sexta-feira, 13 de setembro de 2019

O vídeo de Pondé


Detratores. No passado quanto no presente cabe ao espírita defrontar com estes, investidos sempre dos mesmos argumentos e da mesma presunção – nos dias que correm, contudo, a singularidade dos tempos pelos quais avança a nação brasileira, eventualmente, pode trazer alguma novidade. Velhas fórmulas e velhos sistemas não têm funcionado mais para certo extrato social – as disciplinas do conhecimento humano são complexas e o tempo para estudá-las é escasso; o sacerdote já não vem ao encontro de uma maturação de alma que pede mais, mas prossegue com o empenho minguado de sempre. Em meio a polarização política e ideológica, os discursos se perdem no vazio do óbvio, numa guerra inane entre o politicamente correto e o incorreto – mas os tempos repudiam a isenção, pedem, exigem a tomada de posição, seja ela qual for. Os líderes da nova vanguarda do pensamento usurpam a importância clerical e falam dos púlpitos da nação a um rebanho cujos indivíduos se creem mais inteligentes que seus pares. Em um país de analfabetos funcionais este é o novo êxtase religioso. No grande mercado midiático o sujeito deve escolher seu líder, seu oráculo, seu guru, aquele a cujas palavras dará eco – Mário Sergio Cortela, Clóvis de Barros Filho, Augusto Cury, Leandro Karnal, Luiz Felipe Pondé, Olavo de Carvalho, Marco Antonio Villa ou qualquer outro dentro deste espectro.

Luiz Felipe Pondé é o filósofo do politicamente incorreto, da crítica ao simulacro da inteligência e bondade, desta grande máscara social que todos buscam vestir, da grande demagogia do homem que pratica a forma mais débil de desonestidade – aquela impingida contra si mesmo. Além de lecionar na Academia, filosofa em artigos para jornais e livros – seu O Guia Politicamente Incorreto da Filosofia, uma de suas obras de maior vendagem, possui um começo promissor, mas suas bravatas acabam por resvalar na obviedade, tornando-se estanques pouco após a metade do livro, redundando numa experiência de leitura estétil. Nas entrelinhas de suas provocações filosóficas há um prazer indisfarçável, como se as dirigisse aos filhos bem-nascidos da nação, da qual se compõe por certo, a massa de seus alunos – pessoas que tem horror a ideologia de direita, que vertem suores diante de um discurso contrário ao aquecimento global, tem ódios intestinos de quem usa a palavra poetisa ao invés de poeta, etc. Imagina-se que este público, provavelmente, se sinta ofendido com este exercício de sagaz inventividade filosófica levada a efeito pelo pensador de cachimbo; Olavo de Carvalho também aprecia um bom discurso regado a tabaco, e corriqueiros palavrões. Pondé abre mão destes no entanto, mantendo a placidez entre um trago e outro, fazendo do coloquialismo discursivo uma prática menos prazerosa que necessária, afinal, o publico precisa entender o que lhe passa pela cabeça entre as listas de pensadores que sustentam seu patrimônio intelectual.

Além dos muitos compromissos que o fazem uma figura sempre presente nos veículos de mídia, ele mantém um canal no Youtube, e foi neste que a 14 de setembro de 2017 baixou um vídeo sob o título O Espiritismo é uma filosofia respeitada pelo mainstream filosófico? - para evitar dissabores próprios a sempre complexa questão de direitos autorais vertidos ao ambiente virtual, bem como a correr o risco de o vídeo ser deletado desde sua origem, transcrevemos palavra por palavra a preleção de cerca de 3 minutos onde o filósofo leva em conta o Espiritismo:

O Espiritismo é uma filosofia respeitada pelo mainstream filosófico? Não, não é. Com isso eu não quero dizer que você só pode seguir coisas que é respeitado pelo mainstream filosófico. Quando eu falo mainstream filosófico quero dizer, digamos, uma tradição que vem da Grécia, com Platão e Aristóteles, que passa pela escolástica medieval, que toca em gente como Descartes, Pascal, Locke, Hobbes, Rousseau, iluministas em geral, e de lá para cá gente como Wittgenstein, Heidegger, ou seja, estou citando alguns nomes; o próprio Nietzsche, Marx, nomes que fazem parte do mainstream filosófico. O Espiritismo não é considerado uma filosofia, digamos assim, consistente. O Espiritismo é uma forma de crença que nasce de um sujeito chamado Allan Kardec, que na verdade assumiu esse nome, supostamente de um Espirito de uma reencarnação anterior dele; francês, mas que na França, todo mundo que reza no túmulo dele no Père-Lachaise é brasileiro, e que era um positivista. Então, a ideia que muitos espíritas falam de que o Espiritismo é uma Ciência, e que portanto, ele só acredita no que é provado... eu sempre tenho amigos espíritas, e converso com eles e tal... eu acho Candomblé enfim, infinitamente mais interessante do que o Espiritismo como forma religiosa inclusive de crença em Espíritos e coisas assim. E eu sempre pergunto aos espíritas kardecistas: mas, afinal de contas porque a gente não prova de uma vez por todas, diante de um grupo de pesquisa de céticos que existe essa coisa chamada reencarnação? Por que que pessoas que curam o câncer em outras pessoas não conseguem curar o câncer nelas mesmas, né? A teoria de que o Espirito está em eterna evolução é uma teoria legal, por que resolve tudo e não responde nada. Significa que você está sempre e sempre avançando e, por isso você não consegue resolver os problemas básicos que todo mundo gostaria de resolver agora. Uma outra coisa que sempre me chamou a atenção é por que a ideia de que o Espírito seja uma energia não resolve muita coisa, por que a energia é luz. Pra você lembrar quem você é, você precisa de um cérebro, a não ser que as suas memórias não tenham nenhuma relação com neurônios e fica então armazenadas num tipo de luz que é você. Só que até onde a gente sabe, se a gente viaja a velocidade da luz dissolve qualquer identidade que a gente tenha. Então, a noção de que no princípio Deus criou Espíritos inteligentes e imateriais, me parece uma versão positivista como Kardec, ou seja, uma linguagem que parece meio científica, pra velha história que Deus teria criado almas imortais. Então, portanto, o desejo que alguns espíritas tem de que o Espiritismo seja uma filosofia que faça parte, digamos assim, da filosofia mainstream, me parece completamente fora da realidade. Primeiro porque a maior parte do tempo eles ficam lendo esses livros, O Evangelho Segundo o Espiritismo por exemplo, né? Ou ficam lendo outros livros de Espíritos que, de repente, psicografaram esses textos e tal, e esses Espíritos não sabem nada além do que a gente já sabe; eles falam de amor, eles falam de desapego, coisa que Buda, Jesus e todo esse time aí já falou, não é? Então, me parece que o Espiritismo é uma religião entre outras, uma religião sem ritualística, uma religião sem liturgia, uma religião sem ritos, né? Uma religião sem igreja, por isso mesmo, eu acho, uma religião sem graça.

Dito com toda a pompa da retórica, este texto bem pouco filosófico até parece fazer algum sentido; mas, transcrito, perde força imensamente. O grande problema deste amontoado de professores, filósofos e palestrantes é, certamente, a agremiação que os sustenta. Não se pode duvidar que possuam sua parcela de conhecimento, e a custa de treino, prática e experiência, ou apenas talento natural, sejam capazes de transmitir de modo excepcional o que sabem – mas, a saber o que sabem, não sabem tudo acerca de todas as disciplinas de conhecimento humano. Para seus aderentes isto pouco importa – é da tradição dos intelectuais meterem-se a opinar acerca de tudo, e com grandes manobras argumentativas, passam por mestres. Porém, esta é uma prática que põe a prova o sujeito, e o Espiritismo já teve opositores mais hábeis em denegri-lo, sem que estes denunciassem de pronto jamais terem posto olhos a obra de Allan Kardec. Aqui, todavia, Pondé parece um amador de aptidão ginasiana. Está claro que jamais leu as obras componentes da Doutrina dos Espíritos – isto, mais claro fica, ao apontar amigos seus, supostamente espíritas, como as fontes de seus conhecimentos acerca da Doutrina.

Seus partidário e admiradores não se atentarão, sequer, para asneiras da ordem da afirmação segundo a qual o Espírito é energia! Essa ideia pode bem encontrar aderentes em certos círculos da prática espírita, ilegítima, as quais frequentam estes tais amigos do filósofo, mas é mais prevalente no vocabulário de ‘bichos-grilos’ egressos do movimento hippie dos anos 1960, daqueles que se voltaram ao espectro exotérico do ocultismo ocidental – tudo é energia, quando na realidade, é fluido. Os conhecimentos de Pondé acolhem, por exemplo, a questão das terapias espirituais, ou espiritualistas; talvez ele esteja mesmo pensando nas tão polêmicas cirurgias, as quais apenas indivíduos dotados de grande ignorância e desespero arriscam submeter-se. Esta, por si só, daria uma postagem extensa; afirma-la qual manifestação do Espiritismo é sinal de desconhecimento profundo – espera-se isto do populacho iletrado, mas não de um filosofo graduado em Israel? Depende de quem dá a ele a respeitabilidade que acredita ser merecedor. Respeitamos, desde que ele se atenha a seu campo de conhecimento.

Luiz Felipe Pondé comete a clássica falácia lógica do argumentum ad ignorantiam, largamente utilizada por detratores de sempre, que prescreve que sua ignorância da vasta literatura acerca da reencarnação é prova de que ela não há – é o mesmo que afirmar que o que lhe escapa ao conhecimento não existe; pode ser aplicada numa afirmação tradicional dos céticos que defendem que nunca tendo sido detectada vida fora da Terra, ela não existe, por exemplo. Carl Sagan teria afirmado que ‘ausência de evidencia não é evidencia de ausência’, uma frase que demonstra uma postura um cadinho mais previdente e de maior bom senso, denunciadora de um pensador de primeira ordem, e que bem poderia guiar o modus pensandi do sr. Pondé. Mas as evidências existem, o que é ainda mais acusadora do proceder do filósofo.

Outra questão que suscitaria um desenvolvimento maior, para além daquele mesmo que demos em artigo anteriormente publicado neste blog (3 de agosto de 2019) é a do Espiritismo como uma religião. Mas, neste específico e exclusivo caso damos total razão ao filósofo - vertido a uma reles religião, o Espiritismo perde sua força e razão de ser. Quanto a sua graça, Pondé vê elegância no mistério religioso, como demonstra em seus escritos e entrevistas - para ele, um milagre se basta por sua condição, ou seja, indefinidamente sem explicação e razão de dogma. Uma doutrina que oferte uma alternativa lógica que explique tais ordens de fenômenos não é, senão, um atentado a beleza que ele vê, como algo nocivo a sua razão intrínseca de ser - um filósofo existe para questionar, e não para encontrar respostas, afinal. Porém, um raciocínio assim desenvolvido, raso, aborrecido e sem esforço, demonstra o quão apelativo é este vídeo, que se destina a instilar o escândalo e a chocar as sensibilidades mais vulneráveis; e o quanto leva em conta Pondé a Doutrina? - ele pouco se dá por isso. A recíproca, porém, não é a realidade. Pondé, assim como outros detratores cujos argumentos atestam um obscurantismo intelectual agudo é, e deve permanecer sendo o alvo de atento exame por parte dos espíritas, não apenas para impedir ataques disparatados, mas para evitar a divulgação de conceitos equivocados daqueles que pensam ser espíritas. São estes os responsáveis, em primeiríssima instância, das bobeiras saídas da boca de Luiz Felipe Pondé. Permaneçamos vigilantes.
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O vídeo, para ser observado in loco pelos interessados
https://www.youtube.com/watch?v=xwsiHwd5FSc

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