O estudo do percurso humano ao longo das eras
dá a chave para o entendimento de uma série de fenômenos erroneamente
considerados anômalos, ou inéditos. Civilizações que colapsaram apresentaram
sinais de turbulência social nos anos que antecederam a iminência do fim; a
história bíblica das cidades de Sodoma e Gomorra é uma parábola de tais
acontecimentos, bem como a queda da Atlântida – e um sem número de outros casos
presentes nas culturas do mundo registram cidades, reinos, povos e civilizações
que deixaram de existir, e o fizeram por degeneração moral e social, por
haverem adotado comportamentos que degradaram aos deuses. Em entrevista ao
programa Roda Viva da Tv Cultura de São Paulo, a intelectual americana Camille
Paglia relata o seguinte, em resposta a uma pregunta que lhe foi dirigida a
respeito de como ela vê a questão da transgeneralidade no mundo:
“Descobri, em meu estudo, que a História é
cíclica. Em qualquer lugar do mundo você encontra um padrão, em períodos
antigos que, quando uma cultura começa seu declínio, você tem o surgimento do
fenômeno transgênero. Isso é um sintoma de colapso de uma cultura. (...)
Acredito que com a mudança das culturas, sim, existem definições distintas de
homens e mulheres. Em culturas mais sofisticadas os sexos se unem, mas então há
um grande colapso e recomeçamos a história humana, e existe a separação dos
sexos.”
Embora se possa discordar da História humana
como um ciclo, as mudanças se darão apenas quando os padrões se tornarem
obsoletos. E acaso isto seja real para o Espírito que, após se enfastiar de uma
paixão ou hábito, altera seu comportamento, para a coletividade humana o mesmo
parece se dar, ainda que estudiosos como Camille Paglia apontem padrões de
comportamento que, adotados pela coletividade, pareçam repetir-se ao longo da
História. Mas, esta questão acessória, que há de interessar em muitos outros
artigos, e pode servir de incentivo ao estudioso que deseja conhecer melhor o
comportamento humano ao longo de sua trajetória milenar, há de convir para a
questão presente no pormenor do que subsiste no seio do Espírito, de seu
pensamento, da sua história pessoal e de sua relação com o mundo; em particular
com os animais. Considerando que o comportamento há de repetir-se até a
obsolescência e, enfim gerar a mudança, o Espírito traz em si um modo de ser,
de portar-se e um arcabouço de crenças e paixões que sobrevive ao fenômeno da
morte, e da reencarnação. Mesmo o inerente esquecimento do passado não pode
apagar o que na criança se manifesta em comportamentos inatos, em ideias
atavicamente presentes e que fascinam familiares, educadores e observadores
domésticos.
Hanuman, o deus macaco hindu possui um templo dedicado a si chamado Sankat Mochan, que fica em Varanasi, situado às margens do rio Assi. Esse templo é mundialmente conhecido por abrigar macacos, centenas deles, que recebem afoitos os visitantes em busca de alimento fácil, ao que os devotos ofertam com tal mesma avidez, ficando os turistas perplexos com essa dinâmica. Mas, em termos de causar admiração, o templo de Karni Mata que fica em Dashnoke no Rajastão, é ainda mais espantoso. E espantoso por conta de seus milhares de ratos, que são alimentados pelos devotos com leite. Karni Mata teria sido uma asceta do século XIV que, em vida fora considerada reencarnação da deusa Durga. Conta-se que dentre seus muitos poderes sobrenaturais, fora capaz de ressuscitar seu enteado, sob a forma de um rato, contudo. Antes de morrer, Karni Mata teria decretado que todos os seus descendentes reencarnariam como ratos a partir de então. O templo é consequência desta crença – e nenhum devoto lança dúvidas quanto a esta e outras histórias relacionadas a sua figura de adoração. As manifestações da fé hindu têm diversos exemplos de deuses a avatares que, se não são diretamente relacionados a animais, são eles próprios meio animais, como Ganesha, para citar outro afamado exemplo.
As bases das manifestações religiosas hindus
são extremamente antigas; mas em tais termos, a fé que os egípcios antigos
professavam era ainda mais primordial, e seu panteão de deuses é a constatação
disto – Bastet a deusa gata, Sobek o deus crocodilo, Rá o deus falcão, Anúbis o
deus com cabeça de chacal, e os exemplos são incontáveis. Imagina-se quanto
transcorreu para que a fé dos Espíritos que se reencarnaram naquele país e
período histórico fosse abandonada, ou alterada para a adoração a uma divindade
com a figura humana. No tocante a adoração propriamente dita, os que a
manifestam com ardor e fervor perene, parece pouco importar a figura, mas a o
que ela está ligada ou relacionada. As manifestações marianas são incontáveis
no mundo cristão atual, e cada uma delas está diretamente associada a solução
de algum problema, ou a adoração a um específico aspecto da fé cristã; e o
mesmo se aplica a todos os demais santos desta religião. São Cristóvão, por
exemplo, tem sua figura associada a proteção dos viajantes e motoristas, porque
se conta que, sujeito forte e muito alto, habitando próximo a um rio caudaloso,
fora certa feita admoestado por um garotinho que pretendia atravessar a
correnteza para alcançar a outra margem. De bom grado o gigante Cristóvão pôs a
criança em seus ombros e partiu com um cajado para dentro das águas – a cada
passo o fluxo do rio aumentava em violência, e o garotinho ganhava mais e mais peso.
Mas o santo não fraquejou, e ao alcançar a margem oposta, exausto e encharcado,
retirou de seus ombros não o menino, mas um homem que se revelou Jesus. A
imagem que representa Cristóvão é a de um homem entrando num rio, portando seu
cajado numa mão e tendo um menino nos ombros. Todavia, outra história associada
ao santo possui uma representação bem mais bestial, mas por uma boa razão.
Alto, forte e invulgarmente belo, após a experiência com Jesus em pessoa,
Cristóvão converteu-se a vida monástica; porém, constantemente assediado pelas
moças em flor, orou fervorosamente a Deus para que o pusesse feio a fim de
evitar a tentação sexual. Pediu Cristóvão, recebeu Cristóvão – a partir de
então, o santo adquiriu as feições bestiais de um cão, e por conta desta história,
para a Igreja Ortodoxa Grega, São Cristóvão é representado como um homem com
cabeça de cão.
Numa sociedade que, culturalmente criou outros
símbolos e expressões de fé, que a relativizou dentro de um espectro muito
estrito da vida em convívio, para certas camadas dos indivíduos que a compõem,
como se dá a manifestação do fervor religioso? Do que antes ou até então, em
uma ou mais de uma existência passada, era articulada num templo, diante da
imagem de um santo, de um deus zooantropomorfizado, como a fé se fará presente
na vida intima destes? Assim como a culpa cristã precisou recair sobre a
capacidade humana de emporcalhar o meio em que vive, até o ponto de
supostamente causar alterações climatológicas significativas, a fé num deus
representado por um animal denuncia-se pela adoração a este animal em
particular. O afloramento dos atavismos, ou seja, dos caracteres psicológicos
do Espírito, que traz de experiências marcantes pretéritas, são a causa de
muitos fenômenos estranhos na sociedade atual. Todavia, não apenas por este,
mas o espírito próprio do tempo atual, com seus exageros e hipocrisias
particulares, é o desencadeador de condicionamentos que arrolam e sufocam
indivíduos deste a primeira infância. Indivíduos são condicionados a estudar,
trabalhar, relacionar-se, casar-se e ter filhos, ter animais de estimação,
professar uma religião, viajar, divertir-se, enfim, toda uma gama de ações
comportamentais que são expressos numa espécie de encadeamento, de produção
serializada e castradora das potencialidades da manifestação da vida humana em
sociedade. Ninguém parece pensar para onde se vai, a que custo, e por que
razões – e quando pensa, advém a depressão, a doença mental, o ocaso e a morte
em profunda perturbação espiritual.
Acaso a culpa cristã transtornou-se em culpa pela derrocada das condições climáticas favoráveis a vida no planeta, a adoração ancestral tornou-se a cinofilia dos dias correntes, que não apenas contempla aos cães, mas recai sob toda sorte de animais domésticos, os pets. Pela junção de condicionamentos e atavismos, os indivíduos se fecham em verdadeiras correntes de práticas e expressões de uma fé compartilhada, que embora não contemple um sistema doutrinário religioso em particular, de urdidura teórica constituída, não deixam de se assemelhar ao que se pode ver de parte dos cultores de Hanuman e Karni Mata. Clínicas veterinárias e petshops tornaram-se templos de adoração, e os animais verteram em ídolos vivos, representações me miniatura dos atributos mais admiráveis do homem, mas que, em contrate, estes não são portadores – ou, ao menos é o crido pelos devotos dos pets. Tão real é esta seita que se formou nem derredor dos animaizinhos de estimação que todo um complexo credo desenvolveu-se aí - os animais são considerados seres superiores ao homem, capazes de amar sem impor condições e de expressar sentimentos e emoções que denotam alta moralidade e princípios éticos puros, são emissários especiais de poderes de cura sobrenaturais e de identificação do mal; e mais, dotam seus proprietários de um prestígio semelhante àquele outorgado a um sacerdote, emprestando-lhes superioridade moral – claro, todo aquele que comete o pecado de não ser proprietário de um pet, ou sequer lhes ser simpáticos, é necessariamente inferior, ou apenas mau-caráter, semelhante aos torturadores de animais, quando não torturadores em potencial.
Os dados
comprobatórios que dão conta desta seita estão espargidos em toda parte, desde
conversas informais entre dois proprietários de pets, como também e
principalmente, em redes sociais cujo caráter aglutinador fornece o ambiente
adequado para a troca de mensagens que apontam para este credo. O ilegítimo
conjunto de supostos adeptos do Espiritismo, conhecido por 'movimento
espírita', pouco ou nada fornece para apaziguar e racionalizar a questão,
fazendo justamente o contrário e se colocando ombro a ombro aos crentes do
movimento pet. Obviamente, num exercício contínuo de deturpar o
Espiritismo, não poucos vão as letras e aos púlpitos de palestras para alardear
inverdades contribuindo ainda mais para a confusão e a descrença na Doutrina.
Francisco Cândido Xavier é, pois, um grande exemplo neste sentido – adorador da
vida animal, o médium de Pedro Leopoldo tem algumas histórias envolvendo
animais em erraticidade. Conta-se que certa noite duas senhoras foram ao
encontro de Chico em prantos; choravam a perda de seu cão. Ele as consolou
afirmando: “Quando nossos animais domésticos morrem, é comum eles ficarem em
nossas casas. Eles são como nós: possuem almas. Os Espíritos que cuidam da
natureza costumam deixá-los por algum tempo com o dono até que possam renascer.”
Chico não teria como comprovar o que disse, nem se quisesse, pois faltavam-lhe
luzes para compreender a questão a contento. Em outra ocasião, quando Chico
retornava de seu trabalho como funcionário público, deu com seu cão, de nome
Lorde, convulsionando e agonizando na cozinha. Chico narrou mais tarde os
últimos momentos deste, quando viu a alma de outro cão surgir e lamber o
companheiro, como para apaziguar o sofrimento deste em seu fim. O que tem o
Espiritismo a afirmar acerca da questão? Os aderentes da adoração pet
não guardam dúvidas quanto ao caráter angelical de seus animais, e que para
estes um local idílico no pós vida os aguarda.
A questão
de número 600 de O Livro dos Espíritos versa para o seguinte:
“A alma do
animal, sobrevivendo ao corpo, depois da morte, fica num estado errante, como a
do homem?
Fica numa espécie de erraticidade, já que não está unida a um
corpo; não é, porém, um Espírito
errante. O Espírito errante é um ser que
pensa e age por sua livre vontade; o dos animais não dispõe da mesma faculdade;
a consciência de si mesmo é o atributo principal do Espírito. O Espírito do
animal é classificado, depois da morte, pelos Espíritos incumbidos disso e,
quase imediatamente, utilizado; ele não tem tempo de se relacionar com outras
criaturas.”
O Livro dos Médiuns, a propósito, exibe o
seguinte em seu capítulo XXV, Das
Evocações, no item Evocações dos
Animais:
“36.
Pode evocar-se o Espírito de um animal?
Depois da morte do
animal, o princípio inteligente que nele havia se acha em estado latente e é
logo utilizado, por certos Espíritos incumbidos disso, para animar novos seres,
em os quais continua ele a obra de sua elaboração. Assim, no mundo dos
Espíritos, não há, errantes, Espíritos de animais, porém unicamente Espíritos
humanos.”
“36 a) Como é então que, tendo evocado
animais, algumas pessoas hão obtido resposta?
Evoca um rochedo e
ele te responderá. Há sempre uma multidão de Espíritos prontos a tomar a
palavra, sob qualquer pretexto.”
Então o Espírito canino que, desencarnado vai
consolar ao cão agonizante de Chico Xavier o que era? Ora, o Espírito humano
que tomou a forma do cão, seja porque assim podem agir os Espíritos incumbidos
de lidar com a alma dos animais, seja então um Espírito que pelos animais
devota adoração e zelo, e sob a forma de seu objeto de devoção, buscou auxiliar
ao pobre cão nos estertores finais. Unidas as crenças dos petmaníacos ao
dos supostos espíritas tem subsistida outra questão, uma crença infundada,
segundo a qual os animais são dotados de mediunidade. Em O Livro dos Médiuns, o capítulo XXII é todo dedicado a tratar da
questão, onde pode-se ler o seguinte trecho, transcrito de uma comunicação de
Erasto dada a Kardec, onde se manifesta tão acertadamente acerca do assunto que
o Codificador deixou para este concluir:
“O cão que, pela sua inteligência superior entre os animais, se tornou o
amigo e o comensal do homem, será perfectível por si mesmo, por sua iniciativa
pessoal? Ninguém ousaria afirmá-lo, porquanto o cão não faz progredir o cão. O
que, dentre eles, se mostre mais bem-educado, sempre o foi pelo seu dono. (...)
É certo que os Espíritos podem tornar-se visíveis e tangíveis aos animais e,
muitas vezes, o terror súbito que eles denotam, sem que lhe percebais a causa,
é determinado pela visão de um ou de muitos Espíritos, mal-intencionados com
relação aos indivíduos presentes, ou com relação aos donos dos animais. Ainda
com mais frequência vedes cavalos que se negam a avançar ou a recuar, ou que
empinam diante de um obstáculo imaginário. Pois bem! Tende como certo que o
obstáculo imaginário é quase sempre um Espírito ou um grupo de Espíritos que se
comprazem em impedi-los de mover-se. (...) É-nos sempre necessário o concurso consciente, ou inconsciente, de um médium humano,
porque precisamos da união de fluidos similares, o que não achamos nem nos
animais, nem na matéria bruta. (...) Assim, pois, como não há assimilação
possível entre o nosso perispírito e o envoltório fluídico dos animais,
propriamente ditos, aniquila-los-íamos instantaneamente, se os mediunizássemos.
(...) Sabeis que tomamos ao cérebro do médium os elementos necessários a dar ao
nosso pensamento uma forma que vos seja sensível e apreensível; é com o auxílio
dos materiais que possui, que o médium traduz o nosso pensamento em linguagem
vulgar. Ora bem! Que elementos encontraríamos no cérebro de um animal? Tem ele
ali palavras, números, letras, sinais quaisquer, semelhantes aos que existem no
homem, mesmo o menos inteligente?”
Mediunidade é comunicabilidade, e só pode
comunicar-se quem o faz inteligivelmente – um cão não faria mais que obrigar o
médium a latir, ganir e se coçar, um papel ridículo que o próprio mecanismo fluídico
pelo qual se dá o fenômeno não permite, segundo esclarece Erasto no extrato
acima transcrito. Como se pode observar, portanto, os cães não vão para o céu,
já que se reencarnam quase que de imediato, e no restrito tempo em que
permanecem desencarnados numa espécie de erraticidade, nenhuma interação com
outras criaturas ocorre. Isto é o que se encontra na Doutrina dos Espíritos –
mas a cada um reside a escolha do credo íntimo, desde que não cometa o crime de
corromper a terminologia espírita, ou de se enfileirar dentre os adeptos reais
do Espiritismo, destes que estudam e que têm em seus cães, gatos, aves e
répteis apenas animais domésticos, e não o seu objeto de culto, ou seu atestado
de idoneidade moral.
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