José Herculano Pires avança
posteridade adentro no qualitativo de modelo de fidelidade doutrinária
espírita, reportado defensor da Doutrina dos Espíritos e outorgado por
Emmanuel, o obsessor de Chico Xavier, como 'o metro que melhor mediu Kardec'.
Obviamente que, parte significativa do enaltecimento a sua memória e trabalho é
judiciosa, mas nem mesmo o avultado, por maiores sejam seu talento literário e
sagacidade mental, deve padecer de aceitação passiva – sua obra merece e deve
ser revisitada, examinada, criticada, racionalizada. Sem que o proceder seja
permitido neste espaço e tempo, há que chamar a atenção, todavia, para o que é
conhecido por alguns como a fase mais desairosa de um intelecto privilegiado –
a fusão de sua obra a de Chico Xavier; deste período em que se achegou ao
médium de Pedro Leopoldo, quando aposentou momentaneamente o espírito crítico
pelo qual é sempre lembrado. Uma das obras deste ciclo é O Infinito e o
Finito, onde o jornalista e filósofo atreve escrever o seguinte:
“Muitas pessoas encontram
dificuldades em aceitar as descrições da vida de além-túmulo, dos livros de
André Luiz, psicografados por Chico Xavier. Mesmo entre os espíritas, já
habituados a tratar dos problemas do 'outro lado da vida', essas descrições encontraram
no princípio, e ainda hoje encontram, certa relutância. (…) No tocante às
revelações mediúnicas, as descrições de André Luiz não constituem novidade, a
não ser quanto ao que trazem de pessoal, da maneira de ver do autor. Já em O
Céu e o Inferno, Kardec apresenta descrições semelhantes. Na Revue Spirite, o
codificador publicou numerosos relatos de além-túmulo no mesmo sentido.”
Para quem no livro Vampirismo
chamou André Luiz de neófito empolgado que às vezes emprega em suas
obras termos que destoam da terminologia doutrinária e conceitos que nem
sempre se ajustam aos princípios espíritas, José Herculano Pires
sofreu uma metamorfose digna de nota, sujeitando-se as figuras nefastas do
Espírito pseudo-sábio André Luiz e do obsessor Emmanuel. É de se especular do
poder da docilidade servil e da humildade mística de Chico Xavier para haverem
dobrado o caráter, até então, considerado rijo do jornalista. Ou, como presumem
observadores outros, houvera sempre um desejo velado de José Herculano Pires
pela ascensão e reconhecimento como escritor, algo que talvez não haja ocorrido
na medida de suas expectativas - mal algum faria, portanto, estar atado a um
best-seller da categoria do matuto mineiro; ao que, para este, outrossim, não
constituiria senão a vantagem de aderir a si a respeitabilidade outorgada ao
primeiro graças a reputação de fiel servidor do Espiritismo. Sejam por estas ou
outras razões, José Herculano Pires encerra em si a contradição por haver
deferido uma obra claramente pseudo-sábia, enquanto a figura de Chico subsiste
menos arranhada, ainda que seja o responsável passivo pelos livros destes.
Embora uma pesquisa superficial
revele estes fatos biográficos e bibliográficos de José Herculano Pires, alguns
autores ou entusiastas das ideias de André Luiz e que tais porfiam na idolatria
da personalidade, tomando por irrecusáveis as ideias deste, e de outros mais;
assim opera o autor Paulo Neto em sua obra As Colônias Espirituais e a
Codificação. Este tomo foi detidamente compulsado nas pesquisas que levaram
a composição de rica obra acerca da deturpação da erraticidade empreendida pela
ideologia das Colônias Espirituais, de autoria nossa, que um dia será dado a
publicação. Até lá, este livro de Paulo Neto constitui material interessante,
posto que, apanhando da tradicional autoridade dada a José Herculano Pires, ele
busca embasar sua defesa de uma erraticidade materialista. E, a exemplo deste,
o autor também buscou nas Obras Básicas do Espiritismo o que não está lá; assim
escreve ele:
“O que é mais importante na
obra O Céu e o Inferno vem agora. Trata-se de uma mensagem assinada pela
Condessa Paula, classificada por Kardec entre os Espíritos felizes. Depois de
destacar as qualidades morais da Condessa, informando que ela havia falecido
aos 36 anos de idade, no ano de 1851, que 'um de seus parentes evocou-a doze
anos depois de falecida, e obteve, em resposta a diversas perguntas, a seguinte
comunicação.”
Procede em seguida a
transcrever todo o referido e volumoso fragmento de O Céu e o Inferno, o
que não se fará aqui senão em parte, ao que conclui nos seguintes termos:
“Fizemos questão de
transcrever tudo, porquanto, além das 'moradias aéreas', a Condessa informa
outras particularidades da vida espiritual. Aqui, então, podemos afirma com
segurança, que na Codificação tem, sim, aquilo que alguns confrades querem
combater como se não fosse doutrinário.”
Quando José Herculano Pires
atesta que em O Céu e o Inferno há descrições semelhantes àquela das
obras do Espírito André Luiz, não é possível saber a que se refere, uma vez que
examinada a obra da Allan Kardec não é possível encontrar cousa algum análoga
as Colônias Espirituais; o detalhe aqui é que o jornalista empreendeu esforços
para lançar sua própria tradução das Obras Básicas, além da Revista Espírita –
para Paulo Neto, contudo, a resposta a esta referência é a Condessa Paula. Um
trecho em particular da mensagem de tal nobiliárquico Espírito necessita ser
transcrito:
“Tendes razão, amigo, em
pensar que sou feliz. Assim é, efetivamente, e mais ainda do que a linguagem
pode exprimir, conquanto longe do seu último grau. Mas eu estive na Terra entre
os felizes, pois não me lembro de haver aí experimentado um só desgosto real.
Juventude, homenagens, saúde, fortuna, tudo o que entre vós outros constitui felicidade
eu possuía! O que é, no entanto, essa felicidade comparada à que desfruto aqui?
Esplêndidas festas terrenas em que se ostentam os mais ricos paramentos, o que
são elas comparadas a estas assembleias de Espíritos resplendentes de brilho
que as vossas vistas não suportariam, brilho que é o apanágio da sua pureza? Os
vossos palácios de dourados salões, que são eles comparados a estas moradas
aéreas, vastas regiões do Espaço matizadas de cores que obumbrariam o
arco-íris? Os vossos passeios, a contados passos, a que se reduzem, comparados
aos percursos da imensidade, mais céleres que o raio?”
Em diversas comunicações
registradas e catalogadas por Allan Kardec, seja em O Céu e o Inferno,
seja nas milhares de páginas dos doze volumes da Revista Espírita, o
professor lionês, quando ante um Espírito que, a exemplo da Condessa Paula
possui progresso tal que o relaciona aos Espíritos de escol, sempre
prodigalizou indagar da condição e destino deste – e sempre um mundo de maior
progresso é aludido, seja por este seja por aquele. Júpiter mesmo é apontado
amiúde por Allan Kardec, como exemplo de mundo superior, para onde vão os
Espíritos de maior progresso. Segundo parece, a questão aqui é simplesmente de
saber interpretar o que está escrito – a Condessa Paula descreve, por meio de
analogias, ou seja, concebendo uma relação de semelhança entre cousas ou fatos
distintos, tudo quanto sente e vê, o seu estado enfim. Não se escusa um certo
lirismo próprio do Espirito, de fato, mas não se arrolaria tal mensagem ao ordinário
da literatura mediúnica própria das obras que defendem as Colônias Espirituais.
Quando ela questiona que 'os vossos palácios de dourados salões, que são
eles comparados a estas moradas aéreas, vastas regiões do Espaço matizadas de
cores que obumbrariam o arco-íris?', ela cria uma correspondência entre o
local em que está e aqueles próprios da Terra; mas, porque concluir
forçosamente tratar-se de uma Colônia Espiritual, ou algo de mesma natureza,
posto que a equivalência maior está para com as moradias aéreas existentes em
Júpiter? A mesma pareidolia se verifica quanto a mensagem encontrada em O
Evangelho Segundo o Espiritismo, em seu capítulo XI, item 11, intitulada O
Egoísmo, assinada apenas por Emmanuel – grande número de 'espíritas'
credita a mesma ao obsessor de Chico Xavier, quando em realidade é de autoria
de Emmanuel Swedemborg, este sim Espírito presente desde o princípio na
Codificação do Espiritismo.
Contudo, uma observação atenta
atesta que o nobre Espírito apanha de uma referência conhecida ao seu
interlocutor, qual seja um palácio como exemplo de moradia suntuosa e de
grandes dimensões, para buscar revelar o local onde erra, ou seja, um espaço
multicolorido de enorme extensão – mas, o restante de sua mensagem dá a chave
para se compreender o destino da jovem fidalga doze anos após seu decesso;
assim ela expressa-se:
“As ocupações, posto que
isentas de fadiga, revestem-se de perspectivas e emoções variáveis e
incessantes, pelos mil incidentes que se lhes filiam. Tem cada qual sua missão
a cumprir, seus protegidos a velar, amigos terrenos a visitar, mecanismos da
natureza a dirigir, almas sofredoras a consolar; e é o vaivém, não de uma rua a
outra, porém, de um a outro mundo; reunimo-nos, separamo-nos para novamente nos
juntarmos; e, reunidos em certo ponto, comunicamo-nos o trabalho realizado,
felicitando-nos pelos êxitos obtidos; ajustamo-nos, mutuamente nos assistimos
nos casos difíceis. Finalmente, asseguro-vos que ninguém tem tempo para
enfadar-se, por um segundo que seja.”
Eis a descrição de um Espírito
feliz a errar pela eternidade - 'é o vaivém, não de uma rua a outra, porém,
de um a outro mundo'. Não é de subtrair a ideia que faz das Colônias
Espirituais cidades que, como tal, possuem seus logradouros, avenidas e ruelas;
a Condessa Paula já não mais caminha por tais paragens terrestres, pois o
pensamento a leva percorrer os mundos do firmamento infinito, com a intimidade
e a familiaridade de quem atravessa os cômodos da própria residência. É a paga
pelo progresso alcançado – um universo sem portas, cuja vastidão é convidativa
e a acolhida é a de Deus por intermédio dos Espíritos familiares. Em ensaios
previamente postados aqui, estas questões já foram tangidas e repisadas, para
que não falte ao leitor subsídios para compreender a erraticidade qual
prescrita pelo Espiritismo; nestes tempos revisionistas, é sempre necessário
manter a vigília para que o erro não persista, para que a Doutrina dos
Espíritos não seja conspurcada pela ação de autores como Paulo Neto e José
Herculano Pires. Qual sejam suas motivações, as consequências de suas obras
apenas diminuem o Espiritismo, eivando seus fundamentos com ideias aberrantes
que, no âmago, constituem a expressão de um materialismo oriundo dos atavismos
de eras ancestrais.
O Cosmo é muito maior do que
pregam os autores aqui abordados, e a Condessa Paula vem dar seu contributo ao
Espiritismo para expô-lo em toda sua beleza e magnitude.
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A nobre ao lado é Caroline Esterházy, Condessa de Galántha, amiga e musa do compositor Franz Schubert; nascida em Pressburg, outrora Reino da Hungria, atual Bratislava na Eslováquia, morreu em 1851, a exemplo da Condessa Paula, cuja identidade prossegue uma completa incógnita, apesar dos esforços empreendidos para descobrir a mulher por trás da mensagem. Certamente que sua identidade fora resguardada por Allan Kardec, ainda que por razões que nos escapam. Caroline aqui está para ilustrar como poderia parecer-se a Condessa Paula, com as vestimentas e o penteado próprios da primeira metade do século XIX. Cremos que, por haver sido nobre e abastada, a Condessa Paula possua registros relativamente precisos de sua passagem pela Terra, e até mesmo algum retrato pintado n'algum museu ou parede da residência de algum descendente, o que chama à pesquisa.
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