1. O assunto dá um livro –
já deu, e não apenas de nossos esforços, mas é tema de diversos tomos de vários
autores, em sua maioria partindo em defesa da existência de localidades
específicas para onde se dirige o Espírito após o seu desencarne. Por conseguinte,
são obras de defesa flagrante dos seus autores espirituais e os médiuns que as
psicografaram, em especial as figuras de André Luiz e Francisco Cândido Xavier.
E a defesa dessas figuras se faz justamente pela razão de serem eles os
principais expoentes do advento das Colônias Espirituais no seio do ilegítimo ‘movimento espírita brasileiro’.
Obviamente, o presente trabalho não se destina aos renhidos adeptos desta
agremiação, para quem lançar dúvidas ou execração a esta hipótese de uma
erraticidade materialista, e aos seus autores, é um disparatado exercício de
insânia, uma frontal falta de respeito e o sinal claro que denúncia a um
ignorante da matéria. Objeto caro de nossos estudos, provaremos ao final desta
que, não apenas somos versados na questão, como nossa hipótese para explicá-la é plausível, embora carente de provas empíricas. Neste tocante, aliás,
os aderentes das Colônias Espirituais são menos capazes de apresentar suas
provas, ou argumentos que as sustentem diante da Doutrina dos Espíritos
codificada por Allan Kardec.
Uma questão outra
2. Para onde se vai após o
desencarne? Esta é uma questão em aberto para muitas pessoas que, por conforto,
não podem viver tendo em vista a iminência do fenômeno da morte que, à
princípio, pode-se dar a qualquer instante para qualquer indivíduo. Já para
aqueles que se supõem espíritas, o Espírito André Luiz é um luminar tão grande
quanto o médium que escolheu para receber suas narrativas, Chico Xavier, e sua
resposta para questão está a contento; a união dessas duas criaturas criou o
arcabouço de um dogma, que reprova qualquer dúvida, resguardando-os na condição
de ídolos religiosos, a quem se deve mais que respeito, adoração incondicional.
A razão repudia a atitude e o dogma em si, além da deturpação que ambos
empreenderam, um ativamente e o outro passivamente, do princípio doutrinário da
erraticidade. Adentrar o mérito de certos argumentos em favor de ambos é
exercício inútil; muitos dentre esses apenas se repetem na tentativa de
encontrar um consenso que compatibilize o que está nas Obras Básicas e aquilo
que saiu das mãos febris de Chico Xavier. Não são compatíveis, bem o sabemos
por muitos anos de estudos devotados a cotejá-los, e as ilações surgidas daí
serão enfeixadas em uma obra própria e a seu tempo. Outro argumento comum e que
se repete exaustivamente professa que a Doutrina Espírita está incompleta, que
Allan Kardec faleceu antes de poder concluí-la, que no obscuro século XIX sua
mente imatura não poderia abarcar a revelação das Colônias Espirituais. Nosso
artigo de 10 de agosto último, postado neste blog, desmente por completo parte
dessas acusações – os princípios que sustentam a Doutrina dos Espíritos foram
plenamente expostos, desde O Livro dos
Espíritos. Todavia, para o suposto espírita que não vai além da leitura de O Evangelho Segundo o Espiritismo, uma
das últimas questões de O Livro dos
Espíritos pode bem ser desconhecida. Convém sua atenta leitura:
"1017. Alguns Espíritos disseram habitar o quarto, o quinto céu, etc. Que entendiam ele por isso?
"1017. Alguns Espíritos disseram habitar o quarto, o quinto céu, etc. Que entendiam ele por isso?
Quando lhes perguntais que céu habitam, é porque tendes a ideia de
vários céus, dispostos como os andares de uma casa; então, eles vos respondem,
conforme a vossa linguagem; mas, para eles, estas palavras: quarto, quinto céu,
exprimem diferentes graus de purificação e, por conseguinte, de felicidade. É
exatamente como quando se pergunta a um Espírito se ele está no inferno; se for
infeliz, dirá que sim, porque, para ele, inferno é sinônimo
de sofrimento; mas, sabe muito bem que não é uma fornalha. Um pagão diria estar
no Tártaro.
Acontece o
mesmo com outras expressões análogas, assim como: cidade das flores, cidade dos
eleitos, primeira, segunda ou terceira esfera, etc., que são apenas alegorias
utilizadas por alguns Espíritos, quer como figuras, quer, algumas vezes, por
ignorância da realidade das coisas e até das mais simples noções científicas.
Conforme a ideia restrita que outrora se fazia dos lugares das penas e
recompensas e, principalmente, a opinião de que a Terra era o centro do
Universo, de que o céu formava uma abóbada e de que havia uma região das
estrelas, colocava-se o céu no alto e o inferno embaixo; daí as
expressões: subir ao céu, estar no mais alto dos céus, ser precipitado nos
infernos. Hoje, tendo a Ciência demonstrado que a Terra é apenas um dos menores
mundos, entre tantos milhões de outros, sem importância especial; que traçou a
história de sua formação e descreveu sua constituição, provou que o espaço é
infinito, que não há alto, nem baixo no Universo, teve-se que renunciar a
situar o céu acima das nuvens e o inferno nos lugares inferiores. Quanto ao
purgatório, nenhum lugar lhe havia sido indicado. Estava reservado ao
Espiritismo dar, sobre todas essas coisas, a explicação mais racional, mais
grandiosa e, ao mesmo tempo, mais consoladora para a Humanidade. Pode-se dizer,
assim, que trazemos, em nós mesmos, nosso inferno e nosso paraíso; nosso
purgatório, nós o encontramos na nossa encarnação, nas nossas vidas corporais
ou físicas.”
Não são por termos análogos a ‘cidade
das flores’ ou ‘cidade dos eleitos’
pelas quais se batizam as Colônias Espirituais presentes em um sem número de
livros que sucederam a Nosso Lar,
obra seminal do Espírito André Luiz? Muitas delas, senão todas, são devedoras
diretas desta e das demais obras atribuídas a esse escrevinhador de
além-túmulo. O que prova a questão acima transcrita? Primeiramente que Allan
Kardec tinha em sua posse mensagens psicografadas e, por certo, reproduções por
escrito de psicofonias que davam conta da existência de tais locais; todavia, infere-se
que estas deixaram entrever a ignorância daqueles que as vieram dar, de tal
conta que jamais passaram pelo crivo racional do Codificador, menos ainda pelo
Controle Universal dos Ensinamentos dos Espíritos; e como prova as conclusões
de Allan Kardec presentes acima, não passam de analogias de Espíritos
ignorantes. No contexto brasileiro da prática ilegítima do Espiritismo
travestido de religião, pode-se somar a essa ignorância a vileza de buscar
confundir, deturpar e destruir a Doutrina dos Espíritos, intento de muitos
Espíritos pseudo-sábios que assombram médiuns desguarnecidos.
“Os Espíritos não-encarnados ou errantes não ocupam uma região
determinada e circunscrita: eles estão por toda a parte, no Espaço e ao nosso
lado, vendo-nos e esbarrando em nós incessantemente; é toda uma população
invisível que se agita em torno de nós.”
Ou, que tal, a questão de nº 87 da mesma obra?
“87. Os
Espíritos ocupam uma região determinada e circunscrita no espaço?
Os
Espíritos estão por toda a parte; povoam os espaços sem fim, até o infinito.
Estão, constantemente, ao vosso lado, vos observam e atuam sobre vós, sem que o
percebais, pois os Espíritos são uma das potências da Natureza e os
instrumentos de que Deus se serve para o cumprimento de seus desígnios
providenciais. Porém, nem todos vão a toda parte, porquanto há regiões
interditadas aos menos adiantados.”
Obviamente que, para
os aderentes, a questão da circunscrição precisa ser dissimulada, pouco clara,
razão e motivo de interpretações sem termo. E a um bom termo não se chega, ou
seja, a um consenso, senão porque não se pode recusar que os reveladores das Colônias
Espirituais sejam Espíritos pseudo-sábios. Mas o são! Outro termo posto a este
patamar, sempre e sempre trazido a discussão para nada se concluir, é espaço –
Allan Kardec o utiliza em sua definição mais ampla, para não dizer completa, ou
seja, não se refere unicamente ao vácuo que circunda os planetas e do qual
parece ser composto todo o Cosmo, mas também daquele que envolve o ser, e que
na Terra é delimitado por um oceano de gases denominado atmosfera. Não é
exclusivamente aquele que se inicia desde a alguns centímetros a partir das
cabeças da coletividade humana, mas aquele desde o rés do solo. Ou seja, os
Espíritos ocupam toda a extensão dos espaços onde lhes convenha ficar, estando
em direta relação com os encarnados; o termo errante não existe ao acaso – ele
foi dado a Allan Kardec porque assim define a situação dos Espíritos, ou seja,
sem local de pouso, deambulando constantemente, errando. E não há nada de
equivocado nisto. Mas, claro, diante da inexistência de um simulacro de céu e
inferno, o neófito vê-se exasperado e desfalecendo em sua fé; para tanto,
recomendamos mui objetivamente o estudo atento e cuidadoso no número de abril
de 1859 da Revista Espírita, em
específico do artigo intitulado Quadro da
Vida Espírita. Lá, o afoito que precisa de uma resposta rápida há de
encontrá-la segundo os postulados autênticos do Espiritismo, e não das mentiras
espargidas em romances mediúnicos. Embora, para se ter o pleno conhecimento da
matéria, é necessário o estudo de O Céu e
o Inferno.
4. Todavia, provar ou não a existência de Colônias Espirituais, ou
ainda dar subsídios para levar o interessado a empreender um sério estudo
acerca da erraticidade não é, no presente, a sua razão de ser. A questão é outra,
e diz respeito a justaposição, ou ao uso da figura de uma cidade flutuante como
morada dos mortos, e por que ela está diretamente relacionada ao Espiritismo. A
utilização do recurso imaginativo de moradias aéreas é, por si, um aspecto
universalmente presente na cultura humana. A terceira parte da obra Viagens de Gulliver, de Johathan Swift,
em seu capítulo I revela ao leitor a existência de Laputa. A imagem é poderosa
– uma massa rochosa flutuante percorre o espaço, e sobre seu solo toda uma
civilização floresce; ou trata-se, tão somente, do refúgio de uma casta de
escolhidos e sábios, ou o posto avançado de uma colônia de mineradores
espaciais, ou não mais que parte da paisagem de um planeta alienígena. A
silhueta desta massa contra o sol, que flaina como que por magia, alimenta a
fantasia da humanidade desde sempre.
Acaso Swift soube captar pela sátira o encastelamento dos alienados homens da Ciência do seu tempo, ilustrando-a com Laputa, o advento de um escritor mais antigo, e até certo ponto, supostamente senil, imprimiu com força semelhante imagens mais espantosas. O Livro do Apocalipse, a obra que finda o Novo Testamento da Bíblia Sagrada, atribuído a João Evangelista, traz, graças ao seu estilo profético, símbolos e figuras impressionantes, dentre as quais a da Nova Jerusalém, ou Jerusalém Celeste. Esta é descrita como uma cidade murada, contendo aí portões correspondentes a cada uma das tribos de Israel, tendo sido erigida por Deus nos céus para dar abrigo aos fiéis, e sua luz a manterá num eterno dia ensolarado. Os saxões da Idade Média tinham sua própria cidade nas nuvens, bem menos metafísica segundo criam – Magônia era o lar de uma raça de piratas que navegavam em barcos voadores e, durante as tempestades desciam à terra para roubar as colheitas do povo da superfície. Para os gregos antigos, a morada dos deuses ficava no topo do Monte Olimpo, uma das maiores elevações topográficas da Grécia, e suas representações retratam templos gregos suntuosos e bem iluminados, comumente ornado com colunas colossais e pórticos detalhados. Essas e outras imagens são o alimento da moderna ficção-científica. Hugo Gernsback, criador da Amazing Stories, a primeira revista exclusivamente dedicada a ficção-científica, previu a criação de cidades flutuantes no futuro da humanidade. No planeta Mongo, onde habitava o ditador Ming, antagonista do herói Flash Gordon, havia Sky City, a cidade flutuante governada por Vultan. No segundo exemplar da saga cinematográfica Star Wars, cognominada O Império Contra-Ataca, o expectador é apresentado a Cloud City, que flutua na atmosfera do planeta Bespin. No filme Avatar há a formação geológica denominada Montanhas Aleluia, uma cadeia de ilhas rochosas flutuantes, onde se dá parte do clímax da história. Enfim, há uma inumerável quantidade de obras, romances, filmes e jogos de toda sorte onde as antigas referências da humanidade são amplamente utilizadas, reinventadas, adaptadas as necessidades do enredo, apresentando moradias flutuantes as mais inventivas e interessantes. Mas, afinal, por que a morada dos bons acima e o inferno abaixo? Guardamos uma hipótese, e é a esta que se destina este ensaio.
Uma forte impressão
5. Allan Kardec fundou sua Revista
Espírita em 1858, e já em março o leitor fora apresentado a um artigo
intitulado Júpiter e alguns outros Mundos.
Nele, o Codificador tece um breve opúsculo acerca da condição manifesta da vida
nos mundos componentes do sistema solar a que pertence a Terra, antes de
adentrar propriamente ao cerne da questão, qual seja as revelações que recebera
quanto a Júpiter. O professor assim se expressa:
“De todos os planetas, o mais adiantado sob todos os aspectos é Júpiter.
É o reino exclusivo do bem e da justiça, porquanto só tem Espíritos bons.”
No número seguinte,
de abril, o tema retorna em Conversas
Familiares de Além-Túmulo, onde o Espírito de Bernard Palissy, célebre oleiro
francês do século XVI, encarnado então em Júpiter, vem trazer notícias daquele
mundo aos interessados da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, por meio
de diálogo com Allan Kardec. Dentre tudo o que narrou, interessa por olhos no
seguinte:
“9. O quadro que os Antigos nos deram dos Campos Elísios resultaria do
conhecimento intuitivo que possuíam de um mundo superior, tal como Júpiter, por
exemplo?
R.: Do conhecimento positivo; a evocação permanecia nas mãos dos
sacerdotes.”
Os Campos Elísios e o
Valhala, para os gregos e os nórdicos respectivamente, eram o lar dos
escolhidos, dos privilegiados, dos que foram bons e valorosos em vida – como se
vê, pelo que se infere da questão, não era simplesmente uma invenção, ou
intuição, mas a descrição o mais precisa possível das narrações de Espíritos
que, estando em Júpiter, ou algum mundo de mesmo nível de progresso, vieram
manifestar-se aos antigos sacerdotes que praticavam a evocação espiritual. Aqui
é preciso fazer um pequeno alerta – como não há qualquer espécie de narrativa
outra acerca de mundos semelhantes a Júpiter, estando disponível para o
espírita senão unicamente essas notícias recebidas pelo Codificador, e pelo
fato deste mundo pertencer ao mesmo sistema solar que a Terra, por convenção
consideraremos sua forte influência sobre alguns aspectos da cultura humana. E
nisto se resume a hipótese para explicar a localização do lar dos mortos, e de
sua relação com a equivocada doutrina das Colônias Espirituais. Allan Kardec
aponta para a ideia da influência na pergunta feita a Palissy, acima transcrita;
mas, que aspectos de Júpiter são importantes observar afinal? Para o espírita,
seria não menos que necessário ler tudo quanto foi recebido acerca da questão, ofertando
de boa fé a contrapartida de se instruir, cumprindo ao intento primeiro dos
Espíritos que de lá vieram comunicar-se buscando inspirar o desejo humano pela
própria melhoria.
Na edição de julho de
1860, recebendo espontaneamente uma série de longas comunicações de um Espírito
que se identificou com o nome Charlet, a quem Allan Kardec considerou
suficientemente probas e concordes com a Doutrina dos Espíritos para as
publicar, ele dirige as seguintes questões:
“3. Lembrais o desenho que foi feito dos animais de Júpiter. Nota-se uma
analogia surpreendente com os sátiros da fábula. Essa ideia dos sátiros seria
uma intuição da existência desses seres em outros mundos e, nesse caso, não
seria uma explicação meramente fantástica?
R.: Quanto mais novo o mundo, mais ele se lembrava. O homem tinha a
intuição de uma ordem de seres intermediários, quer mais atrasados que ele,
quer mais adiantados. É o que ele chamava de deuses.”
“4. Então admitis que as divindades mitológicas não era senão o que
chamamos Espíritos?
R.: Sim.”
Bernard Palissy não
apenas trouxe suas narrativas, como por meio do médium, criou desenhos
representando aspectos da vida em Júpiter, e é a estes que Allan Kardec se
refere na questão inserida mais acima. Para os antigos sacerdotes, em suas
cerimonias evocando a presença dos deuses, não lhes teria sido revelado estes
tais mesmos aspectos jupterianos, considerados como caracteres comuns à morada
de suas divindades? Voltemos a Palissy que acerca dos animais encarnados neste
mundo troca a seguinte série de perguntas e respostas com Allan Kardec:
“48. O corpo dos animais é mais material que o dos homens?
R.: Sim; o homem é o rei, o Deus terrestre.”
“49. Entre os animais há os que são carnívoros?
R.: Os animais não se estraçalham entre si; vivem todos submetidos ao
homem, amando-se mutuamente.”
“50. Mas não haverá animais que escapem à ação do homem, como os
insetos, os peixes, os pássaros?
R.: Não; todos lhe são úteis.”
“51. Disseram-nos que os animais são os servidores e os operários que
executam os trabalhos materiais, constroem as habitações, etc; isso é verdade?
R.: Sim; o homem não se rebaixa mais para servir ao seu semelhante.”
“52. Os animais servidores estão ligados a uma pessoa ou a uma família,
ou são tomados e trocados à vontade, como aqui?
R.: Todos se ligam a uma família particular; mudais mais, para achar um
melhor.”
“53. Vivem os animais servidores em estado de escravidão ou liberdade?
São uma propriedade ou podem mudar de dono à vontade?
R.: Eles lá se encontram em estado de submissão.”
“54. Os animais trabalhadores recebem uma remuneração qualquer por seus
esforços?
R.: Não.”
“55. As faculdades dos animais desenvolvem-se por uma espécie de
educação?
R.: Eles o fazem por si mesmos.”
“56. Os animais têm uma linguagem mais precisa e mais caracterizada que
a dos animais terrestres?
R.: Certamente. “
Allan Kardec já
tratara destes em 1858 da seguinte maneira:
“Os animais não estão excluídos desse estado progressivo, sem se
aproximarem, contudo, daquele do homem; seu corpo, mais material, prende-se à
terra, como os nossos. Sua inteligência é mais desenvolvida que a dos nossos
animais; a estrutura de seus membros presta-se a todas as exigências do trabalho;
são encarregados da execução de obras manuais; são os serviçais e os operários;
as ocupações dos homens são puramente intelectuais. Para os animais o homem é
uma divindade tutelar que jamais abusa do poder para os oprimir.”
Porque, afinal os
animais de Júpiter são importantes para o entendimento da questão? Uma olhada
atenta ao restante do artigo, nos parágrafos seguintes, a luz necessária se
fará:
“Se designarmos pelo nome de animais os seres bizarros que ocupam a base
da escala, é porque os próprios Espíritos o utilizaram e também em razão de
nossa língua não dispor de melhor termo para nos oferecer. Essa designação os
avilta bastante; chama-los, porém, de homens seria conceder-lhes muita honra;
de fato, são Espíritos votados à animalidade (...)”
“Eu não os poderia melhor comparação senão aos faunos e aos sátiros da
Fábula; o corpo, levemente peludo é, entretanto, aprumado como o nosso; entre
alguns as patas desapareceram, dando lugar a certas pernas que ainda lembram a
forma primitiva, os dois braços robustos, singularmente implantados e
terminados por verdadeiras mãos, se levarmos em conta a oposição dos polegares.
Coisa bizarra: a cabeça não é tão aperfeiçoada quanto o resto! Dessa forma, a
fisionomia reflete bem alguma coisa de humano, mas o crânio, o maxilar e,
sobretudo, a orelha não representam diferenças sensíveis em relação aos animais
terrestres. É, pois, fácil distingui-los entre si: este é um cão, aquele é um
leão.”
“Antes de ir para lá, esses Espíritos emigraram sucessivamente em nossos
mundos inferiores, do corpo de um ao de outro animal, através de uma escala de
aperfeiçoamento perfeitamente graduada. O estudo atento de nossos animais
terrestres, seus costumes, suas características individuais, sua ferocidade
longe do homem e sua domesticação lenta, mas sempre possível, tudo indica
suficientemente a realidade dessa ascensão animal.”
“Eles (os animais que povoam Júpiter) se aperfeiçoaram ao mesmo tempo que nós, conosco e com o nosso
auxílio. A lei é mais admirável ainda: faz tão bem de seu devotamento ao homem
a primeira condição de sua ascensão planetária, que a vontade de um Espírito de
Júpiter pode chamar a si todo animal que, numa de suas vidas anteriores, lhe
haja dado provas de afeição. Essas simpatias, que lá no alto formam famílias de
Espíritos, também agrupam em torno das famílias todo um cortejo de animais
devotados. Em consequência, nosso apego neste mundo por um animal, o cuidado
que tomamos de domesticá-lo e de humanizá-lo, tudo isso tem sua razão de ser,
tudo será pago: é um bom ajudante que preparamos antecipadamente para um mundo
melhor.”
6. Deduz-se portanto, que o Espírito que na Terra animou as
espécies animais por um período de tempo, ao atingir certo ponto de progresso
próprio, é chamado a estagiar numa forma intermediária em Júpiter, forma esta
que podemos identificar atualmente a de um humanoide primitivo, semelhante aos
faunos, aos cinocéfalos e a outras raças bestiais das lendas, ou mesmo àquelas
dos primeiros primatas que resultaram no gênero Homo. Pode-se especular que, a
partir de então, expostos a vidas sucessivas no maior planeta do sistema solar,
hajam se adiantado a ponto de poderem retornar a um mundo mais primitivo, a
Terra, onde se encarnariam na condição dos primeiros ancestrais da humanidade,
e a partir de então, se tornarem homens de fato. Encadeando-se na sucessão das
vidas, esse Espírito alcançará, a bom termo, retornar a Júpiter, já na condição
dos mesmos Espíritos avançados de lá, não mais na animalidade que deixara há
muito. A progressão espiritual é uma lei natural, uma ação irrefreável do
fenômeno da vida – e a ação desta lei transforma a matéria até o superlativo
das formas, para espanto da mente humana. Mas, muito mais espantoso, contudo
racional, são os caminhos do Espírito, desde o átomo até o Arcanjo. Esse
exercício especulativo, lidando com os dados fornecidos pelas deduções de Allan
Kardec podem explicar alguns aspectos da cultura humana cuja origem se
desconhece, e parece pertencer ao campo da fantasia, mas também e no pormenor
da morada dos escolhidos residir nos céus – e é a este que recai nosso mais
imediato interesse.
7. Bernard Palissy deixou claro que aspectos culturais dos povos da
Antiguidade resultaram da intervenção direta de Espíritos que, como ele, vieram
de Júpiter relatar sua existência num mundo mais adiantado – antes e ao tempo
de Allan Kardec com um só objetivo, inspirar a melhoria da humanidade, pela
antevisão da felicidade e do enorme estado de progresso que aguarda a todos.
Esses Espíritos foram considerados deuses, e suas vidas em um mundo melhor, a
felicidade destinada ao homem virtuoso no seio da divindade. Mas, porque no
céu? Em agosto de 1858, a pretexto de um novo artigo acerca de Júpiter e seus
relatos, Allan Kardec começa assim:
“Se há um fato que gera perplexidade entre certas pessoas convencidas da
existência dos Espíritos – não nos ocuparemos aqui das outras – é seguramente a
existência de habitações em suas cidades, tal como ocorre entre nós. Não me
pouparam de críticas: ‘Casas de Espíritos em Júpiter!... Que gozação!...” – Que
seja, nada tenho a ver com isso. (...)”
E prossegue
explicando:
“Desde que o Espírito se encarna num mundo submetido, como o nosso, a
uma dupla revolução, isto é, à alternativa de dias e noites e ao retorno
periódico das estações; desde que tenha um corpo, por mais frágil seja esse
envoltório material, não reclama apenas alimentação e vestuário, mas, também,
um abrigo ou, pelo menos, um local de repouso, consequentemente uma casa. Com
efeito, foi exatamente isso que nos disseram. Como nós, e melhor que nós, os
habitantes de Júpiter têm seus lares comuns e suas famílias, grupos harmoniosos
de Espíritos simpáticos, unidos no triunfo depois de o haverem sido na luta.
Daí as moradias tão espaçosas, que podemos chamar, merecidamente, de palácios.
Como nós, ainda, esses Espíritos têm suas festas, suas cerimônias, suas
reuniões públicas, o que explica a existência de edifícios especialmente
destinados a essas finalidades. Finalmente, devemos encontrar nessas regiões
superiores toda uma Humanidade, ativa e laboriosa como a nossa, como nós
submetida a leis, necessidades e deveres, com a só diferença de que o
progresso, rebelde aos nossos esforços, torna-se conquista fácil para os
Espíritos que já se despojaram de nossos vícios terrestres.”
Não poucos
desavisados levaram essas e as demais descrições de Júpiter, tomadas à priori,
como a confirmação da existência de Colônias Espirituais, em particular neste
mundo – mas o Codificador utiliza aqui o termo Espírito, assim como nós mesmos
o utilizamos na condicional de referir-se ao ser principal, já que os
habitantes de Júpiter não poderiam ser considerados homens como os da Terra;
sua humanidade é outra, suas características físicas e espirituais,
principalmente, os difere por completo da humanidade terrestre. Allan Kardec os
descreve pelos seguintes termos:
“O corpo desses Espíritos, como aliás o de todos os que habitam Júpiter,
é de uma densidade tão leve que só encontra termo de comparação nos fluidos
imponderáveis: um pouco maior do que o nosso, do qual reproduz exatamente a
forma, embora mais pura e mais bela, ele se nos apresentaria sob a aparência de
um vapor, termo que emprego a contragosto, por designar uma substância ainda
muito grosseira; de um vapor, dizia eu, impalpável e luminoso... luminoso
sobretudo nos contornos do rosto e da cabeça, porquanto ali a inteligência e a
vida irradiam-se como um foco muito ardente. E é justamente esse brilho
magnético, entrevisto pelos visionários cristãos, que nossos pintores
traduziram pelo nimbo ou auréola dos santos.”
Mas, para os que, por
quaisquer razões encontram dificuldade para interpretar o lido, Allan Kardec,
na edição de fevereiro de 1861 da Revista Espírita, em questões dirigidas a São
Luís, também ele encarnado em Júpiter, tem a resposta:
“Então os Espíritos que habitam Júpiter e que se comunicaram conosco
encontravam-se mergulhados em sono?
R.: Certamente. Naquele mundo, sendo o Espírito muito mais elevado,
melhor compreende Deus e o Universo; mas o seu passado se apaga por enquanto,
sem o que se obscureceria a sua inteligência. Ele mesmo não se compreenderia;
seria o homem da África, o da Europa ou da América? O da Terra, de Marte ou de
Vênus? Não se recordando mais, é ele mesmo, o homem de Júpiter, inteligente,
superior, compreendendo a Deus; eis tudo.”
Uma vez encarnados e,
vindo revelar sua situação de existência em Júpiter durante o sono, os
Espíritos de Bernard Palissy e São Luís fizeram mais do que apenas atiçar o
desejo humano pela própria melhoria, foram coparticipes dos trabalhos da Codificação
espírita; este último, em particular, teve presença ativa nas Obras Básicas, ficando seu nome listado nos Prolegômenos de O
Livro dos Espíritos. E o que guarda de mais surpreendente as descrições da
vida em Júpiter e que dizem respeito ao presente artigo? Oleiro que na Terra
viveu de 1510 a 1589, na região de Saint-Genis-de-Saintonge, comuna francesa na
região administrativa da Nova Aquitânia, Bernard Palissy descreve Júpiter pelos
seguintes dizeres:
“É a cidade terrestre que descrevo aqui, de certo modo material, a
cidade das ocupações planetárias, a que chamamos enfim, de Cidade baixa. Tem
suas ruas ou, melhor dizendo, seus caminhos traçados para o serviço interno;
tem suas praças públicas, seus pórticos e suas pontos lançadas sobre canais
para a passagem dos serviçais. Mas a cidade inteligente, a cidade espiritual, a
verdadeira Julnius, finalmente, não se encontra na Terra: é preciso que se a
procure no ar.”
“Nosso dia tem a duração de cinco horas, e nossa noite igualmente dura o
mesmo tempo; mas tudo é relativo e, para seres aptos a pensar e a agir como o
fazemos, para Espíritos que se compreendem pela linguagem dos olhos e que sabem
comunicar-se magneticamente a distância, nosso dia de cinco horas já igualaria
uma de vossas semanas. Em nossa opinião era ainda muito pouco; e a imobilidade
da morada, o ponto fixo do lar era um entrave para todas as nossas grandes
obras. Hoje, pelo deslocamento rápido dessas moradas de pássaros, pela
possibilidade de nos transportarmos, bem como os nossos, a tal ou qual endereço
do planeta à hora do dia que nos apraza, nossa existência pelo menos dobrou e,
com ela, tudo quanto se possa conceber de útil e de grandioso.”
“Em determinadas épocas do ano – aduz o Espírito – em certas festas; por
exemplo, verás aqui o céu obscurecido pela nuvem de habitações que nos vem de
todos os pontos do horizonte. É um curioso agregado de moradias esbeltas, graciosas,
leves, de todas as formas, de todas as cores, equilibradas em diferentes
alturas e continuamente em marcha, da cidade baixa para a cidade celeste:
alguns dias depois, faz-se o vácuo pouco a pouco e todos esses pássaros
desaparecem.”
Concebamos o seguinte
cenário com base no apresentado até aqui – o animal alcança meio de progresso
próprio que o habilite a estagiar em Júpiter; lá, tem um corpo humanoide, mãos
hábeis e uma linguagem articulada. Sua razão de ser é a realização do trabalho
braçal, com este adquirindo mais e mais experiências e conhecimentos; seu amo,
a figura vaporosa que habita as casas que flutuam nos céus, é a quem dedica
afeição e obediência sincera, e por quem realiza de bom grado as tarefas que
lhes são dadas. Sucessivas encarnações em tal conjuntura o põe as portas da
condição humana, impelindo-o a viver num planeta apto ao seu progresso. De
retorno à Terra, por exemplo, encontra-se numa forma limítrofe, ainda não
plenamente humana, simiesca, mas, que o permite manifestar-se como até então o
fazia. Todavia, seu amo não está mais lá – ou, talvez não – tal qual Palissy e
São Luís, estando em repouso, os bons Espíritos de Júpiter vieram acompanhar o
progresso daqueles seres por quem desenvolveram afeto e carinho, e para esses
apareceram sob a forma espiritual, os inspirando e incentivando, numa interação
que pode, muito bem, ter prosseguido ao longo de milênios. Neste ponto, o proto-humano
já feito homem, interagia com seu amo por meio da ostensiva mediunidade, e
deles recolhia as impressões de uma vida mais feliz num mundo idílico. As casas
flutuantes de Júpiter não eram apenas a morada dos ‘deuses’, mas a promessa
daqueles que em vida fossem virtuosos e bons, tão bons que para lá seriam
levados – e é o que de fato há de ocorrer pela progressão do Espírito. Tanto a
lembrança atávica de tais estruturas que flutuavam na atmosfera mais acima,
quanto o relato dos habitantes destas colhidos por meio da mediunidade
ostensiva não poderiam ter-se traduzido, pela fortíssima impressão que deixaram
na alma desses animais convertidos em homens, na ideia da morada celeste para
os eleitos? Não seria o céu uma reminiscência das casas flutuantes de Júpiter,
ou mesmo de mundos semelhantes em progresso? É uma hipótese que positivamente
defendemos.
Esta doutrina
conforta o Espírito que não sabe lidar com a liberdade, que não se atém ao
próprio livre-arbítrio, para quem uma casinha de tijolos vermelhos com um belo
jardim e uma cerquinha branca, como as antigas habitações interioranas, muitas
das quais ainda existentes e em pleno uso nos rincões perdidos do país, exortam
uma época inocente que apraz, que remonta a uma visão pastoril ideal de existência.
O "wanderlust", ou seja, a ideia do prazer em viajar, em
deambular, em explorar a existência não alcançou tais Espíritos – o bucolismo
de uma vida passada em rotina quase sacerdotal, sem sobressaltos e o inerente
receio que estes causam, é lhes mais atrativo e pelo qual lutam e anseiam, e
aguardam na vida espiritual. Todavia, a lei do progresso impele a mudança, e
quem resiste a ela acaba arrastado.
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