Detratores. No passado quanto no
presente cabe ao espírita defrontar com estes, investidos sempre dos mesmos
argumentos e da mesma presunção – nos dias que correm, contudo, a singularidade
dos tempos pelos quais avança a nação brasileira, eventualmente, pode trazer
alguma novidade. Velhas fórmulas e velhos sistemas não têm funcionado mais para
certo extrato social – as disciplinas do conhecimento humano são complexas e o
tempo para estudá-las é escasso; o sacerdote já não vem ao encontro de uma
maturação de alma que pede mais, mas prossegue com o empenho minguado de
sempre. Em meio a polarização política e ideológica, os discursos se perdem no
vazio do óbvio, numa guerra inane entre o politicamente correto e o incorreto –
mas os tempos repudiam a isenção, pedem, exigem a tomada de posição, seja ela
qual for. Os líderes da nova vanguarda do pensamento usurpam a importância
clerical e falam dos púlpitos da nação a um rebanho cujos indivíduos se creem
mais inteligentes que seus pares. Em um país de analfabetos funcionais este é o
novo êxtase religioso. No grande mercado midiático o sujeito deve escolher seu
líder, seu oráculo, seu guru, aquele a cujas palavras dará eco – Mário Sergio
Cortela, Clóvis de Barros Filho, Augusto Cury, Leandro Karnal, Luiz Felipe
Pondé, Olavo de Carvalho, Marco Antonio Villa ou qualquer outro dentro deste
espectro.
Luiz Felipe Pondé é o filósofo do
politicamente incorreto, da crítica ao simulacro da inteligência e bondade,
desta grande máscara social que todos buscam vestir, da grande demagogia do
homem que pratica a forma mais débil de desonestidade – aquela impingida contra
si mesmo. Além de lecionar na Academia, filosofa em artigos para jornais e
livros – seu O Guia Politicamente Incorreto da Filosofia, uma de suas obras
de maior vendagem, possui um começo promissor, mas suas bravatas acabam por
resvalar na obviedade, tornando-se estanques pouco após a metade do livro,
redundando numa experiência de leitura estétil. Nas entrelinhas de suas
provocações filosóficas há um prazer indisfarçável, como se as dirigisse aos
filhos bem-nascidos da nação, da qual se compõe por certo, a massa de seus
alunos – pessoas que tem horror a ideologia de direita, que vertem suores
diante de um discurso contrário ao aquecimento global, tem ódios intestinos de
quem usa a palavra poetisa ao invés de poeta, etc. Imagina-se que este público,
provavelmente, se sinta ofendido com este exercício de sagaz inventividade
filosófica levada a efeito pelo pensador de cachimbo; Olavo de Carvalho
também aprecia um bom discurso regado a tabaco, e corriqueiros palavrões. Pondé
abre mão destes no entanto, mantendo a placidez entre um trago e outro, fazendo
do coloquialismo discursivo uma prática menos prazerosa que necessária, afinal,
o publico precisa entender o que lhe passa pela cabeça entre as listas de
pensadores que sustentam seu patrimônio intelectual.
Além dos muitos compromissos que
o fazem uma figura sempre presente nos veículos de mídia, ele mantém um canal
no Youtube, e foi neste que a 14 de setembro de 2017 baixou um vídeo sob o
título O Espiritismo é uma filosofia respeitada pelo mainstream filosófico?
- para evitar dissabores próprios a sempre complexa questão de direitos
autorais vertidos ao ambiente virtual, bem como a correr o risco de o vídeo ser
deletado desde sua origem, transcrevemos palavra por palavra a preleção de
cerca de 3 minutos onde o filósofo leva em conta o Espiritismo:
“O Espiritismo é uma filosofia
respeitada pelo mainstream filosófico? Não, não é. Com isso eu não quero dizer
que você só pode seguir coisas que é respeitado pelo mainstream filosófico.
Quando eu falo mainstream filosófico quero dizer, digamos, uma tradição que vem
da Grécia, com Platão e Aristóteles, que passa pela escolástica medieval, que
toca em gente como Descartes, Pascal, Locke, Hobbes, Rousseau, iluministas em
geral, e de lá para cá gente como Wittgenstein, Heidegger, ou seja, estou
citando alguns nomes; o próprio Nietzsche, Marx, nomes que fazem parte do
mainstream filosófico. O Espiritismo não é considerado uma filosofia, digamos
assim, consistente. O Espiritismo é uma forma de crença que nasce de um sujeito
chamado Allan Kardec, que na verdade assumiu esse nome, supostamente de um
Espirito de uma reencarnação anterior dele; francês, mas que na França, todo
mundo que reza no túmulo dele no Père-Lachaise é brasileiro, e que era um
positivista. Então, a ideia que muitos espíritas falam de que o Espiritismo é
uma Ciência, e que portanto, ele só acredita no que é provado... eu sempre
tenho amigos espíritas, e converso com eles e tal... eu acho Candomblé enfim,
infinitamente mais interessante do que o Espiritismo como forma religiosa
inclusive de crença em Espíritos e coisas assim. E eu sempre pergunto aos
espíritas kardecistas: mas, afinal de contas porque a gente não prova de uma
vez por todas, diante de um grupo de pesquisa de céticos que existe essa coisa
chamada reencarnação? Por que que pessoas que curam o câncer em outras pessoas
não conseguem curar o câncer nelas mesmas, né? A teoria de que o Espirito está
em eterna evolução é uma teoria legal, por que resolve tudo e não responde
nada. Significa que você está sempre e sempre avançando e, por isso você não
consegue resolver os problemas básicos que todo mundo gostaria de resolver
agora. Uma outra coisa que sempre me chamou a atenção é por que a ideia de que
o Espírito seja uma energia não resolve muita coisa, por que a energia é luz.
Pra você lembrar quem você é, você precisa de um cérebro, a não ser que as suas
memórias não tenham nenhuma relação com neurônios e fica então armazenadas num
tipo de luz que é você. Só que até onde a gente sabe, se a gente viaja a
velocidade da luz dissolve qualquer identidade que a gente tenha. Então, a
noção de que no princípio Deus criou Espíritos inteligentes e imateriais, me
parece uma versão positivista como Kardec, ou seja, uma linguagem que parece
meio científica, pra velha história que Deus teria criado almas imortais.
Então, portanto, o desejo que alguns espíritas tem de que o Espiritismo seja
uma filosofia que faça parte, digamos assim, da filosofia mainstream, me parece
completamente fora da realidade. Primeiro porque a maior parte do tempo eles
ficam lendo esses livros, O Evangelho Segundo o Espiritismo por exemplo, né? Ou
ficam lendo outros livros de Espíritos que, de repente, psicografaram esses
textos e tal, e esses Espíritos não sabem nada além do que a gente já sabe;
eles falam de amor, eles falam de desapego, coisa que Buda, Jesus e todo esse
time aí já falou, não é? Então, me parece que o Espiritismo é uma religião
entre outras, uma religião sem ritualística, uma religião sem liturgia, uma
religião sem ritos, né? Uma religião sem igreja, por isso mesmo, eu acho, uma
religião sem graça.”
Dito com toda a pompa da
retórica, este texto bem pouco filosófico até parece fazer algum sentido; mas,
transcrito, perde força imensamente. O grande problema deste amontoado de
professores, filósofos e palestrantes é, certamente, a agremiação que os
sustenta. Não se pode duvidar que possuam sua parcela de conhecimento, e a custa
de treino, prática e experiência, ou apenas talento natural, sejam capazes de
transmitir de modo excepcional o que sabem – mas, a saber o que sabem, não
sabem tudo acerca de todas as disciplinas de conhecimento humano. Para seus
aderentes isto pouco importa – é da tradição dos intelectuais meterem-se a
opinar acerca de tudo, e com grandes manobras argumentativas, passam por
mestres. Porém, esta é uma prática que põe a prova o sujeito, e o Espiritismo
já teve opositores mais hábeis em denegri-lo, sem que estes denunciassem de
pronto jamais terem posto olhos a obra de Allan Kardec. Aqui, todavia, Pondé
parece um amador de aptidão ginasiana. Está claro que jamais leu as obras
componentes da Doutrina dos Espíritos – isto, mais claro fica, ao apontar
amigos seus, supostamente espíritas, como as fontes de seus conhecimentos
acerca da Doutrina.
Seus partidário e admiradores não
se atentarão, sequer, para asneiras da ordem da afirmação segundo a qual o
Espírito é energia! Essa ideia pode bem encontrar aderentes em certos círculos
da prática espírita, ilegítima, as quais frequentam estes tais amigos do
filósofo, mas é mais prevalente no vocabulário de ‘bichos-grilos’ egressos do movimento hippie dos anos 1960, daqueles
que se voltaram ao espectro exotérico do ocultismo ocidental – tudo é energia,
quando na realidade, é fluido. Os conhecimentos de Pondé acolhem, por exemplo,
a questão das terapias espirituais, ou espiritualistas; talvez ele esteja mesmo
pensando nas tão polêmicas cirurgias, as quais apenas indivíduos dotados de
grande ignorância e desespero arriscam submeter-se. Esta, por si só, daria uma
postagem extensa; afirma-la qual manifestação do Espiritismo é sinal de
desconhecimento profundo – espera-se isto do populacho iletrado, mas não de um
filosofo graduado em Israel? Depende de quem dá a ele a respeitabilidade que
acredita ser merecedor. Respeitamos, desde que ele se atenha a seu campo de
conhecimento.
Luiz Felipe Pondé comete a clássica falácia lógica do argumentum ad ignorantiam, largamente utilizada por detratores de
sempre, que prescreve que sua ignorância da vasta literatura acerca da
reencarnação é prova de que ela não há – é o mesmo que afirmar que o que lhe
escapa ao conhecimento não existe; pode ser aplicada numa afirmação tradicional
dos céticos que defendem que nunca tendo sido detectada vida fora da Terra, ela
não existe, por exemplo. Carl Sagan teria afirmado que ‘ausência de evidencia não é evidencia de ausência’, uma frase que
demonstra uma postura um cadinho mais previdente e de maior bom senso,
denunciadora de um pensador de primeira ordem, e que bem poderia guiar o modus pensandi do sr. Pondé. Mas as
evidências existem, o que é ainda mais acusadora do proceder do filósofo.
Outra questão que suscitaria um desenvolvimento maior, para além daquele mesmo que demos em artigo anteriormente publicado neste blog (3 de agosto de 2019) é a do Espiritismo como uma religião. Mas, neste específico e exclusivo caso damos total razão ao filósofo - vertido a uma reles religião, o Espiritismo perde sua força e razão de ser. Quanto a sua graça, Pondé vê elegância no mistério religioso, como demonstra em seus escritos e entrevistas - para ele, um milagre se basta por sua condição, ou seja, indefinidamente sem explicação e razão de dogma. Uma doutrina que oferte uma alternativa lógica que explique tais ordens de fenômenos não é, senão, um atentado a beleza que ele vê, como algo nocivo a sua razão intrínseca de ser - um filósofo existe para questionar, e não para encontrar respostas, afinal. Porém, um raciocínio assim desenvolvido, raso, aborrecido e sem esforço, demonstra o quão apelativo é este vídeo, que se destina a instilar o escândalo e a chocar as sensibilidades mais vulneráveis; e o quanto leva em conta Pondé a Doutrina? - ele pouco se dá por isso. A recíproca, porém, não é a realidade. Pondé, assim como outros detratores cujos argumentos atestam um obscurantismo intelectual agudo é, e deve permanecer sendo o alvo de atento exame por parte dos espíritas, não apenas para impedir ataques disparatados, mas para evitar a divulgação de conceitos equivocados daqueles que pensam ser espíritas. São estes os responsáveis, em primeiríssima instância, das bobeiras saídas da boca de Luiz Felipe Pondé. Permaneçamos vigilantes.
Outra questão que suscitaria um desenvolvimento maior, para além daquele mesmo que demos em artigo anteriormente publicado neste blog (3 de agosto de 2019) é a do Espiritismo como uma religião. Mas, neste específico e exclusivo caso damos total razão ao filósofo - vertido a uma reles religião, o Espiritismo perde sua força e razão de ser. Quanto a sua graça, Pondé vê elegância no mistério religioso, como demonstra em seus escritos e entrevistas - para ele, um milagre se basta por sua condição, ou seja, indefinidamente sem explicação e razão de dogma. Uma doutrina que oferte uma alternativa lógica que explique tais ordens de fenômenos não é, senão, um atentado a beleza que ele vê, como algo nocivo a sua razão intrínseca de ser - um filósofo existe para questionar, e não para encontrar respostas, afinal. Porém, um raciocínio assim desenvolvido, raso, aborrecido e sem esforço, demonstra o quão apelativo é este vídeo, que se destina a instilar o escândalo e a chocar as sensibilidades mais vulneráveis; e o quanto leva em conta Pondé a Doutrina? - ele pouco se dá por isso. A recíproca, porém, não é a realidade. Pondé, assim como outros detratores cujos argumentos atestam um obscurantismo intelectual agudo é, e deve permanecer sendo o alvo de atento exame por parte dos espíritas, não apenas para impedir ataques disparatados, mas para evitar a divulgação de conceitos equivocados daqueles que pensam ser espíritas. São estes os responsáveis, em primeiríssima instância, das bobeiras saídas da boca de Luiz Felipe Pondé. Permaneçamos vigilantes.
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