sexta-feira, 1 de maio de 2020

Edgard Armond à Luz dos Fatos


1. Ocultismo, esoterismo e teosofia
Passar ao escrutínio da razão autores que falaram, conferenciaram, escreveram e divulgaram suas próprias ideias como se espíritas fossem não é tarefa fácil, tampouco recompensadora, ao menos do ponto de vista espiritual - os ataques fluídicos são exponencialmente maiores, quão mais divulgados forem os resultados deste processo. Ainda que os benfeitores espirituais colaborem, neste mundo materialista os seus esforços parecem insípidos, ainda que não sejam; mas, se os efeitos deletérios do pensamento daqueles que tiveram sua fé sacudida em decorrência de um estudo aprofundado, cotejando seus autores de culto as evidências da realidade, ainda mais violentos lhes são as agonias intestinas ocasionadas pela acareação com as Obras Básicas - pois, todo aquele que se considera espírita, crê ter um dilatado conhecimento dos escritos de Allan Kardec. Quando não o tem, dizem-no ultrapassado, obsoleto, carente de revisão. Basicamente, o argumento esclerosado e loroteiro de sempre (ver artigo aqui publicado em 10 de agosto de 2019).

Todavia, ao levar a efeito tais exames e investigações, nenhum estudioso está em busca de qualquer espécie de recompensa, ou assim se cogita. Que todos se entendessem acerca do Espiritismo numa simples conversa já lhe seria um avanço positivamente promissor. Menos se pode crer que desejem vir denegrir a dignidade humana de tais autores, muitos dos quais apenas desorientados e instruídos de modo equivocado acerca do Espiritismo. Mas daqueles que fizeram do Espiritismo sua profissão, é ao menos de bom alvitre desconfiar de suas intenções, de suas palavras, de seus artigos e de seus livros. Julgam-se os Espíritos, como os homens, pela sua linguagem. Tem-se o presente blog exposto esforços em artigos referentes a erraticidade, princípio do Espiritismo, e cujo qual fartam teses, conceitos, doutrinas e ideias anômalas, que qualquer estudioso da Doutrina não deve deixar sem análises e conclusões. Mas não só. Concepções outras, trazidas de culturas, religiões e doutrinas estranhas aos postulados espíritas vicejam entre as gentes, a guisa de Espiritismo. De modo insidioso, por meio de diversos divulgadores e pretensos estudiosos, ideias bizarras ganham corpo e posteridade, estando presentes no ilegítimo movimento espírita brasileiro há décadas.

Um dos sistemas de ideias que há mais tempo se insinuam junto ao Espiritismo é o ocultismo; este é tido como uma disciplina das cousas misteriosas, sobrenaturais e ocultas, que não são explicáveis por meio de teses que contemplem leis naturais - não será preciso notar o quão antagônico é frente a Doutrina dos Espíritos. O ocultismo divide a natureza, ou antes, os saberes acerca da natureza em exotéricos e esotéricos; o primeiro refere-se a conhecimentos de caráter público, disponível a todos irrestritamente, enquanto a segunda trata de conhecimentos ocultos, próprios a círculos estritos de iniciados. Três segmentos, ou categorias subdividem o campo de estudo e atuação do ocultismo - o ocultismo filosófico, que aborda a moral, a metafísica e a teologia; o ocultismo prático, que trata do magnetismo, hipnotismo, alquimia, astrologia, cartomancia, quiromancia, grafologia, frenologia, bibliomancia, hialoscopia, autoscopia e magia; e, por fim, o ocultismo esotérico, que estuda os sistemas de pensamento dos filósofos antigos, em especial aqueles cujas ideias tem feições secretas. Determinadas doutrinas, culturas ou religiões preconizam interpretações de seus postulados ao espectro ocultista, como por exemplo o hinduísmo e demais religiões e seitas indianas, o budismo zen, o islamismo, o catolicismo, a maçonaria, a rosacruz, a kabala hebraica, a eubiose e a teosofia. A adesão ao pensamento ocultista traduz-se no acolhimento de tradições, ritos e rituais, símbolos, gestos, grandes e pequenos mistérios, misticismos, magias, orações e rezas. No entanto, se este amontoado de conceitos e práticas divinatórias que nada tem que ver com o Espiritismo, a este infiltrou-se por conta de certos autores, - dentre os quais Edgard Armond, que lhe dedicou especial expressão, ao qual abordaremos seguintemente - alguma influência exerceram os escritos de Allan Kardec sobre os autores ocultistas?

Stanislas de Guaita, obscura figura do século XIX, hoje um completo desconhecido a exceção para os iniciados do ocultismo, fora um dos expoentes máximos de tal corrente de pensamento, e em sua obra maior, No Umbral do Mistério, registra-se o seguinte:

O Espiritismo é algo que, por si só, constitui uma aberração e uma loucura. (...) Há no homem, segundo a Magia, três elementos radicais: a Alma (elemento espiritual), o Corpo (elemento material) e o Perispírito ou Mediador (elemento fluídico). (…) A alma espiritual seria , aliás, inábil para se fazer obedecer pelo corpo material sem a interferência de um Mediador Plástico procedente de ambos (…) Ora, uma vez que este Mediador Plástico, exercido convencionalmente, segundo sua própria vontade, pode coagular ou dissolver, projetar ao longe ou atrair uma porção do Fluido Universal, ele possibilita ao adepto influenciar toda a massa de Luz Astral, nela criando correntes e produzindo, enfim, ainda que à distância, fenômenos surpreendentes que a ignorância comum qualifica como milagres ou perversas artimanhas do diabo, quando não acha ainda mais simples negá-los obstinadamente.

Tal interessante passagem, que expõe de modo relativamente preciso o perispírito, propriedades e interação deste com o fluido cósmico ambiente, revela um ponto de contato insuspeito com a Doutrina dos Espíritos, embora o autor impute tais formulações a magia, seja lá em que alfarrábios ancestrais tenha compulsado ele para os adquirir. Stanislas de Guaita, no entanto, é apenas um dos indivíduos sem fim que desde o medievo ao século XVIII, passando pelas escolas gnósticas do Renascimento, fomentaram o ocultismo e demais doutrinas esotéricas - ao seu tempo, coetâneos de Allan Kardec, certos nomes e personagens fizeram a história desta vertente de pensamento, instando fabulações, lendas e mitos na mentalidade popular; nomes como Gérard Encausse, Martinez de Pasqually, Louis-Claude de Saint-Martin, Jean Baptiste Willermoz, Eliphas Levi, Conde de Cagliostro, Conde de Saint Germain, entre muitos outros evocavam respeito e reservas em igual medida. Acaso se possa apontar um ponto culminante na efervescência causada pela presença e inserção do pensamento ocultista e esotérico no século XIX, este seria a fundação da Sociedade Teosófica Internacional, fato que se deu em Nova York, por iniciativa de Helena Blavatsky e Henry S. Olcott, em 1875.

Helena Petrovna Blavatsky nasceu na Ucrânia em 1831 e, embora haja tido uma infância enfermiça, fora uma criança manifestamente rebelde, obstinada e imaginativa. Com 17 anos se casa, mas foge do marido em plena lua-de-mel, sem haver consumado o matrimônio; seu pai a ampara e facilita sua fuga, permitindo-a seguir a moda dos filhos das elites europeias de antanho, peregrinando por países considerados exóticos, colhendo experiências as mais fantásticas e, por certo exageradas, dado o seu pendor pessoal para a mitificação. Mulher independente, culta e de caráter firme, Helena se dizia sensitiva, iniciando-se no esoterismo por intermédio de um mestre muçulmano que conhecera no Egito. A Sociedade Teosófica Internacional fundada por ela, teve sua sede transferida para a Índia, primeiramente em Mumbai, e depois para Adyar, ao sul de Madras, onde se fixaria em definitivo. Suas obras interligam o conhecimento religioso mistico asiático ao gnosticismo e outras correntes ocultistas ocidentais; entre seus escritos destacam-se A Doutrina Secreta, Ísis sem Véu e A Voz do Silêncio. Entre personagens de destaque que foram membros da Sociedade Teosófica encontra-se Charles Leadbeater, Alfred Sinnett, George Mead, Annie Besant, Jiddu Krishnamurti e Curuppumullage Jinarajadasa.

2. Comandante
A biografia de Edgard Armond registra seu nascimento à 14 de junho de 1894 na cidade paulista de Guaratinguetá, localizada no Vale do Paraíba. Aos 21 anos, ingressou nas forças públicas do Estado de São Paulo, onde viria a receber o título de Comandante, patente pela qual ficaria conhecido junto ao movimento espírita nacional; em 1938 deixa a vida militar em decorrência de haver fraturado os dois joelhos em um acidente automobilístico. A este tempo passa a considerar-se espírita e dedica-se, então a tenaz atuação, tendo participado da fundação da FEESP (Federação Espírita do Estado de São Paulo), e de seu órgão de imprensa, o periódico O Semeador, além de fundar a USE (União das Sociedades Espíritas). Na década de 1970, disside da FEESP, ao lado dos dirigentes de vários centros espíritas, fundando a Aliança Espírita Evangélica (AEE), retomando a Escola de Aprendizes do Evangelho e a Fraternidade dos Discípulos de Jesus, nos moldes em que existiram na FEESP na década de 1950, implementando aí a Reforma Íntima como meio de aperfeiçoamento moral para a vivência do cristianismo. É autor de mais de cinquenta livros, mas reconhecido principalmente por Os Exilados de Capela, O Redentor, e Passes e Radiações. Faleceu em 1982, aos 88 anos. Interessa, porém, apontar que além de haver sido maçom, ao longo da década de 1920, Armond travou contato com líderes esotéricos e ocultistas, como registrado nestas duas passagens facilmente encontráveis em sites a respeito do autor - “(...) fez contatos pessoais com líderes esotéricos, ocultistas e espiritualistas, entre outros Krishanmurti, Krumm-Heller, Jinarajadasa (...)” - “(...) manteve contato com líderes esotéricos, ocultistas e espiritualistas, entre os quais Krishanmurti, Krumm-Heller, Jinarajadasa (...)

Quem foram tais três figuras? Henrich Arnold Krumm-Heller nasceu na Alemanha em 1879, tendo migrado ainda jovem para o México, onde tornou-se militar, empreendendo missões no Chile, Peru e Amazônia. Praticou curandeirismo, adotando o pseudônimo de Mestre Huiracocha. Em 1895 estuda metodicamente o ocultismo e o gnosticismo, tomando contato com as obras de Madame Blavatsky, Louis Claude de Saint-Martin, Eliphas Levi e Gérard Encausse, em cujos cursos vem se inscrever em 1906, em Paris; aí passa a integrar a maçonaria e a estudar medicina. Por toda a América Latina funda lojas Rosacrucianas, inclusive no Brasil. Jiddu Krishnamurti, nascido na Índia em 1895, fora adotado na infância por Annie Besant, então presidente da Sociedade Teosófica. Ainda aí fora declarado Mestre do Mundo, cumprindo uma profecia existente no seio dos teósofos; com o fito de preparar o planeta para sua chegada, fundou-se a Ordem da Estrela do Oriente, e o pequeno indiano fora empossado seu líder. Décadas após, ele dissolve tal agremiação renunciando o papel que lhe fora imputado, restituindo os bens, as propriedades e o dinheiro que lhe haviam sido doados para desempenhar tal tarefa. Entretanto, pelos quase sessenta anos posteriores, peregrinou pelo mundo divulgando suas ideias acerca do autoconhecimento para uma mudança radical da humanidade, de certo modo desempenhando uma tarefa próxima a qual lhe houveram sujeitado. Curuppumullage Jinarajadasa, nasceu em 1875 no Sri-Lanka; foi aluno de Charles Leadbeater, que o tutelou quando retornou a Inglaterra, o que permitiu ao pequeno cingalês uma formação privilegiada; sua biografia registra um poliglota que além de dominar seu idioma de nascença, era proficiente em inglês, italiano, francês, havendo lecionado em espanhol e português quando esteve na América do Sul, ocasião em que teria fundado filiais da Sociedade Teosófica. Deixara mais de cinquenta livros e cerca de mil e seiscentos artigos; fora maçom e comaçom, além de haver sido o quarto presidente da Sociedade Teosófica.

Assinalado que tal tríade de ocultistas haja, em dado momento de suas vidas, visitado a América do Sul, não se duvida que, de fato, possam ter travado relação com o Comandante Edgard Armond, incidindo estes, decisivamente sobre seu pensamento. Ainda que tais contatos não hajam ocorrido factualmente, senão por meio de suas obras, atesta-se o influxo com certa facilidade, dada a fartura de dados sobejantes nos livros que compôs. Isto posto, compulsaremos alguns dentre estes, os mais afamados e significativos a fim de verificar a tese aqui defendida. Mas o volume pelo qual o autor é frequentemente rememorado, Os Exilados de Capela, deixaremos para tecer laudas com o ensejo propício e a gana adequada ao montante de labor exigido, bem como reservaremos a futuro artigo tratar da Reforma Íntima, uma invenção armondiana que, infelizmente, disseminou-se ao ponto de tornar-se o nirvana almejado a todo espírita; ninguém parece ter notado que uma reforma faz-se em obra acabada, ou próxima a isto - o Espírito humano encarnado na Terra está bastante distante de encontrar o potencial máximo manifesto por sua natureza, com o agravante de se especular para a tênue possibilidade de, um dia, encontrar termo o progresso espiritual. Mas aqui, já é questão para o futuro - por hora basta examinar alguns pontos aberrantes de suas mais célebres obras, e quão foram incisivas as ideias esotéricas e teosóficas sobre seu pensamento.

3. Passes e Radiações
Lançado em meados do século passado, foi amplamente adotado, em grande parte pela escassez de obras que tratavam da fluidoterapia - infelizmente impingiu aqueles que seguiram-lhe as lições o ridículo dos passes padronizados, um misto de técnicas outrora utilizadas pelos magnetizadores e mesmerizadores que precederam ao Espiritismo, associada a teoria hindú dos chacras. O desassossego advindo da observância ao gestual, cores e tempo, aliado ao suposto conhecimento de anatomia e fisiologia necessários a prática de tal metodologia obstaram que se conhecesse a teoria espírita acerca dos fluidos, e sua aplicação por meio dos passes. Vejamos alguns trechos significativos para o artigo presente, acompanhados de oportunos e necessários comentários:

Cada homem, cada ser vivo é um centro atrativo dessa força (magnetismo animal), uma usina capaz de proceder à sua captação, armazenamento e distribuição aos doentes, bastando para isso o desejo sincero e humilde de exercer esse dignificante sacerdócio de caridade evangélica, segundo os ensinamentos d'Aquele que por todos se sacrificou, para salvá-los.” - Introdução a 1º edição da Passes e Radiações (1950) _ bastasse apenas o desejo e todo homem bem intencionado curaria qual Jesus em sua melhor forma, decretando a falência dos sistemas de saúde do mundo, e o fim das profissões médicas e terapêuticas; é preciso mais para curar de modo proficiente; claro, exclusos aqui os médiuns curadores, os quais são objeto de estudo em O Livro dos Médiuns. No mais, o que se destaca é a sentença segundo a qual Jesus sacrificou-se para salvar a humanidade, demonstrando que as correntes de pensamento ocultistas as quais se expôs Armond possuem bases bem estabelecidas no cristianismo místico do medievo, em nada aparentado ao Espiritismo. Porém, que se note, a Doutrina dos Espíritos não concebe que Jesus haja se sacrificado para salvar quem quer que seja, seja lá de que perigos, questão a que mais abaixo será tangida em profundidade.

“(o corpo físico) É formado de matéria densa (energia condensada a vários graus), apresentando uma forma tangível, modelada sobre um arcabouço resistente e flexível rodeado, no etéreo, de uma aura característica, variável para cada indivíduo, visível no plano hiperfísico, e comumente limitada a uns poucos centímetros a partir da superfície do corpo.” - Primeira Parte Teórica 1 O Santuário do Espírito Encarnado _  toda a influência teosófica se registra nestas poucas linhas. O que ele aponta no trecho refere-se a atmosfera fluídica individual, que Allan Kardec apontou como a irradiação do perispírito? O arcabouço sobre o qual o corpo físico é modelado é o perispírito, este mesmo que no etéreo é rodeado por uma aura? E o que é o etéreo e o plano hiperfísico? O linguajar empregado é grotesco, maculando a feliz simplicidade do Espiritismo, levando confusão ao leitor. Mas, o que mais fere aos olhos do estudioso é a afirmação de a matéria constitutiva do corpo físico ser composta a partir de energia condensada - isto assim, irresponsavelmente enunciado, é contrário ao Espiritismo, pois não atesta o Elemento Material como princípio doutrinário; e repisa o erro de sempre, demonstrando não saber, também Armond, a diferença entre energia e matéria, de um ponto de vista exclusivamente espírita. Acerca do que a Física trata, buscaremos em futuro artigo abordar dada a necessidade da temática e da enorme confusão existente.

“(o Sistema Respiratório) Absorve da atmosfera não somente o oxigênio necessário, como também o fluido vital, que fornece ao organismo a indispensável energia.” - Primeira Parte Teórica 1 O Santuário do Espírito Encarnado _  afirmar que a absorção de fluido vital se dá por intermédio de um dos sistemas do corpo humano seria considerar a este tão físico quanto os gases componentes da atmosfera, o que não pode ser. O fluido vital não sendo mais que uma transformação do perispírito, e este do fluido cósmico universal, com ele interage por toda a extensão do ser, não mais pelos pés que através da cabeça. Nota-se contudo, no seguimento deste trecho, que o Comandante possui uma visão particular da constituição do perispírito, o que justifica sua asserção.

As glândulas hipófise e pineal são pontos sensíveis das intervenções espirituais na vida anímica do homem encarnado, sobretudo no desenvolvimento de suas faculdades psíquicas. A glândula pineal possui uma aura, uma concreção dourada em torno, que apresenta os setes matizes das cores básicas. Esta aura não existe na criança antes dos sete anos (normalmente), nem nos idosos com arteriosclerose intensa e nos deficientes mentais, o que prova que essa glândula esta ligada à vida mental dos homens. É o órgão principal da espiritualidade e da consciência das coisas tanto externas quanto internas.” - Primeira Parte Teórica 1 O Santuário do Espírito Encarnado _ e se perpetua o mito, porfiando a mediunidade incompreendida como o processo fisiológico que é, e não como um dom radicado num órgão; ou não será exatamente isto que afirma Armond aqui? Tal tese tem suas origens nas culturas do Oriente, ao gosto do autor, em que o terceiro olho, ou a terceira visão, identificada como a visão espiritual é imageticamente representada por um sacerdote com um olho do centro da fronte. Para o hinduísmo, uma das fontes da Teosofia, o terceiro olho é um Ajna, ou chacra localizado a altura da testa, estando ligado a intuição e a percepções sutis da consciência. Helena Blavatsky em seu livro A Doutrina Secreta, por exemplo, registra acerca da glândula pineal o seguinte: “Também chamada de Terceiro Olho. (...) É um órgão misterioso que, em outros tempos, desempenhou papel importantíssimo na economia humana. Durante a terceira Raça e no início da quarta, existiu o Terceiro Olho, órgão principal da espiritualidade no cérebro humano, local de gênio, o 'Sésamo' mágico, que, pronunciado pela mente purificada do místico, abre todas as vias da verdade para aquele que sabe usá-lo. Um Kalpa1 depois, devido ao gradual desaparecimento da espiritualidade e do aumento da materialidade humanas, substituída a natureza espiritual pela física, o Terceiro Olho foi se 'petrificando', atrofiando-se gradualmente, começou a perder suas faculdades e a visão espiritual tornou-se obscurecida. O 'Olho Divino' já não existe; está morto, deixou de funcionar. Porém, deixou atrás de si um testemunho de sua existência e este testemunho é a glândula pineal que, com os novos progressos da evolução, voltará a entrar em plena atividade.” - parece familiar quanto a tudo que o estudioso do Espiritismo veio encontrar acerca deste organelo fincado no cérebro? Pois esta similaridade não é uma coincidência fortuita. Apenas cinco anos antes, o Espírito pseudo-sábio André Luiz viera trazer Missionários da Luz ao mundo, tratando neste da glândula pineal por tais mesmos paradigmas; e pouco mais de cinco anos após Passes e Radiações, Lobsang Rampa encanta o mundo ao lançar A Terceira Visão - ao que parece, esta temática estava na moda em meados do século passado. Mas, que não se engane o aprendiz, pois a procedência é a mesma para todos, a ancestral cultura oriental dos vedas do hinduísmo. Ou seja, nada tem que ver com o Espiritismo.

O corpo físico não gera o fluido vital ou a força promotora da atividade orgânica, entretanto recebe-o dos centros de força do perispírito e absorve-o do meio em que vive por intermédio da pele, dos alimentos e da respiração. Em todos os casos o sistema nervoso é o veículo de recebimento dessas forças e, além de armazená-las em órgãos apropriados (plexos e centros de força), finalmente as distribui oportunamente a todos os órgãos internos, (...)” - Primeira Parte Teórica 1 O Santuário do Espírito Encarnado _ surge então, pela primeira vez a menção a plexos e centros de força. Novamente e uma vez mais, é atribuir uma materialidade ao perispírito que este não possui, proceder que fora já apontado de outros autores, especificamente do Espírito André Luiz que, outrossim, impôs um paradigma materialista ao corpo fluídico, conferindo a este um aspecto orgânico do qual é destituído. Plexos são entrelaçamentos de nervos do sistema nervoso periférico e autônomo, e para os aderentes, correspondem ao centros de força presentes no perispírito - uma total bobagem; não para Armond que, no início do capítulo seguinte emenda:

No perispírito, o sistema nervoso liga-se através dos plexos e gânglios, a uma série de centros de força, denominados chacras na literatura oriental, sobre os quais devemos aqui dizer mais algumas palavras, tendo em vista sua importância para o trabalho dos passes, apesar de não terem sido citados por Kardec na Codificação, por conveniência de programação.” - Primeira Parte Teórica 2 Centros de Força _ é interessante e desanimador testemunhar que certas informações surgem a partir das conveniências as mais oportunas; então Allan Kardec nada registrou nas obras da Codificação acerca dos chacras e dos centros de força por conveniência de programação? Ora, pois que o sr. Armond encontra-se na obrigação de provar tal afirmação; e mais, o dever de por a vista de todos esta programação, sim, pois tal afirmação apenas leva a concluir que o ex-militar conhece os desígnios misteriosos atribuídos aí aos Espíritos da Codificação. Para olhos treinados, as entrelinhas deixam entrever a verdade - afirma-se aqui que o Espiritismo é uma doutrina inconclusa, e sob tal farsa toda sorte de invencionices e interpolações são aceitas, buscando embasar todos os mais díspares autores e suas teses, ideias e conceitos. O restante do capítulo é uma salada tão indigesta que separar seus diversos elementos para exame resultaria em triplicar-lhe a extensão original, labor dispensado, uma vez que o nível de obscurantismo arremete a níveis abismais. Convém, todavia resumir o que se segue ao fato de o autor enumerar os chacras, classificá-los e explicar-lhes a ação - tudo eivado por um vocabulário abominável que transtorna em asco e resulta em esgotamento; tudo muito distante da limpidez da linguagem de Allan Kardec.

Armond não se entende com o uso equivocado do termo energia, repercutindo a cada passagem esse erro crasso que magoa os sentidos tanto quanto a inteligência. Em semelhante medida demonstra um profundo desconhecimento do fluido e das suas inumeráveis transformações, reiterando uma série de expedientes eminentemente materiais com o fim de manipulá-los - é o mesmo que afirmar que velas acesas atraem Espíritos; não são exercícios de respiração, ou qualquer dos sistemas ou órgãos do corpo físico que capacitarão alguém a manipular fluidos em benefício próprio, pois é o pensamento, a qualidade deste, que determinará a absorção de fluidos salutares, tanto ou mais em relação a eficácia que se almeja por meio da fluidoterapia. O capítulo 8 da obra, intitulado Estudo dos Fluidos é uma afronta ao Espiritismo, e evidencia os limites cognitivos de Armond. O restante da obra é uma tortura que o leitor busca antever o fim urgentemente - uma série de conceitos os mais estapafúrdios que, por certo, catalogam ideias absolutamente equivocadas acerca do fluido, hauridos de toda sorte de fontes pregressas dos mais diversos experimentadores e pesquisadores ao longo da história, o que poderia resultar numa coleção coesa e historiograficamente bem urdida. O que se encontra, no entanto, é uma espécie de almanaque místico de algum mago ou alquimista medieval. Não é apenas afrontoso que indivíduos que se afirmaram e afirmam espíritas hajam adotado tal caderno de insanidades para vir aplicar a fluidoterapia, é ainda patético que alguém haja seguido os caprichos do autor, que na qualidade de espírita é um eminente orientalista e teósofo.

Não resta dúvida, todavia, que Edgard Armond era cônscio do carisma e penetração de sua obra, ao que ele expressou na Introdução a 2º edição desta, tratando de sua repercussão: “(...); como também de disciplinar e unificar as práticas doutrinarias da Casa, sobretudo os passes, que o arbítrio desordenado e as infiltrações de correntes estranhas levavam muitas vezes ao ridículo, ao descrédito, atentando negativamente contra a seriedade e a eficiência científica deste precioso elemento auxiliar de reequilíbrio material e psíquico.

4. O Redentor
A começar pelo título da obra, o termo redentor refere-se a Jesus, e embora os espíritas possam lhe atribuir significados próprios, a acepção original afirma este como o salvador da humanidade, o que veio sacrificar-se para a todos salvar. Aí o termo já não pode ser aceito diante da Doutrina dos Espíritos, afinal algo apenas pode ser salvo diante de uma potencial perda - ora, o Espiritismo não aceitando um modelo cósmico senão progressivo para o Espírito, não há como sustentar o conceito da perdição presente no cristianismo. Nenhum Espírito perdendo-se, nenhuma salvação se faz necessária, menos ainda que alguém venha purgar os pecados da humanidade como um cordeiro em holocausto. Esta parece ser uma escolha para título que reflete a visão pessoal de Armond acerca do papel de Jesus, como pudemos constatar anteriormente, na diminuta passagem da introdução de seu livro Passes e Radiações. A este ele vem afirmar, na introdução de O Redentor:

A tarefa messiânica era sanear a Terra de suas iniquidades, oferecer a humanidade diretrizes espirituais mais perfeitas, definitivas, redimir os homens e encaminhá-los para Seu reino divino de luzes e de amor e foi cumprida em todos os sentidos, (...)” _ para o Espiritismo, todavia, a missão de Jesus era mais prosaica, e se a sua mensagem ganhou o mundo deveu-se a uma série de fatores alheios a sua performance, ou mesmo a sua vontade; mas não seria de supor que ele desconhecesse o que resultaria sua passagem pelos encarnados àquele tempo, a tanto que afiançou o surgimento do Espiritismo (o consolador prometido). Tratando em O Evangelho Segundo o Espiritismo de situar o leitor quanto a alguns caracteres do tempo de Jesus, Allan Kardec trata dos Fariseus, e acerca destes frente a Jesus concluiu:

Jesus, que prezava, sobretudo, a simplicidade e as qualidades da alma, que, na lei, preferia o espírito que vivifica à letra que mata, se aplicou durante toda a sua missão, a lhes desmascarar a hipocrisia, pelo que tinha neles encaniçados inimigos. Essa a razão por que se ligaram aos príncipes dos sacerdotes para amotinar contra Ele o povo e eliminá-lo.” _ ao lado dos Saduceus, os Fariseus constituíam uma poderosa força materialista no seio do povo hebreu, e contra eles Jesus teve os mais marcantes embates registrados nas páginas dos Evangelhos. Em mensagem recebida espontaneamente em sede da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas a 2 de fevereiro de 1868, sem que Allan Kardec lhe tenha composto qualquer ressalva ou complemento, um Espírito resumiu a questão assim: “Moisés é o tempo passado; o Cristo, o tempo presente; o Messias a vir, que é o amanhã, ainda não apareceu... Moisés tinha que combater a idolatria; o Cristo, os fariseus; o Messias a vir terá também os seus adversários: a incredulidade, o cepticismo, o materialismo, o ateísmo e todos os vícios que acabrunham o gênero humano...” _ ora, como se constata, sua missão era o enfrentamento aberto às ideias contrárias ao espiritualismo que àquele tempo contaminavam o povo da Palestina. Não há cousa alguma, sequer meramente análogo a fazer de si uma metáfora viva do holocausto empreendido pelas gentes no Templo de Jerusalém; menos ainda que ele buscasse a cada palavra dita e ação empreendida tanger a totalidade dos homens de todos os tempos, embora, é preciso ressaltar, ele certamente tinha plena presciência do seu legado. Imaginar que apenas, e tão somente por meio de Jesus se alcançará um progresso de monta é desprezar que suas lições já não se encontrem presentes num sem número de culturas e correntes filosóficas e religiosas pelos povos da Terra. A defesa de tais ideias em O Redentor apenas revela os pendores íntimos do autor, mesmo que para tanto sustente algo contrário a Doutrina dos Espíritos. Acerca disto, a propósito, tem-se curiosa passagem ainda neste seguimento da obra, que vale um exame:

E se nos voltarmos para as obras de caráter mediúnico, da mesma forma encontraremos inúmeras divergências, de forma e de fundo, que não levam a maiores certezas. Têm-se, então, a impressão de que ainda não chegou a época de ser o assunto esclarecido pelos Instrutores Espirituais que, conquanto se mostrem muitas vezes até mesmo prolixos na exposição de assuntos doutrinários ou filosóficos, não trazem maiores esclarecimentos a respeito da parte histórica da vida do Divino Messias.” _ ao que, mais adiante, na lista de obras que afirma haver consultado para compor seu livro, registra sucintamente 'diversas obras mediúnicas'. Ora, inicialmente, não será por intermédio dos Espíritos que caberá preencher as lacunas quanto aos aspectos historiográficos da vida de Jesus de Nazaré, ou de qualquer figura ou acontecimento passado; os que assim almejam se expõem as narrativas disparatadas de Espíritos enganadores e pseudo-sábios. Em seguimento, é necessário se questionar se, diante das divergências das obras mediúnicas, que critérios Edgard Armond utilizou na escolha daquelas que consultou para a composição do texto. Convenientemente ele os sonega ao leitor, cabendo a este a confiança cega em sua metodologia, seja qual for. Não é uma atitude muito espírita insuflar tal juízo ao legente.

Edgard Armond dedica todo um capítulo a tratar da seita dos Essênios, e em apenas um único trecho comete dois equívocos frente a Codificação: “É sabido que João Batista era essênio, como essênio eram José de Arimatéia, Nicodemo, a família de Jesus e inúmeros outros que na vida do Mestre desempenharam papéis relevantes, como também o próprio Jesus que conviveu com essa seita, frequentando assiduamente seus mosteiros, enterrados nas montanhas palestinas, onde sempre encontrava ambiente espiritualizado e puro, apto a lhe fornecer as energias de que carecia nos primeiros tempos da preparação para o desempenho de sua transcendente missão.” - já Allan Kardec vem esclarecer em O Evangelho Segundo o Espiritismo acerca dos essênios: “Pelo gênero de vida que levavam, assemelhavam-se muito aos primeiros cristãos, e os princípios da moral que professavam induziram muitas pessoas a supor que Jesus, antes de dar começo à sua missão pública, lhes pertencera à comunidade. É certo que ele há de tê-la conhecido, mas nada prova que se lhe houvesse filiado, sendo, pois, hipotético tudo quanto a esse respeito se escreveu” _ e se escreveria. Afirmando que as pessoas em derredor de Jesus eram essênios, o Comandante cai em outra falha; o mestre lionês vem em socorro: “Pelo que concerne a seus irmãos, sabe-se que não o estimavam. Espíritos pouco adiantados, não lhe compreendiam a missão: tinham por excêntrico o seu proceder e seus ensinamentos não os tocavam, tanto que nenhum deles o seguiu como discípulo. Dir-se-ia mesmo que partilhavam, até certo ponto, das prevenções de seus inimigos. O que é fato, em suma, é que o acolhiam mais como um estranho do que como um irmão, quando aparecia à família. João diz, positivamente (7:5), 'que eles não lhe davam crédito'. Quanto à sua mãe, ninguém ousaria contestar a ternura que lhe dedicava. Deve-se, entretanto, convir igualmente em que também ela não fazia ideia muito exata da missão do filho, pois não se vê que lhe tenha seguido os ensinos, nem dado testemunho dele, como fez João Batista.

Dentre os livros que Edgard Armond indica como bibliografia utilizada para a composição de O Redentor, nenhum deles é espírita, nenhum deles compõe as Obras Básicas ou qualquer outro dentre os escritos de Allan Kardec - eis pois, porque resulta seu tomo num equívoco, dos quais qualquer leitor de ânimo há de extrair outras tantas passagens inexatas, hipotéticas e anômalas. Talvez, a que mais clame seja sua defesa da existência de um Cristo Planetário. No capitulo 17 da obra, que trata do batismo de Jesus por João Baptista, Armond explica: “Seja como for, percebe-se que Jesus, naquele instante - o Filho do Homem, isto é, o que evoluíra pelas encarnações humanas, o Governador Planetário, em perfeita sintonia com o Cristo Planetário - reintegrou-se em todo o poder do Espírito Crístico, da esfera dos Amadores, tornando-se integralmente apto para a realização de sua sacrificial tarefa na Terra.” _ preciso é esclarecer que a Teosofia e outras tantas correntes das práticas ocultistas possuem uma intrincada, para não dizer hermética, base teórica que considera uma hierarquia de comando cósmica extremamente complexa. Disto nasce a ideia de uma 'faixa crística' onde, supostamente se localizariam os Cristos, que respondem a Cristos Planetários, agentes inteligentes enviados diretamente de Deus, que responderiam pela criação de universos. O interessante é notar a ideia presente, por exemplo, em A Doutrina Secreta, de Blavatsky, onde ela expressa o seguinte em dada passagem: “Chame-o por qualquer nome, mas deixe apenas que os infelizes cristãos saibam que o verdadeiro Cristo de todo cristão é Vach, a 'Voz mística', enquanto o homem Jeshu foi apenas um mortal como qualquer um de nós, um adepto mais por sua pureza inerente e sua ignorância do verdadeiro Mal que pelo que ele tenha aprendido com seus Rabinos iniciados e os Hierofantes e sacerdotes egípcios, já (àquela época) em rápida degeneração.” _ nem queira entender o leitor, porque isto é Teosofia, e não Espiritismo. Esta ideia do Cristo Planetário, alias, está também presente na obra do Espírito pseudo-sábio Ramatis, que teve por primeiro médium Hercílio Maes, que até a publicação e repercussão positiva de seus livros se dizia teósofo.

No capítulo 4 intitulado Controvérsias Doutrinárias, o autor tece considerações a vários temas, dentre os quais a natureza do corpo de Jesus; para tanto, erige uma série de perguntas e respostas, das quais se destaca uma em particular: “P_Mas como, sendo de carne comum, poderia desmaterializar-se, como fez várias vezes e de forma tão natural e perfeita, como consta dos Evangelhos? R_Porque tinha um corpo de carne, sem dúvida, porém de consistência diferente, de densidade muito menor, de matéria mais pura, de vibração mais alta, adequada a conter um Espírito de Sua elevada hierarquia; corpo, a seu turno, gerado por um vaso físico devidamente preparado e selecionado anteriormente ao nascimento, de vibração e pureza que comportasse Sua permanência em nosso plano grosseiro e impuro.” _ não é afirmar o mesmo que Roustaing, por outras palavras? E incide em novo erro, proclamando a superioridade mariana, expressa na pureza da matéria que comporia seu corpo físico. Acima já transcreveu-se passagem de O Evangelho Segundo o Espiritismo acerca do proceder de Maria a denunciar-lhe o progresso espiritual, não tão excelso quanto pintam alguns espíritas que não abandonaram o ranço católico.

A narrativa de Armond é hábil em buscar subterfúgios para não adentrar completamente nem as palavras, tampouco as ações de Jesus, tendo as primeiras sido tratadas em O Evangelho Segundo o Espiritismo, e as últimas em A Gênese. Mas, ocasionalmente se lhe escapa ao escrutínio da revisão um ou outro ponto que o expõe; por exemplo, no capítulo 27, sob o título Outros Lugares, o leitor encontra: “Diz o Evangelho que efetuou também muitos 'milagres' (...) e duas multiplicações de pães, que o Espiritismo também pode explicar como condensações fluídicas, multiplicadas em cadeia, o que, para o Divino Mestre, seria possibilidade natural.” _ Em A Gênese, Allan Kardec desfere o correto ensinamento acerca de tal passagem evangélica, erroneamente interpretada ao longo dos séculos: “O prodígio, no caso, está no ascendente da palavra de Jesus, poderosa bastante para cativar a atenção de uma multidão imensa, ao ponto de fazê-la esquecer-se de comer. Esse poder moral comprova a superioridade de Jesus, muito mais do que o fato puramente material da multiplicação dos pães, que tem de ser considerada como alegoria.” _ Edgard Armond não leu A Gênese? Recomenda-se a atitude correta para compreender-se os milagres de Jesus, ao que convidamos os leitores a não proceder como o ex-militar, e ir por olhos sobre as obras da Codificação; além, claro, de empreender pelos próprios esforços um mais atento exame da presente obra, com a certeza de que novos deslizes surgirão.

5. Mediunidade
A exemplo de Passes e Radiações, esta obra de mote instrucional descortina-se em real sevicia ao estudioso do Espiritismo. O tortuoso emprego de linguagem alheia aquela trazida pelos Espíritos da Codificação e adotada por Allan Kardec, torna a leitura um enigma a que nenhum dicionário dará solução. Além, obviamente, do emprego dos termos equivocados de sempre - carma, incorporação, energia, desdobramento, etc. Mas, o crème de la crème são sempre as divergências das teses, ideias e conceitos presentes na obra frente a Doutrina dos Espíritos. Exemplos são abundantes:

A mediunidade é pois um fenômeno natural e se realiza em todos os graus da hierarquia da criação, numa escala que vai do verme aos anjos, tudo e todos reciprocamente se manifestando e dando testemunho de si mesmos. Assim, Jesus Cristo foi, inegavelmente, o médium de Deus junto aos homens, manifestando, transmitindo e realizando suas vontades divinas.” _ a mediunidade se dá em todos os graus da hierarquia da Criação? Vermes têm mediunidade? É o que preceitua este trecho, ou seria conclusão apriorística? Porventura se tratasse de outro autor, poder-se-ia traduzi-lo como metáfora ou símbolo, mas é o Comandante quem compõe tais frases. Desprovido, no entanto, de qualquer possibilidade de interpretação é a afirmação acerca de Jesus; quanto a isto, encontra-se em A Gênese as seguintes passagens acerca do tema: “(...) o médium é um intermediário, um instrumento de que se servem os Espíritos desencarnados e o Cristo não precisava de assistência, pois que era ele quem assistia os outros. Agia por si mesmo, em virtude do seu poder pessoal (...) Que Espírito, ao demais, ousaria insuflar-lhe seus próprios pensamentos e encarregá-lo de os transmitir? Se algum influxo estranho recebia, esse só de Deus lhe poderia vir. Segundo definição dada por um Espírito, ele era médium de Deus” _ antes que imaginar Edgard Armond havendo de harmonizar-se a algo presente nas Obras Básicas, é preciso atentar para o fato de que Allan Kardec faz notar que apenas um Espírito assim definiu Jesus, cuja mediunidade é suposta e tratada como hipotética, bastando ao leitor constatar o tempo do verbo usado pelo mestre lionês; aqui sim se pode registrar positivamente por uma expressão alegórica, jamais literal.

A muitos, entretanto, ainda que atrasados em sua evolução e moralmente incapazes, são concedidas faculdades psíquicas como graça. Não as conquistaram, mas receberam-nas de empréstimo, por antecipação, numa posse precária que fica dependendo do modo como forem utilizadas, da forma pela qual o indivíduo cumprir a tarefa cujo compromisso assumiu, nos planos espirituais ao recebê-la. A isso denominamos mediunidade de prova.” _ há todo um capítulo dedicado a esta aberração, do qual não se afirma que uma só linha de seu conteúdo concorde aos postulados da Doutrina dos Espíritos; mas, fica ao arbítrio do leitor apreciar tal anômalo opúsculo. A mediunidade, como fizemos notar em artigo passado, é um atributo humano como a fala e, como tal, seu sinônimo mais perfeito é comunicabilidade; mas a exemplo de Emmanuel, que deturpando a mediunidade viu em tal característica um castigo, Edgard Armond lança doutrina própria a tratar deste ponto fundamental do Espiritismo, mesmo que para tanto venha adulterá-lo.

As quedas são mais comuns nos degraus inferiores da escada evolutiva e tanto mais dolorosas e profundas se tornam quanto maior for o cabedal próprio de conhecimentos espirituais adquiridos pelo Espírito. 'Estado de evolução' e 'estado de queda' são duas condições de caráter geral, em que se encontram os Espíritos nas fases inferiores da ascese. Essas são as condições que dominam no umbral que, como sabemos, é uma esfera de vida purgatorial, bem como nos planos que lhe são, até certo ponto, e de um certo modo, imediatamente acima. Quando porém as quedas se acentuam devido a reincidências de transgressões, elas levam os culposos às Trevas, esfera mais profunda, de provas mais acerbas, situada abaixo da Crosta.” _ Edgard Armod oferece sempre um espetáculo soberbo de falhas, equívocos e conceitos clara e frontalmente opostos aos princípios do Espiritismo. Aqui, neste trecho em particular, ele prega a involução, que chama espertamente de queda. E vai além, remetendo o leitor diretamente as obras mais controversas de André Luiz, aquelas mesmas que couberam a Rafael Ranieri registrar. Certamente o livro O Abismo causou pungente impressão em Armond, a tal ponto de fazê-lo compor esta pérola de ignorância espiritual.

(...) o espírito que fala transmite a palavra ou o som e as ondas sonoras não atravessam a cortina fluídica de proteção que separa o perispírito do corpo denso, permanecendo no campo das atividades do perispírito; tais impressões não são transmitidas aos órgãos dos sentidos físicos e, por isso, é que o médium tem a impressão de que ouve dentro do cérebro. (...)” _ cortina fluídica de proteção que separa o perispírito do corpo denso? Mas que obscenidade é esta? Pior é alegar que o Espírito ao falar move o ar como quando encarnado podia fazê-lo! É um completo desconhecimento da natureza perispiritual, do fluido e da mediunidade. Não leu o Comandante o Ensaio Teórico da Sensação nos Espíritos? O Livro dos Médiuns? É de tal natureza complexa a torção que ele compôs aqui que se torna difícil alcançar positivas conclusões acerca do que quis afirmar; pode-se concluir aí pela defesa da existência de um perispírito orgânico? Sim. Mas ora, se o som é impedido por esta suposta barreira de alcançar os órgãos do corpo, como pode ser percebido? Nada disso parece fazer nenhum sentido, sob quaisquer modos de entendimento aplicado a tal trecho.

Ballonnement. Adotamos esta expressão francesa para indicar a sensação de dilatação, estufamento, inchamento de mãos, pés e rosto do médium, que muitas vezes ocorre antes do transe. É ainda efeito da exteriorização, do deslocamento do perispírito do médium dentro do arcabouço físico para ceder lugar, parcial ou totalmente, ao Espírito comunicante.” _ Incorporação? Bem o sabe o estudioso que o Espírito não toma o corpo, como se este lhe pudesse conter em seu imo. Mas, nada sabendo acerca disto Edgard Armond, ele ainda foi capaz de compor um capítulo inteiro acerca da incorporação. Lamentavelmente.

Como os animais vivem ao mesmo tempo no astral e no plano material denso, a visão e a audição captam impressões desses dois planos: ouvem e veem com facilidade nos dois planos, os seres encarnados e desencarnados.” _ há todo um seguimento na obra acerca deste absurdo, do qual já deitamos esforços em elucidar em artigo aqui publicano em 14 de agosto do ano passado. Embora positivamente os sentidos dos animais, mais sensíveis que os humanos, percebam a presença de certos Espíritos que, conscientemente ou não, fazem uso do fluido de algum médium próximo para serem percebidos ostensivamente pelos primeiros, tais fenômenos não são mediúnicos. Menos ainda se pode conceber um médium ganindo ou rosnando. Reiteramos a leitura do artigo supracitado.

E há ainda um sem número de passagens em que Armond chama a mediunidade sonambúlica de desdobramento, não compreendendo cousa alguma dos processos sucedidos aí. É mais um soberbo festival em que o leitor se vê depauperado pelo esforço de atravessar tais linhas, página após outra em busca de algo que faça sentido, em busca de algo que minimamente o faça recordar das Obras Básicas em toda sua clareza e coerência, em vão.

6. Conclusão
E por tais absurdos vaga Edgard Armond, haurindo das leituras de quando jovem as impressões mais pungentes acerca da mediunidade, e de outros princípios eles também presentes na Doutrina dos Espíritos - mas, nem por um instante se engane o desavisado, o aprendiz ou o estudioso, pois que de tais princípios pouco compreendia, ou compreendia justamente segundo a literatura teosófica e oriental de seus tempos de moço. Leitura esta que soergueu as bases de seu pensamento, e dos quais, suspeita-se, não haja empreendido forças para os revisitar frente a um conhecimento de outra natureza, qual seja o Espiritismo. Mais perigoso que um Espírito pseudo-sábio que busca impor suas ideias e sistemas, tendo na figura do médium um intermediário que lhe pode escudar e a quem pode fascinar, mas ainda assim traduzir incorretamente seu pensamento, os autores encarnados mais livremente espargem suas doutrinas; e ainda que tanjam nas mesmas bases do Espiritismo, estas nenhum parentesco podem lhe guardar, e frequentemente é o que se observa.

Hinduísmo, budismo e outras culturas e religiões orientais assinalam, por exemplo, a existência da reencarnação, mas tem seus sistemas próprios para a explicá-la, compreende-la, o que, pela simples comparação se infere que sonegam informes que a Doutrina dos Espíritos possui; quando não, aliam a estas crendices, superstições e toda sorte de especulações que a razão e a lógica recusam, indo por caminho contrário ao Espiritismo. Judiciosamente pois é que o Espiritismo tem sua singularidade, que pede e merece respeito tanto quanto qualquer outra corrente de pensamento ou doutrina que trate das mesmas questões por si abordadas.

O ocultismo, a teosofia e o esoterismo tem lugar nas mentalidades que lhes são afins, e não há o que condenar os que por tais vertentes de pensamento escolheram aventurar-se - não se pode, contudo, avançar os limites que lhes são próprios. A objeção se faz a alguns indivíduos, dotados de carisma, voz de comando e ascendência psicológica sobre os demais que, na consideração de tudo conhecer, urdem na efervescência do ego sistemas doutrinários personalíssimos, espargindo-os sob o balsão do labor fervoroso em nome de uma religião, de uma doutrina econômica, científica, política ou filosófica. Não impõe ressalvas inutilmente quem toma com apreensão tais personagens, e a eles impõe todos os entraves a confiança. Vigiai e orai, prescreve Mateus; vigiemos portanto.
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1_Kalpa é o equivalente a 14 Manvantaras, o que é um ano de Manu, ser surgido de Brahma, o Criador, e responsável pela criação da humanidade, isto segundo o hinduísmo. Para a Teosofia, o Kalpa é a somatória de tempo universal para os mundos possuidores de vida, o que equivale, na contagem de tempo terrena, a 4.320.000.000 de anos. Na lógica da obra de Blavatsky, portanto, a espécie humana teria surgido muito antes deste tempo, o que não corresponde a realidade geológica e biológica do planeta; mas este detalhe científico é o tipo de conhecimento tomado como incorreto ou passível de relativização por ocultistas, esotéricos e teósofos, procedimento muito comum, ainda, dentre os autores que compõem obras sob o epíteto de Espiritismo. Acautelemo-nos diante destes.

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