Os artigos destinados ao presente
blog têm, e sempre tiveram o feitio de tratar de questões pouco ou nada
conhecidas acerca da Doutrina dos Espíritos, e de outras relativas a sua
prática em território nacional; subtraindo-se, porém, aos temas atuais, da
ordem do dia. Mas se exceções necessitem vir ocorrer para atestar a norma, não
há assunto mais candente que não a pandemia que atualmente vem assolar o mundo.
A humanidade, uma vez mais dobra-se perante a doença, e a historiografia coube
o registro de tais períodos negros - ao Espiritismo, este é chamado a
manifestar-se. Infelizmente, toda sorte de profetas, visionários e videntes,
que sob a égide da Doutrina dos Espíritos justificam suas ações, explanam aos ventos
bobagens sem cabimento, apontando desde a famigerada data limite imposta por
Chico Xavier, passando por interpretações várias das supostas profecias do
médico francês Nostradamus. Allan Kardec foi menos presciente, mais prudente e
historiograficamente bem embasado ao compor laudas acerca de eventos de tal
natureza, que periodicamente se abatem sobre o homem - guerras, catástrofes,
flagelos, cataclismos, pragas, etc. Em A Gênese, em seu capítulo XI Gênese
Espiritual, o item Emigrações e Imigrações dos Espíritos, traz
oportunos trechos que interessa por olhos:
“Os flagelos destruidores e os
cataclismos devem, portanto, considerar-se como ocasiões de chegadas e partidas
coletivas, meios providenciais de renovação da população corporal do globo, de
ela se retemperar pela introdução de novos elementos espirituais mais
depurados. (...) As renovações rápidas, quase instantâneas, que se produzem no
elemento espiritual da população, por efeitos dos flagelos destruidores,
apressam o progresso social; sem as emigrações e imigrações que de tempos a
tempos lhe vêm dar violento impulso, só com extrema lentidão esse progresso se
realizaria. É de notar-se que todas as grandes calamidades que dizimam as
populações são sempre seguidas de uma era de progresso de ordem física,
intelectual, ou moral e, por conseguinte, no estado social das nações que as
experimentam. É que elas têm por fim operar uma remodelação na população
espiritual, que é a população normal e ativo do globo.”
Não poucos hão de ler em tais
linhas a revolução dos tempos, a renovação definitiva, a extrusão do mal do
seio da humanidade, o princípio da edificação do idílio terreal - a lógica
irrompe as mais perversas utopias dos otimistas ao prescrever que, não havendo
baixio mais profundo que o próprio limite imposto pela superfície da Terra,
sendo permitido apenas ascender após tal negra temporada dos tempos atuais, a
mudança longe está de corresponder ao rompimento de paradigmas que muitas
imaginações sensíveis almejam. E a história humana o comprova. Um exemplo
bastante ilustrativo é a Peste Negra, ocorrida no século XIV que serviu de
estopim para a Crise da Baixa Idade Média, um conjunto de acontecimentos que
decretaria o fim do medievo e o início da Renascença, entre estes as revoltas
camponesas e a Guerra dos Cem Anos. Ou seja, a pandemia ceifou a vida de dois
terços da população europeia da época, algo entre 75 e 200 milhões de
indivíduos, e após foi deflagrada uma guerra. É preciso apaziguar os ânimos
mais fantasiosos, lembrando-lhes da espécie de Espíritos que se encarnam na
Terra - e não é o que se vê cotidianamente, diante de tal cenário de mortes que
devasta a todos, de conjuntura econômica instável, de perspectivas, planos e
projetos paralisados, em ponto de espera? Que aspectos do homem ressaltam ante
o pior? Que fazem os donos do poder temporal ante este quadro? Como se
manifestam eles, pondo-se aos extremos do embate partidário mais torpe, ora
decretando a falência da vida, ora relativizando a letalidade da doença? E não
é tudo uma grande cortina de fumaça que os possibilita, envoltos em sombras,
concentrarem mais poderes e riquezas em si mesmos?
Este presente apontamento, muito
antes que um artigo ou ensaio, destina-se em grande parte a trazer não apenas o
alento comum aos ensinamentos do Espiritismo, mas principalmente exortar a
reflexão em dias tão incertos. Os dados, as informações e o conhecimento são
hoje amplamente disponíveis; os saberes acerca das pragas que se abateram sobre
o homem, suas consequências mais imediatas e aquelas observadas no decurso dos
séculos estão igualmente à vista dos interessados, para traçar as conexões que
levem dos efeitos até suas causas, de conta que listar fatos históricos
resultaria em tomar um espaço acerca de uma questão que, a bem da verdade, já
enfastiou a generalidade. Num verdadeiro bombardeio midiático, o homem comum
absorve informes que evocam a atmosfera onírica de um pesadelo apocalíptico,
agravado em parte pelo isolamento imposto. A arte e cultura nunca se mostraram
tão necessárias, e as relações conjugais e familiares, certamente, passam por
momentos de reavaliação e apuração - esta geração verá as consequências da
pandemia? Algumas se sentem desde já na própria pele, outras serão sentidas nas
eras vindouras, onde os mesmos que hoje estão encarnados poderão também estar,
se não partirem para outros mundos, talvez melhores ou piores que a Terra, isto
dependerá do progresso íntimo de cada um. Mas o Espiritismo vem dar, por si e
neste instante pela praga, a oportunidade de rememorar a imortalidade do Espírito
e a transitoriedade da vida física, tão fugaz, frágil e mortal. Evoquemos os
dizeres de Allan Kardec em complemento a questão 487 de O Livro dos
Espíritos para encerrar, ante a possibilidade de renovar as esperanças no
futuro, a fé no futuro, e abandonar o medo. Preciso é confiar na vida.
“Sabendo ser transitória a
vida corporal e que as tribulações que lhe são inerentes constituem meios de
alcançarmos melhor estado, os Espíritos mais se afligem pelos nossos males
devidos a causas de ordem moral, do que pelos nossos sofrimentos físicos, todos
passageiros. Pouco se incomodam com as desgraças que apenas atingem as nossas
ideias mundanas, tal qual fazemos com as mágoas pueris de crianças. Vendo nas
amarguras da vida um meio de nos adiantarmos, os Espíritos as consideram como a
crise ocasional de que resultará a salvação do doente.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário