontrais? Resp. - Encarnado num mundo feliz e desconhecido
de vós.”
Embora Júpiter seja o mundo mais
adiantado a compor o sistema solar a que a Terra pertence, e a série de artigos
abordando a existência de vida física aí haja causado comoção à época, e haja
sido com zelo abordada no presente espaço em artigo datado de 18 de agosto do
ano passado, claro, não constitui único destino dos eleitos. Por ocasião da
edição de novembro, o Espírito do Dr. Muhr, médico homeopata falecido no ano
anterior, fora evocado sob a expectativa de ir habitar tal mundo, graças a sua
elevada reputação. A ele questiona Allan Kardec:
“12. Acreditais que ireis para
Júpiter quando reencarnardes? Resp. - Irei a um mundo que se não iguala ainda a
Júpiter.”
Mas não será na Terra que
permanecerá. Na edição do mês seguinte, evoca-se Louise Labé, uma escritora
lionesa da Renascença francesa, em cuja comunicação algumas questões se
destacam:
“10. Parece que fostes feliz na
Terra; sois mais ainda agora? Resp. - Que pergunta! Por mais feliz que se seja
na Terra, a felicidade do Céu é bem diferente! Quantos tesouros, e quantas
riquezas, que um dia conhecereis, e dos quais não suspeitais ou ignorais completamente!”
“11. Que entendeis por Céu?
Resp. - Entendo por Céu os outros mundos.”
“12. No momento, que mundo
habitais? Resp. - Habito um mundo que não conheceis; mas a ele estou pouco
vinculada: a matéria prende-nos pouco.”
“13. É Júpiter? Resp. - Júpiter é
um mundo feliz; mas pensais que, dentre todos somente ele seja favorecido por
Deus? São tão numerosos quanto os grãos de areia do oceano.”
Em janeiro de 1859, a Revista
Espírita apresenta a transcrição da evocação de Diógenes de Sinope,
cognominado o Cínico, aquele mesmo que perambulava por Atenas portando uma
lanterna, em busca de um só homem honesto; obtém Allan Kardec interessantes
respostas, as quais destaca-se:
“17. Depois de vossa existência
em Atenas reencarnastes na Terra? Resp. - Não, mas em outros mundos. Atualmente
pertenço a um orbe em que não somos escravos, ou seja: se vos evocassem em
estado de vigília não poderíeis atender ao chamado, como o faço esta noite.”
Em fevereiro, um dos médiuns da Sociedade
Parisiense de Estudos Espíritas traz a Allan Kardec uma mensagem por si
recebida, sem assinatura, intitulada apenas A Infância, onde se lê:
“Que há de mais belo, de mais
grandioso que essa solidariedade que existe entre todos os mundos? Que de mais
apropriado para nos dar uma ideia da bondade e da majestade de Deus? A
Humanidade cresce por tais pensamentos, ao passo que se avilta se a reduzimos
às mesquinhas proporções de nossa vida efêmera e de nosso imperceptível mundo
entre os demais mundos”
A edição de março registra a evocação
de um chefe taitiano chamado Hitoti, a quem o Codificador vem questionar:
“10. Quais as regiões que
frequentais com mais boa vontade? Resp. - Regiões? Persuadi-vos de que não
viajo mais à vossa Terra. Vou mais alto, mais baixo, acima e abaixo, moral e
fisicamente. Vi e examinei com maior cuidado mundos ao nascente e ao poente e
que ainda se acham em estado de terrível barbárie e outros que se encontram
imensamente acima de vós.”
Benvenuto Cellini foi uma das
destacadas figuras do Renascimento italiano, tendo sido escultor, ourives e
escritor - a edição de abril da Revista Espírita registra sua evocação:
“3. Atualmente, qual a vossa
situação como Espírito? Resp. - Vivi em vários outros mundo e estou muito
satisfeito com a posição que hoje ocupo; não é um trono, mas estou a caminho.”
“11. Que mundo habitais? Resp. - Não
o conheceis e não o vedes.”
“12. Poderíeis dar-nos a sua
descrição, do ponto de vista físico e moral? Resp. - Sim, facilmente. Do ponto
de vista físico, meus caros amigos, alegrei-me com a sua beleza plástica: ali
nada choca os olhos; todas as linhas se harmonizam perfeitamente; a mímica é a
forma de expressão constante; os perfumes nos envolvem e não temos nada a
desejar para o nosso bem-estar físico, uma vez satisfeitas as necessidades
pouco numerosas a que estamos submetidos. Do ponto de vista moral, a perfeição
é menor, pois ali ainda se pode ver consciências perturbadas e Espíritos
inclinados ao mal. Não será a perfeição - longe disso - mas, como já falei, é o
seu caminho e todos esperamos um dia alcançá-la.”
Mozart retorna em registro a evocação,
na edição de maio, ladeado por Chopin, em cuja conversa um trecho em especial
chama a atenção do estudioso:
“18. Como considerais as vossas
produções musicais? Resp. - Eu as prezo muito, mas em nosso meio faze-mo-las
melhores, sobretudo as executamos melhor. Dispomos de mais recursos.”
“19. Quem são, pois, os vossos
executantes? Resp. - Sob nossas ordens temos legiões de executantes que tocam
nossas composições com mil vezes mais arte do que qualquer um dos vossos. São
músicos completos. O instrumento de que se servem é, por assim dizer, a própria
garganta; são auxiliados por alguns instrumentos, espécies de órgãos de uma
precisão e de uma melodia que, parece, ainda não podeis compreender.”
“20. Sois errante? Resp. - Sim; isto
é, não pertenço, com exclusividade, a nenhum planeta.”
“21. Os vossos executantes também
são errantes? Resp. - Errantes como eu.”
“22. [A Mozart] Poderíeis
explicar-nos o que acaba de dizer Chopin? Não compreendemos essa execução por Espíritos
errantes. Resp. - Compreendo vossa surpresa; entretanto, já vos dissemos que há
mundos particularmente destinados aos seres errantes, mundos que lhes podem
servir de habitação temporária, espécies de bivaques, de campos onde descansem
de uma demasiada longa erraticidade, estado este sempre um tanto penoso.”
Alexander von Humboldt fora geógrafo,
naturalista e explorador prussiano; uma das figuras de maior destaque para as
ciências naturais, suas contribuições para o aumento do saber do homem são ainda
impossíveis de mensurar - seus diários foram disponibilizados a apreciação de
todos somente apenas mais de 150 anos após sua morte, ou seja, recentemente;
possíveis descobertas poderão surgir destes a qualquer momento. Faleceu com 89
anos no dia 6 de maio de 1859; oito dias após Allan Kardec evoca-o a sede da Sociedade
Parisiense de Estudos Espíritas. O registro de sua comunicação encontra-se
na edição do mês seguinte da Revista Espírita, cujos trechos abaixo são
pertinentes para o presente estudo:
“9. Estais satisfeito com o emprego
que fizestes de vossa existência terrena? Resp. - Sim. Cumpri mais ou menos o
objetivo a que me propus. Servi à Humanidade, razão por que hoje sou feliz.”
“10. Quando vos propusestes este
objetivo? Resp. - Ao vir para Terra.”
“12. Lembrais da existência que
precedeu a que acabais de deixar? Resp. - Sim; ela se passou longe de vós, num
mundo muito diferente da Terra.”
“13. Esse mundo é igual, inferior ou
superior à Terra? Resp. - Desculpai; é superior.”
“15. Poderíeis dar-nos uma descrição
dos seres animados do mundo em que habitáveis? Resp. - Ao vos falar há pouco,
tinha esse desejo; mas compreendi, em tempo, que teria dificuldade de vo-lo
explicar perfeitamente. Ali os seres são bons, muito bons; já compreendeis esse
ponto, que é a base de todo o resto do sistema moral naqueles mundos: nada ali
entrava o desenvolvimento dos bons pensamentos; nada lembra os maus; tudo é
felicidade, porquanto cada um está contente consigo mesmo e com todos os que o
cercam. Em relação à matéria e aos sentidos, qualquer descrição seria inútil.
Que simplificação na engrenagem de uma sociedade! Hoje, que me acho em condição
de comparar as duas, surpreendo-me com a distância. Não penseis que assim falo
para vos desanimar, não, muito ao contrário. É necessário que o vosso Espírito
fique bem convencido da existência de tais mundos; então sentireis um ardente
desejo de os alcançar e o trabalho vos abrirá o caminho.”
No mesmo número se registra a
comunicação de Johann Wolfgang von Goethe, um gigante da literatura universal,
autor de Os Sofrimentos do Jovem Werther e Fausto, além de
naturalista, o que o fez tornar-se amigo de Humboldt. Nesta interessa o
seguinte enxerto:
“5. Qual a vossa opinião atual sobre
o Fausto? Resp. - É uma obra que tinha como objetivo mostrar a vaidade e o
vazio da ciência humana e, por outro lado, naquilo que havia de belo e de puro,
exaltar o sentimento do amor, castigando-o no que continha de desregrado e de
mau.”
“6. Foi por uma certa intuição do
Espiritismo que descrevestes a influência dos Espíritos maus sobre o homem?
Como foste levado a fazer essa descrição? Resp. - Eu tinha a lembrança quase
exata de um mundo onde via atuar a influência dos Espíritos sobre os seres
materiais.”
“7. Lembráveis, então, de uma
precedente existência? Resp. - Sim, certamente.”
“8. Poderíeis dizer-nos se tal
existência ocorreu na Terra? Resp. - Não, porque aqui não se vê os Espíritos
agindo; foi realmente num outro mundo.”
“9. Mas, então, devia tratar-se de
um mundo superior à Terra, desde que aí podíeis ver os Espíritos em ação. Como
pudestes vir de semelhante mundo para reencarnar num orbe inferior como o
nosso? Retrogradastes? Dignai-vos explicar o que se passou. Rep. - Era um mundo
superior até certo ponto, mas não como o entendeis. Nem todos os mundos têm a
mesma organização, sem que, por isso, tenham uma grande superioridade. Ademais,
sabeis perfeitamente que entre vós eu cumpria uma missão que não podeis
dissimular, porque ainda representais as minhas obras. Não houve retrogradação,
considerando-se que servi e ainda sirvo para a vossa moralização. Eu aplicava
aquilo que podia haver de superior no mundo precedente para corrigir as paixões
de meus heróis.”
Registra a edição de setembro, a
comunicação espontânea do General Louis Lazare Hoche, militar do Exército
Revolucionário Francês, morto aos 29 anos em setembro de 1797; seguem-se
trechos surpreendentes de sua mensagem:
“13. Será na Terra que deveis
ter uma nova existência? Resp. - Não.”
“14. O mundo para o qual
deveis ir é-nos conhecido? Resp. - Sim; Mercúrio.”
“15. Do ponto de vista moral,
esse mundo é superior ou inferior à Terra? Resp. - Inferior. Eu o elevarei.
Contribuirei para fazê-lo entre numa nova posição.”
“17. Do ponto de vista físico,
os habitantes desse mundo são tão materiais quanto os da Terra? Resp. - Sim,
completamente; mais ainda.”
“18. Fostes vós que
escolhestes esse mundo para vossa nova existência? Resp. - Não, não. Eu teria
preferido uma terra calma e feliz. Lá encontrarei torrentes de mal a combater e
furores de crime a punir.”
Ao que Allan Kardec vem
complementar:
“Observação - Quando nossos
missionários cristãos vão aos povos bárbaros para tentar fazer que neles
penetrem os germes da civilização, não cumprem uma função análoga? Por que,
então, nos admirarmos de que um Espírito elevado vá a um mundo atrasado com
vistas a fazê-lo avançar?”
Por quantas mortes um jovem
general pode ser responsabilizado? Na ordem social da Terra, é ainda a guerra
um subterfúgio, drástico, para a resolução de questões conflituosas, a que a diplomacia
de mais alto gabarito não alcança. E mesmo diante da violência imposta pelos
combates e das vidas perdidas, o provimento das Leis Naturais encontra um fim
útil para tudo.
As edições de 1860 contam com
diversas menções pouco desenvolvidas acerca dos aspectos dos outros planetas do
universo, exceção feita a Júpiter, cujos artigos publicados nos anos anteriores
são relacionados as comunicações do pintor Nicolas-Toussaint Charlet acerca dos
animais. Exceto este, as migrações dos Espíritos pelos diversos globos do
universo são notadas en passant, como por exemplo em mensagem de São
Luís presente a edição de agosto sob o título O Futuro, onde uma sua
exortação final aos espíritas se destaca:
“Ide, espíritas! Perseverai;
fazei o bem pelo bem; desprezai suavemente os gracejadores; lembrai-vos de que
tudo é harmonia em a Natureza, que a harmonia está nos mundos superiores e que,
malgrado certos Espíritos fortes, tereis também a vossa harmonia relativa.”
Na edição de março de 1861, Allan
Kardec transcreve o diálogo travado com o Espírito identificado como Sra.
Bertrand, a quem pergunta:
“Embora vossa morte seja
recente, já deixastes a Terra? Percorrestes os espaços e visitastes outros
mundos? Resp. - O termo visitar não corresponde ao movimento tão rápido como o
é a palavra, a qual nos faz, tão rápido quanto o pensamento, descobrir sítios
novos. A distância não passa de uma palavra, como o tempo não é para nós senão
uma mesma hora.”
O Codificador principia a edição
de junho reproduzindo um discurso de William Ellery Channing, chamado o
apóstolo do Unitarismo, seita protestante que prega um Deus uno, negando a
santíssima trindade cristã. Proferido em 1834 por ocasião da morte de um amigo,
o pastor exara em sua pregação uma série de preceitos em completa harmonia com
o Espiritismo, logicamente escapando a questões como a mediunidade e a
reencarnação, mas se achegando destas muito proximamente. Um dos trechos de sua
fala alcança justamente a questão aqui abordada:
“E quanto é pouco racional
imaginar que não haja outros mundos além deste, outro modo de existência mais
elevado que o nosso! Quem é aquele que, percorrendo os olhos sobre esta Criação
imensa, pode duvidar que não haja seres superiores a nós, ou ver algo
despropositado em conceber o Espírito num estado menos circunscrito, menos
entravado do que na Terra, em outras palavras, que haja um mundo espiritual?”
Em Dissertações e Ensinos
Espíritas, em edição de setembro, Allan Kardec dá espaço a mensagem
recebida pelo Sr. R..., de Melhouse, cidade na fronteira com a Suíça, cujo
trecho a seguir interessa:
“Sim, meus amigos; já vivemos
corporalmente e viveremos ainda. A felicidade que desfrutamos é apenas
relativa; há estados muito superiores àquele em que estamos e aos quais não se
chega senão por encarnação sucessivas e progressivas em outros mundos. Não
julgueis, portanto, que de todos os globos do Universo seja a Terra o único
habitado. Pobre orgulho humano, que pensa ter Deus criado todos os astros
apenas para deleitar a sua vista! Sabei, então, que todos os mundos são
habitados e, entre eles, se soubésseis a posição que ocupa a Terra, não teríeis
razão para vos glorificardes!”
Já em janeiro do ano posterior,
1862, Allan Kardec principia com o Ensaio de Interpretação sobre a Doutrina
dos Anjos Decaídos, um texto que mais tarde integraria o capítulo XI de A
Gênese; neste um fragmento para a questão presente:
“Não conhecemos, e
provavelmente jamais conheceremos, o ponto de partida da alma humana. Tudo
quanto sabemos é que os Espíritos são criados simples e ignorantes; que
progridem intelectual e moralmente; que, em virtude do livre-arbítrio, uns
tomaram o bom caminho, outros um caminho errado; que, uma vez posto o pé no
atoleiro, nele se afundaram cada vez mais; que, depois de uma série ilimitada
de existências corporais, realizadas na Terra e em outros mundos, depuram-se e
alcançam a perfeição, que os aproxima de Deus. (...) Conforme o ensino dado
pelos Espíritos superiores, essas emigrações e imigrações dos Espíritos
encarnados na Terra ocorrem de vez em quando, individualmente; porém, em certa
épocas, se realizam em massa, em consequência das grandes revoluções que os
fazem desaparecer em quantidades consideráveis, sendo substituídos por outros
Espíritos que, de alguma sorte, na Terra ou numa parte da Terra, constituem uma
nova geração. (...) Em que se tornarão os Espíritos expulsos da Terra? Os
próprios Espíritos nos dizem que aqueles irão habitar mundos novos, onde
encontrarão seres ainda mais atrasados que os daqui, aos quais estão
encarregados de fazer progredir, transmitindo-lhes o produto dos conhecimentos
que já adquiriram. O contato do meio bárbaro em que se acham ser-lhes-á uma
cruel expiação e uma fonte de incessantes sofrimentos, físicos e morais, dos
quais terão tanto mais consciência
quanto mais desenvolvida for a sua inteligência; mas essa expiação será, ao
mesmo tempo, uma missão que lhes oferecerá os meios de resgatar o passado,
conforme a maneira pela qual a desempenharem. Aí sofrerão uma série de
encarnações, durante um período de tempo mais ou menos longo, no fim do qual os
que tiverem merecimento serão retirados para mundos melhores, talvez a Terra,
que, então, será uma morada de felicidade e de paz, enquanto os da Terra, por
sua vez, ascenderão gradualmente até o estado de anjos ou puros Espíritos.
(...) Pois bem! Todos esses Espíritos, que tão mal empregaram as suas
encarnações, uma vez expulsos da Terra e enviados a mundos inferiores, entre
hordas ainda na infância da barbárie, o que serão, senão anjos decaídos,
remetidos à expiação? A terra que deixaram não será para eles um paraíso
perdido, um comparação ao meio ingrato onde ficarão relegados durante milhares
de séculos, até o dia em que tiverem merecido a libertação?”
A edição de maio traz a
transcrição do discurso de Allan Kardec por ocasião do enterro do Sr. Sanson,
um dos membros da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, onde
destaca-se um trecho da prece que fez em seguida a este:
“Ireis percorrer o espaço e
visitar os mundos em completa liberdade, enquanto nos arrastamos penosamente na
Terra, retirados pelo nosso corpo material, que se nos assemelha fardo por
demais pesado.”
Na seção Ensinos e
Dissertações Espíritas da edição de julho, encontra-se o seguinte:
“Entretanto, tal como é
compreendido na Terra, o casamento não é conhecido nos mundos superiores.
Nesses lugares de felicidade, de liberdade e de alegria, os laços são de flores
e de amor; e não creias que, por isso, sejam menos duráveis. Só o coração fala
e guia nessas uniões tão doces. Uniões livres e felizes, casamento de almas
perante Deus, eis a lei do amor dos mundos superiores.”
Ao que Allan Kardec observa:
“(...) é preciso levar em
conta que os Espíritos se desmaterializam à medida que se elevam e se depuram.
Só nas fileiras inferiores a encarnação é material. Para os Espíritos
superiores não há mais encarnação material e, consequentemente, não há
procriação, pois está se dá pelo corpo e não pelo Espírito. Uma afeição pura é,
pois, o único objetivo da união e, por isto, ao contrário do que ocorre na
Terra, não necessita da sanção oficial.”
Agosto vem brindar ao leitor com
uma comunicação acerca do estado do planeta Vênus; como as demais comunicação
sobre os mundos constituintes do sistema solar a que a Terra pertence, o
Codificador as toma senão por hipótese - quanto a tais relatos, alguns dos
quais foram já evocados por conveniência do mote de artigos anteriores,
deixaremos aos estudiosos e interessados a leitura dos mesmos, a fim de não vir
transcrever partes inteiras da Revista Espírita sem o que contribuiria
para tomar espaço desnecessariamente. No mesmo espírito, não comporemos laudas
a tratar das impressões que Allan Kardec teceu no ano seguinte quanto a obra Pluralidade
dos Mundos Habitados, de autoria do astrônomo Camille Flammarion, menos o
faremos quando abordou o que se poderia chamar de edição definitiva desta obra,
que este veio publicar no ano seguinte, e a qual o Codificador trata,
outrossim, na edição de setembro de 1864. Exorta-se o impulso do leitor a que
vá por seus próprios esforços verificar ambos os opúsculos, e os pareceres
kardecianos aí.
A edição de junho de 1863, em
artigo intitulado Princípio da Não-Retrogradação dos Espíritos, um
trecho em particular faz repisar o já conhecido:
“Pode Deus, pois, ao cabo de
um certo tempo de prova, retirar de um mundo onde não terão progredido
moralmente aqueles que o tiverem desconhecido, que se houverem rebelado contra
as suas leis, para mandar que expiem os seus erros e o seu endurecimento num
mundo inferior, entre seres ainda menos adiantados. Aí serão o que antes eram,
moral e intelectualmente, mas numa condição infinitamente mais penosa, pela
própria natureza do globo e, sobretudo, pelo meio no qual se acharão. Numa
palavra, estarão na posição de um homem civilizado, forçado a viver entre os
selvagens, ou de um homem muito distinto, condenado à sociedade dos degredados.”
Da Espanha, em edição de setembro
de 1864 vem uma comunicação de interesse, onde um Espírito é instado a tratar
dos mundos superiores a Terra; ao que destacamos os seguintes pontos:
“Ali os seres são menos
materiais que em vossa Terra, e não se acham sujeitos a todas as necessidades
que vos pesam; formam a transição entre os corpóreos e os incorpóreos. Lá não
há barreiras separando os povos, nem guerras; todos vivem em paz, praticando entre
si a caridade e a verdadeira fraternidade; (...) Aquele que na Terra vos parece
perfeito seria considerado como um revoltado e um criminoso no mundo de que vos
falo. Vossos grandes sábios ali seriam os últimos ignorantes. (...) Não tendo
que prover às necessidades do corpo acodem às do Espírito; compreendendo cada
um por que foi criado, estão positivamente seguros de seu futuro e trabalham
sem trégua o seu próprio melhoramento e a purificação de sua alma. Ali a morte
é considerada um benefício. O dia em que a alma deixa o seu invólucro é um dia
feliz. Sabe-se aonde se vai; passa-se primeiro, para ir mais longe esperar os
pais, os amigos e os Espíritos simpáticos, deixando pra trás.”
Na edição de março de 1865, Allan
Kardec faz publicar as comunicações da Viúva Foulon, cujo caso consta também de
O Céu e o Inferno - não retirando ao leitor o dever de instruir-se pelos
próprios esforços, e vir apreciar a citada obra como sinal de responsabilidade
para com o próprio conhecimento, uma só observação do mestre lionês merece
registrar:
“(...) este exemplo mostra a
possibilidade de não mais se encarnar na Terra e passar daqui a um mundo
superior, sem ser por isto separado dos seres afeiçoados que aqui deixamos.
Aqueles, pois, que temem a reencarnação, por causa das misérias da vida podem
destas se libertar, fazendo o que é preciso, isto é, trabalhando pelo seu
melhoramento. Quem não quiser vegetar nas classes inferiores, deve instruir-se
e trabalhar para subir de grau.”
Em artigo da sessão Estudos
Morais, da edição de julho, sob o título A Comuna de Koenigsfeld, Mundo
Futuro em Miniatura, o Codificador trata de uma nota emitida pela imprensa
acerca da diminuta cidade alemã de Königsfeld im Schwarzwald, que àquele tempo
contava cerca de 400 habitantes (hoje mais de 6000) e que, desde sua fundação
em 1807 não registrara qualquer espécie de delito ou crime, processos ou a
presença de mendigos. Uma comunicação espontânea segue a este ao que ele vem
observar após, em dado trecho:
“Tudo está submetido à lei do
progresso; os mundos também progridem, física e moralmente; mas se a
transformação da Humanidade deve esperar o resultado da melhora individual, se
nenhuma causa vier acelerar essa transformação, quantos séculos, quantos
milhares de anos não serão ainda precisos? Tendo a Terra chegado a uma de suas
fases progressivas basta não mais permitir aos Espíritos atrasados de aqui
reencarnarem, de modo que, à medida que se forem extinguindo, Espíritos mais
adiantados venham tomar o lugar dos que partem, para que em uma ou duas
gerações o caráter geral da Humanidade seja mudado.”
Em Notas Bibliográficas,
no mês de agosto, Allan Kardec chama a atenção para curiosa obra que veio a luz
originalmente em 1788, de autoria de Louis-Félix de Wimpfen, general francês
morto em 1793 - com o título de O Manual de Xefólius, este livro tem seu
conteúdo decalcado no Espiritismo. Um fragmento interessa para o momento:
“Em cada mundo que percorre, a
alma adquire novos sentidos morais, que lhe permitem conhecer coisas de que não
fazia a mínima ideia.”
Na edição de março do ano
seguinte, 1866, em Introdução ao Estudos dos Fluidos Espirituais, no
item IV, Allan Kardec registra:
“(...) ensina-nos (o
Espiritismo) que as almas passam alternadamente do estado de encarnação ao
de erraticidade; que neste último estado elas constituem a população invisível
do globo, ao qual ficam ligadas até que tenham adquirido o desenvolvimento
intelectual e moral que comporta a natureza deste globo, depois do que o
deixam, passando a um mundo mais adiantado.”
Em junho, a Revista Espírita
traz uma das comunicações do Espírito identificado por Gui..., que segundo o
Codificador fora economista em vida, e ainda que homem de reconhecidos
intelecto e moral, tinha no Espiritismo uma fonte de deboche. Constatado seu
erro após o decesso, veio dar informes de sua condição a fim de convencer
amigos e familiares de que a realidade constitui-se diversa da que tratara com
zombarias em vida. Neófito acerca da erraticidade, tece considerações
equivocadas, ao que o mestre lionês vem observar:
“Sem dúvida, no grande
movimento regenerador que se opera, uma parte dessa geração deixará a Terra por
mundos mais adiantados; mas, como a Terra regenerada será, ela própria, mais
adiantada do que é, muitos acharão uma recompensa aqui reencarnando. Quanto aos
endurecidos, que aí são uma chaga, como estariam deslocados e constituiriam um
entrave ao progresso, por perpetuarem o mal, terão de esperar em mundos mais
atrasados que a luz se faça para eles. É o que resulta da generalidade das
instruções dadas a respeito pelos Espíritos.”
Faz publicar em outubro de 1866 um
texto intitulado Os Tempos São Chegados, opúsculo que viria a constar
posteriormente de A Gênese, e cujo trecho abaixo Allan Kardec registra:
“Que de mais justo e mais consolador
que a ideia dos mesmos seres progredindo sem cessar, primeiro através das
gerações de um mesmo mundo e, depois, de mundo em mundo, até a perfeição, sem
solução de continuidade! Assim, todas as ações tê um objetivo, porquanto,
trabalhando para todos, trabalha-se para si, e reciprocamente, de tal sorte que
o progresso individual e o progresso geral jamais são estéreis.”
Em Dissertações Espíritas
da edição de maio de 1867, Allan Kardec transcreve pergunta e resposta de um
Espírito acerca do gênio, ou antes da atribuição dada aos homens de luminoso
intelecto por este vocábulo laudatório:
“A outra espécie de gênio é o
Espírito que vem dos mundos felizes e adiantados, onde a aquisição é universal
sobre todos os pontos; onde todas as faculdades da alma chegaram a um grau
iminente, desconhecido na Terra. Estas espécies de gênios se distinguem dos
primeiros por uma aptidão excepcional para todos os talentos, para todos os
estudos. Concebem todas as coisas por uma intuição segura, e que confunde a
ciência ensinada pelos mais sábios. Distinguem-se em bondade, em grandeza de
alma, em verdadeira nobreza, em obras excelentes. São faróis, iniciadores,
exemplos. São homens de outras terras, vindos para fazer resplandecer a luz do
alto num mundo obscuro, assim como se enviam entre os bárbaros, para os
instruir, alguns sábios de uma capital civilizada. Tais foram entre vós os
homens que, em diversas épocas, fizeram avançar a Humanidade, os sábios que
alargaram os limites dos conhecimentos e dissiparam as trevas da ignorância. Vieram
e pressentiram o destino terrestre, por mais longe que estivessem da realização
deste destino. Todos lançaram os fundamentos de alguma ciência, ou foram o seu
ponto culminante.”
Das crônicas biográficas da vida
de São Francisco Xavier, Allan Kardec extrai, para a edição de agosto de 1868
uma curiosa passagem em que o santo se vê diante de um bonzo japonês, que
afirma com ele haver tido contato em vidas anteriores. O Codificador a esse
respeito conclui:
“(...) com efeito, os
Espíritos nos dizem que nos mundos superiores à Terra, onde o corpo é menos
material e a alma encontra-se num estado normal de desprendimento, a lembrança
do passado é uma faculdade comum a todos; aí a gente se lembra das existências
anteriores, como nos lembramos dos primeiros anos de nossa infância.”
Por ocasião de um crime
envolvendo um herbolário de nome Joye, que se afirmara consultante dos
Espíritos, a que os altos do processo o registraram como espírita, Allan Kardec
a certa altura de sua defesa doutrinária contra o senso comum em vista dos
absurdos presentes aí, afirma na edição de janeiro de 1869:
“(...) que os Espíritos são as
almas dos homens que viveram na Terra ou em outros mundos, nossos pais, nossos
amigos, nossos contemporâneos ou nossos antepassados;”
Em abril, a Revista Espírita
reproduz integralmente a declaração de princípios aprovada na assembleia de
delegados espíritas dos Estados Unidos da América, ao que Allan Kardec nada
acresce, aliás faz breves comentários a cada um dos itens aí enumerados frente
aos fundamentos presentes em O Livro dos Espíritos, e cujo trecho
seguinte nota:
“À medida que os Espíritos
avançam em perfeição, habitam mundos cada vez mais adiantados fisicamente e
moralmente. Por certo é o que entendia Jesus por estas palavras: 'Na cada de meu
Pai há muitas moradas.'” - ao que adiciona ainda abaixo, tratando do modo
de ver as escolas americana e europeia do Espiritismo (espiritualismo) - “Ambos
reconhecem o progresso indefinido da alma como a lei essencial do futuro; ambos
admitem a pluralidade das existências sucessivas em mundos cada vez mais
avançados. A única diferença consiste em que o Espiritismo europeu admite essa
pluralidade de existências na Terra, até que o Espírito aqui tenha atingido o
grau de adiantamento intelectual e moral que comporta este globo, após o que o
deixa para outros mundos, onde adquire novas qualidades e novos conhecimentos.”
Das edições da Revista
Espírita editadas por Allan Kardec, que vai de sua fundação em 1858 até o
falecimento deste em 1869, o leitor poderá colher na paciência da pesquisa, por
certo, uma série mais de partes, trechos, fragmentos e frações de seu conteúdo
referindo a migração dos Espíritos, e as condições dos planetas de onde vieram
alguns, e para onde vão outros. Ainda que ensejasse este presente artigo vir aí
dar voz a estes, ampliando a perspectiva nossa, e do leitor, acerca dos
destinos possíveis do Espírito, em nenhum momento sua proposta fora criar um
tratado de caráter definitivo acerca da questão. Em realidade é antes um
diminuto apanhado, a dar a ideia do riquíssimo e vasto conjunto de textos
componentes da Revista Espírita, vindo arrematar esta temática tão
adulterada da erraticidade, fundamento do Espiritismo que o presente blog
contém já portentoso material que o abordou e desenvolveu sem esgotá-lo.
Deixamos aqui o convite a leitura destes, sem furtarmo-nos a exortar o estudo
sério, contínuo e metódico das Obras Básicas.