Ia a década de 1940 e a II Grande Guerra Mundial monopolizava as atenções de um mundo em tensão e expectativa – Chico Xavier passava ao largo do fato, possuía preocupações próprias. Tivera um acesso de uremia, depois viu-se obrigado a internar uma cunhada num hospício, e preso a rotina sacerdotal, lidava com Espíritos de toda sorte e a todo instante, desejoso apenas de cumprir o que combinara com Emmanuel – volumes e mais volumes, sem descanso ou distrações. Sua visão piorava, e antes que o escândalo decorrente do processo movido pela viúva de Humberto de Campos o colocasse sob os holofotes da nação uma vez mais, o médium mineiro recebeu Nosso Lar, obra de um Espírito acanhado o suficiente para rivalizar em humildade a ele mesmo, pois se escondia sob o nome de seu irmão André Luiz. Ledo engano – sem cerimônia, o escritor de além-túmulo que se alegava médico de origem carioca entrou de supetão na vida do médium e do ilegítimo 'movimento espírita brasileiro'. Não poucos supostos espíritas puseram senões a obra, mas o apoio de figuras consagradas no meio, como José Herculano Pires, e a mão tentacular da FEB, arrefeceram as críticas e as suscetibilidades em contrário.
Tendo comercializado mais de
1,5 milhões de exemplares, tornou-se um fenômeno editorial que só encontrou
paralelo décadas mais tarde, com o advento de Violetas na Janela, de
autoria de um Espírito que atende pelo nome Patricia, e que diversamente do
médico, ditou não mais que 4 obras, desaparecendo logo após. Antes disto, contudo,
as editoras 'espíritas' iniciaram uma espécie de corrida em busca de
autores que pudessem emular o estilo e a narrativa de Nosso Lar, com
vistas a estas tão superlativas vendas da obra psicografada por Chico Xavier.
Diversos exemplares tratando da existência no pós-vida surgiram, e o sucesso
posterior de Violetas na Janela apenas acentuou a tendência deste filão,
cuspindo fora todo bom senso, com a edição despudorada de obras cujo conteúdo
se opõe ao Espiritismo. Nosso Lar não foi diferente – mas afinal, do que
trata a obra? Decorrência direta de haver surgido pela primeira vez há exatos
75 anos, e ter sido tão amplamente aceita, Nosso Lar tornou-se um livro
arrolado a condição de cânone. E embora seja conhecido pela generalidade dos
supostos espíritas, o é apenas superficialmente, estando seus detalhes sob o
escrutínio dos estudiosos mais tenazes. Claro, o filme equivocadamente
realizado com base neste deu-lhe sobrevida; lançado há cerca de uma década,
suas principais passagens foram adaptadas a linguagem cinematográfica, ficando
algumas das que suscitam polêmicas resguardadas aos leitores. Acerca das
minúcias da obra focaremos esforços, usando a razão e o Espiritismo como
ferramentas para deslindar o caráter real desta e de seu autor; para tanto, enumeraremos
em itens por assunto as passagens que dão conta de tais obscuros pontos.
1. Para onde se vai após o
desencarne?
“_Estamos nas esferas
espirituais vizinhas da Terra, e o Sol que nos ilumina neste momento é o mesmo
que nos vivificava o corpo físico.” – cap.3 ‘A Oração Coletiva’
“Há regiões múltiplas para os desencarnados, como existem planos inúmeros
e surpreendentes para as criaturas envolvidas de carne terrestre.” – cap.7 ‘Explicações de
Lísias
“Nosso
Lar, portanto, como cidade espiritual de transição, é uma bênção a nós
concedida por "acréscimo de misericórdia", para que alguns poucos se
preparem à ascensão e para que a maioria volte à Terra em serviços redentores.”
– cap. 37 ‘A Preleção da Ministra’
“_O Umbral - continuou ele, solícito - começa na crosta terrestre. É a
zona obscura de quantos no mundo não se resolveram a atravessar as portas dos
deveres sagrados, a fim de cumpri-los, demorando-se no vale da indecisão ou no
pântano dos erros numerosos. (...) O Umbral funciona, portanto, como região
destinada a esgotamento de resíduos mentais; uma espécie de zona purgatorial,
onde se queima a prestações o material deteriorado das ilusões que a criatura
adquiriu por atacado, menosprezando o sublime ensejo de uma existência terrena.
(...) Concentra-se, aí, tudo o que não tem finalidade para a vida superior. E
note você que a Providência Divina agiu sabiamente, permitindo se criasse tal
departamento em torno do planeta. Há legiões compactas de almas irresolutas e
ignorantes, que não são suficientemente perversas para serem enviadas a
colônias de reparação mais dolorosa, nem bastante nobres para serem conduzidas
a planos de elevação. Representam fileiras de habitantes do Umbral,
companheiros imediatos dos homens encarnados, separados deles apenas por leis
vibratórias. (...) Lá vivem, agrupam-se, os revoltados de toda espécie. (...) É
zona de verdugos e vítimas, de exploradores e explorados. (...) Cada espírito
lá permanece o tempo que se faça necessário. Para isso, meu amigo, permitiu o
Senhor se erigissem muitas colônias como esta, consagradas ao trabalho e ao
socorro espiritual.” – cap. 12 ‘O Umbral’
“_Contudo,
Lísias, poderá você dar-me uma idéia da localização dessa zona de Trevas? Se o
Umbral está ligado à mente humana, onde ficará semelhante lugar de sofrimento e
pavor? (...) _Naturalmente, como aconteceu a nós outros, você situou como
região de existência, além da morte do corpo, apenas os círculos a se iniciarem
da superfície do globo para cima, esquecido do nível para baixo. (...) _Qual
acontece a nós outros, que trazemos em nosso íntimo o superior e o inferior,
também o planeta traz em si expressões altas e baixas, com que corrige o
culpado e dá passagem ao triunfador para a vida eterna. Você sabe, como médico
humano, que há elementos no cérebro do homem que lhe presidem o senso diretivo.
Hoje, porém, reconhece que esses elementos não são propriamente físicos e sim
espirituais, na essência.” – cap. 44 ‘As Trevas’
Ao leitor é ofertada uma
profusão de termos e expressões que se repetem a todo instante, com o fim de
localizar o cenário da história; ‘plano(s)’,
por exemplo, está presente 41 vezes na obra, assim como ‘esfera(s)’, que surge 66 vezes, ou ‘círculo(s)’, que aparece 44 vezes. Para as personagens da Colônia,
e posteriormente para André Luiz que a vem integrar, é fato da existência que,
desde o interior do planeta, ou seja, em meio às camadas geológicas da Terra,
até os mais altos extratos da atmosfera, da mais densa a mais rarefeita, o
pós-vida se divide em círculos, ora identificados por planos, ou esferas. Essa
terminologia é bastante pertinente, pois se adéqua perfeitamente a resposta que
os Espíritos deram a Allan Kardec em O Livro dos Espíritos, na questão
de nº 1017 (em algumas traduções pode ser a de nº 1016). Embora tenha sido transcrita
em postagem anterior, em 18 de agosto de 2019, para deixar patente o
cotejamento e as inferências que por ele se pode alcançar, se faz necessário
enxertá-la uma vez mais:
“1017. Alguns Espíritos disseram habitar
o quarto, o quinto céu, etc. Que entendiam eles por isso?
Quando lhes perguntais que céu habitam, é
porque tendes a idéia de vários céus, dispostos como os andares de uma casa;
então, eles vos respondem, conforme a vossa linguagem; mas, para eles, estas
palavras: quarto, quinto céu, exprimem diferentes graus de purificação e, por
conseguinte, de felicidade. É exatamente como quando se pergunta a um Espírito
se ele está no inferno; se for infeliz, dirá que sim, porque, para ele, inferno
é sinônimo de sofrimento; mas, sabe muito bem que não é uma fornalha.
Um pagão diria estar no Tártaro.
Acontece o mesmo com outras expressões
análogas, assim como: cidade das flores, cidade dos eleitos, primeira, segunda
ou terceira esfera, etc., que são apenas alegorias utilizadas por alguns
Espíritos, quer como figuras, quer, algumas vezes, por ignorância da realidade
das coisas e até das mais simples noções científicas. Conforme a idéia restrita
que outrora se fazia dos lugares das penas e recompensas e, principalmente, a
opinião de que a Terra era o centro do Universo, de que o céu formava uma
abóbada e de que havia uma região das estrelas, colocava-se o
céu no alto e o inferno embaixo; daí as expressões: subir ao céu, estar
no mais alto dos céus, ser precipitado nos infernos. Hoje, tendo a Ciência
demonstrado que a Terra é apenas um dos menores mundos, entre tantos milhões de
outros, sem importância especial; que traçou a história de sua formação e
descreveu sua constituição, provou que o espaço é infinito, que não há alto,
nem baixo no Universo, teve-se que renunciar a situar o céu acima das nuvens e
o inferno nos lugares inferiores. Quanto ao purgatório, nenhum lugar lhe havia
sido indicado. Estava reservado ao Espiritismo dar, sobre todas essas coisas, a
explicação mais racional, mais grandiosa e, ao mesmo tempo, mais consoladora
para a Humanidade. Pode-se dizer, assim, que trazemos, em nós mesmos, nosso
inferno e nosso paraíso; nosso purgatório, nós o encontramos na nossa
encarnação, nas nossas vidas corporais ou físicas.”
Constata-se que Allan Kardec não
apenas conhecia tais espécies de mensagens que atribuíam um local de morada
para os Espíritos em erraticidade, como sua profusão, fosse qual fosse, não
estava em concordância com o Controle Universal dos Ensinamentos dos Espíritos.
A isso, os Espíritos da Codificação responderam de pronto, negando a existência
de tais locais, reiterando tudo quanto se propuseram a revelar acerca do estado
de erraticidade em que permanecem os Espíritos entre uma encarnação e outra.
Não se bastasse este processo de planificação fantasiosa do mundo espiritual,
alguns entusiastas da obra se propuseram a dar sua contribuição. Heigorina
Cunha fora sobrinha de Eurípedes Barsanulfo, e apesar de portadora de sequelas
decorrentes da paralisia infantil, dedicara-se a mediunidade e a trabalhos de
benemerência, tendo em Chico Xavier, seu conterrâneo, o exemplo de existência
sacerdotal ascética que adotou para si – e assim como este, desencarnou
nonagenária. Em 1979, segundo se alega, teria, por meio de ‘desdobramentos’ (ver médiuns sonambúlicos
no capítulo XIV de O Livro dos Médiuns)
e, guiada por um Espírito de nome Lúcios, visitado a colônia de Nosso Lar,
tendo registrado tais experiências em desenhos, que acabaram por ser encartados
em sua obra Cidade no Além.
Imagina-se que teve a alegria de ver seus trabalhos servirem de guia para o
desenho de produção feito para o filme Nosso
Lar. Heigorina Cunha faleceu em 2013. Não há de representar dificuldade
para o leitor adquirir um exemplar desta obra a fim de examinar por si mesmo os
desenhos, mapas e planos representados, de próprio punho pela médium. Em vida,
Heigorina se escusou pela qualidade técnica destes, não imaginando que isto é
de somenos importância, levando-se em conta o representado. A um deles:
Curiosamente, a médium não
representou as esferas internas do planeta, aquelas pertencentes aos abismos e
trevas narrados em Nosso Lar. Destarte, como coube a ela ilustrar as descrições
de André Luiz, a um amigo de Chico Xavier ficou a tarefa de explorar o que não
estava nos desenhos. Rafael Américo Ranieri, delegado de polícia, e prefeito de
Guaratinguetá em 1968, eleito deputado estadual em 1974, além de invulgar
entusiasta de materializações de Espíritos. Também ele, em ‘desdobramento’, visitou as regiões
abismais do planeta, cujas impressões deram em descrições tão ou mais
fantásticas que as contidas em Nosso Lar,
de tal conta que muitos dos mais ferrenhos fãs de André Luiz têm dificuldade em
aceitar suas obras, sendo rejeitadas como apócrifas. Livros como O Abismo, Sexo Além da Morte, Aglon e
os Espíritos do Mar, A Segunda Morte
são exemplos desta fase obscura de André Luiz, caso tenha de fato trabalhado
para guiar as 'revelações' dadas ao delegado acerca do pós-vida. Mas,
que não se engane o leitor – se André Luiz é, por Chico Xavier já um desafio a
razão, em Ranieri ele não obstrui o autor para narrar algumas das passagens
mais fantásticas que qualquer 'espírita' há de por seus olhos. Rafael
Ranieri desencarnou em 1989, aos 70 anos, em Guaratinguetá, de acidente
vascular cerebral.
2. A Materialidade da vida após a vida
“Estava
convicto de não mais pertencer ao número dos encarnados no mundo e, no entanto,
meus pulmões respiravam a longos haustos.” – cap. 1 ‘Nas Zonas Inferiores’
“Tinha a
impressão de sorver a alegria da vida, a longos haustos.” – cap. 4 ‘O
Médico Espiritual’
“_ Não
posso negar que esteja melhor; entretanto, sofro intensamente. Muitas dores na
zona intestinal, estranhas sensações de angústia no coração. Nunca supus fosse
capaz de tamanha resistência, meu amigo. Ah! como tem sido pesada a minha
cruz!... Agora que posso concatenar idéias, creio que a dor me aniquilou todas
as forças disponíveis...” – cap. 6 ‘Precioso Aviso’
“Torturava-me
a fome, a sede me escaldava. Comezinhos fenômenos da experiência material
patenteavam-se-me aos olhos. Crescera-me a barba, a roupa começava a romper-se
com os esforços da resistência, na região desconhecida.” – cap. 2 ‘Clarêncio’
“Respirei
a longos haustos, sentindo que ondas de energia nova me penetravam o ser.”
– cap. 23 ‘Saber Ouvir’
“Último
adeus à dedicada mãe de Lísias e me vi só, respirando o ar de outros tempos, a
longos haustos.” – cap. 49 ‘Regressando a Casa’
São estes os exemplos de um Espírito
bastante materializado, com o uso constante de expressões que indicam a
existência de pulmões, intestinos, olhos e toda sorte de órgãos que não existem
mais. A palavra ‘pranto(s)’ aparece
16 vezes em Nosso Lar, mas esta quantidade
não dá conta de exprimir que, no decurso de 50 capítulos, seu protagonista
verte lágrimas em 49 deles – de tristeza, alegria, dor, revolta, o que o leitor
se propuser a imaginar, ou conferir pela leitura do mesmo; o choro copioso tem
por fim criar um vínculo emocional – é tanto uma técnica quanto um vício
literário, dada sua repetição constante, demonstrando as limitações
estilísticas de André Luiz. Outro exemplo neste tocante, é que ele sempre
respira ‘a longos haustos’, como se
nota pelos trechos acima. Nunca é um suspiro, uma respiração ofegante, ou algo
da mesma espécie. O pós-vida descrito em Nosso Lar
é todo humano, materialmente e fisicamente. A protagonista é sentimento e
emoção, despojado do racionalismo esperado para um médico. Assim, cada nova
descoberta não suscita o exame e a descrição fria, mas um inesgotável
deslumbramento expresso por um fraseado emotivo.
O Espiritismo revela que a erraticidade é um
vagar, um mover-se, é um não ter local de pouso, um deambular constante. Sustenta-se
na lógica mais básica acerca deste ponto, aliás, um argumento de fundo bastante
competente a desafiar o ideário de André Luiz – qual a razão de ser de uma
casa? De uma moradia? Sendo o corpo físico um frágil, ainda que adequado
instrumento das experiências materiais pelas quais o Espírito precisa passar a
fim de progredir, compreende-se a razão de preservá-lo, resguardando-o da ação
perniciosa dos elementos naturais como chuva e sol, variações extremas ou
bruscas de temperatura, além da ação direta e perniciosa de animais e outros
indivíduos, bem como o abrigo de objetos de uso cotidiano, necessários as
tarefas comuns do Espírito. Não é uma Colônia Espiritual uma cidade, e não é
uma cidade um amontoado de casas e edificações? Muitos já sustentaram que
Espíritos inferiores precisam de uma casa, de alimentos, de local para
banhar-se e obrar. O item 257 de O Livro
dos Espíritos, contudo, sustenta algo diverso:
“O corpo é o instrumento da dor; se não é a causa
primeira, é, pelo menos, a causa imediata. A alma tem a percepção dessa dor:
esta percepção é o efeito. A lembrança que dela conserva pode ser muito penosa,
mas não pode ter ação física. Com efeito, nem o frio, nem o calor podem
desorganizar os tecidos da alma; a alma não pode enregelar-se, nem queimar-se.
Não vemos, todos os dias, a recordação ou a apreensão de um mal físico
produzirem o efeito real? Ocasionar até a morte? Todo mundo sabe que as pessoas
amputadas sentem dor no membro que não existe mais. Certamente, não está, nesse
membro, a sede, nem mesmo o ponto de partida da dor; foi o cérebro que
conservou-lhe a impressão, apenas isto. Pode-se, portanto, admitir que haja
alguma coisa análoga nos sofrimentos do Espírito, após a morte.”
“O perispírito é o elo que une o Espírito à matéria
do corpo; ele é haurido do meio ambiente, do fluido universal; (…) Poder-se-ia
dizer que é a quintessência da matéria; é o princípio da vida orgânica, mas não
o é da vida intelectual: a vida intelectual está no Espírito. É, além disso, o
agente das sensações exteriores. No corpo, a recepção destas sensações
localiza-se nos órgãos que lhes servem de canais. Destruído o corpo, as
sensações tornam-se gerais. Eis por que o Espírito não diz que sofre mais da
cabeça do que dos pés. É preciso, ainda, evitar confundir as sensações do
perispírito, que se tornou independente, com as do corpo: só podemos tomar
estas últimas como termo de comparação e, não, como analogia. Liberto do corpo,
o Espírito pode sofrer; este sofrimento, porém, não é o do corpo.”
“Durante a vida, o corpo recebe as impressões exteriores e as transmite
ao Espírito por intermédio do perispírito, (...) Estando morto o corpo, nada
mais sente, porque nele não há mais Espírito, nem perispírito. O perispírito,
liberto do corpo, experimenta a sensação; porém, como ela não lhe chega mais
através de um canal limitado, torna-se geral. Ora, como o perispírito é apenas
um agente de transmissão, visto que é o Espírito que possui a consciência, daí
resulta que, se pudesse existir um perispírito sem Espírito, ele não sentiria
mais do que o corpo quando está morto; da mesma forma que, se o Espírito não
tivesse perispírito, seria inacessível a qualquer sensação penosa; é o que
acontece com os Espíritos completamente purificados. Sabemos que, quanto mais
eles se depuram, mais etérea se torna a essência do perispírito; donde se
conclui que a influência material diminui, à medida que o Espírito progride,
isto é, à medida que o próprio perispírito se torna menos grosseiro.”
“Sabemos
que no Espírito há percepção, sensação, audição, visão; que essas faculdades
são atributos do ser todo e não, como no homem, de uma parte apenas do ser;
mas, de que modo ele as tem? Ignoramo-lo. (...) Pode-se dizer que, neles, as
vibrações moleculares se fazem sentir em todo o ser e lhes chegam assim ao sensorium commune, que é o próprio
Espírito, embora de modo diverso e talvez, também, dando uma impressão
diferente, o que modifica a percepção. (...) Pelo que concerne à vista, essa,
para o Espírito, independe da luz, qual a temos. A faculdade de ver é um
atributo essencial da alma, para quem a obscuridade não existe. É, contudo,
mais extensa, mais penetrante nas mais purificadas. A alma, ou o Espírito, tem,
pois, em si mesma, a faculdade de todas as percepções. Estas, na vida corpórea,
se obliteram pela grosseria dos órgãos do corpo; na vida extracorpórea se vão
desanuviando, à proporção que o invólucro semimaterial se eteriza.”
Literalmente, o perispírito é matéria, mas nem
para o examinador menos apto ele há de suscitar ser confundido com o corpo
físico. O perispírito tem propriedades que, nem de longe, são observáveis neste
– ele é expansível, retrátil, maleável e penetrante. Para Allan Kardec, ele é
sempre tratado como um envoltório, justamente por cumprir a função de envolver
materialmente o Espirito, dando-lhe assim unidade e cumprindo a função de
ligá-lo a matéria do corpo físico. Em diversas de suas obras, André Luiz indica
a existência de outros corpos constitutivos do ser, sustentando assim um
ideário próprio acerca da questão – sua classificação guarda profunda
semelhança com aquela dada pela Teosofia, prescrevendo o ser constituído por
cinco corpos - corpo físico ou soma, duplo etérico ou biossoma, psicossoma,
corpo mental e espírito. O autor espiritual dedica-se a estes em Evolução em Dois Mundos, Nos Domínios da Mediunidade e em Nosso
Lar. O exame atento de seus escritos revela uma colcha de retalhos de
diversas vertentes e doutrinas, de ideias hauridas tanto no cânone ocidental
religioso, quanto nos herméticos tomos de sociedades exotéricas. Há Espiritismo
em André Luiz?
3. Objetos do além
“_ Se possível, estimaria
recebê-lo em nossa casa, enquanto perdurar o curso de observações (...)” – cap. 17 ‘Em Casa de
Lísias’
“_Guarde este documento –
disse-me o atencioso Ministro do Auxílio, entregando-me pequena caderneta –,
com ele, poderá ingressar nos Ministérios da Regeneração, do Auxílio, da
Comunicação e do Esclarecimento, durante um ano.” – cap. 17 ‘Em Casa de
Lísias’
“Passados minutos, eis-nos à porta de graciosa construção, cercada de
colorido jardim.” – cap. 17 ‘Em Casa de Lísias’
“Sentamo-nos, silenciosos, em torno de grande mesa. Ligado um grande
aparelho, fez-se ouvir música suave. Era o louvor do momento crepuscular.” – cap. 17 ‘Em Casa de
Lísias’
“Lísias se
aproximou de pequeno aparelho postado na sala, à maneira de nossos receptores
radiofônicos.” – cap. 17 ‘Em Casa de Lísias’
“No
centro, funciona enorme aparelho destinado a demonstrações pela imagem, à
maneira do cinematógrafo terrestre, com o qual é possível levar a efeito cinco
projeções variadas, simultaneamente.” – cap. 32 ‘Notícias de Veneranda’
“A
distância de quatro metros, aproximadamente, havia um grande globo cristalino,
da altura de dois metros presumíveis, envolvido, na parte inferior, em longa
série de fios que se ligavam a pequeno aparelho, idêntico aos nossos
alto-falantes.” – cap. 48 ‘Culto Familiar’
Acaso fosse possível aglutinar uma plateia de
indivíduos sem relação uns com os outros, como aquelas reunidas em espetáculos
ou palestras, e se lhes fosse pedido que imaginasse cada qual uma flor e, ainda
possível registrar o que se lhes ia ao pensamento numa única foto, o que se
veria? Um jardim? Possivelmente não! A capacidade humana de imaginar é limitada
a sua memória, e é praticamente impossível que alguém imagine um objeto, ou uma
flor, sem que ele esteja inserido num contexto. Nosso Lar está repleto de objetos, máquinas, veículos, aparelhos
estranhos, além de casas, jardins e animais próprios de qualquer cidade do
mundo físico. Em O Livro dos Médiuns
no capítulo VIII, intitulado Laboratório
do Mundo Invisível, tem-se o seguinte:
“Os
objetos que o Espírito forma, têm existência temporária, subordinada à sua
vontade, ou a uma necessidade que ele experimenta. Pode fazê-los e desfazê-los
livremente. Em certos casos, esses objetos, aos olhos de pessoas vivas, podem
apresentar todas as aparências da realidade, isto é, tornarem-se
momentaneamente visíveis e até mesmo tangíveis. Há formação; porém, não
criação, atento que do nada o Espírito nada pode tirar.”
Ou ainda:
“16ª
O Espírito tem sempre o conhecimento exato do modo por que compõe suas vestes,
ou os objetos cuja aparência ele faz visível?
Não; muitas vezes
concorre para a formação de todas essas coisas, praticando um ato instintivo,
que ele próprio não compreende, se já não estiver bastante esclarecido para
isso.”
Imaginemos uma gaveta de um móvel qualquer sendo
aberta, e de seu interior seja apanhado um objeto ali depositado – um gabinete,
uma escrivaninha ou armário possui a organização singular de seu proprietário;
aberrante seria não encontrar este objeto, que se espera que esteja naquela
específica gaveta. Para o Espírito errante, o objeto sempre estará lá, porque
ele será composto, formado, de modo instintivo, por sua necessidade,
expectativa, desejo, prazer, enfim. Este exemplo é meramente ilustrativo. Acaso
fosse possível ter acesso a esta hipotética gaveta sem a presença ou conhecimento
deste hipotético Espírito, nada haveria em seu interior – ‘Os objetos que o Espírito forma, têm existência temporária (...)’.
Não seria pela união conjunta de muitos Espíritos que se poderia sustentar uma
colônia? Por certo que, assim como seria impossível obter uma foto de um jardim
na medida em que uma plateia o imaginasse cada indivíduo desta, uma flor, não
seria possível que a perfeita união do pensamento de Espíritos criasse uma
cidade; cada casa estaria inserida num contexto, e seus detalhes e móveis
seriam tão temporários quanto a necessidade mais imediata deste ou daquele
Espírito. É impossível concentrar o pensamento indefinidamente num foco apenas.
O senso comum, e o 'sujeito espírita brasileiro' a ele não escapa,
imagina os Espíritos superiores e puros como demandando muito de seu tempo a
mais alta capacidade reflexiva, ao ato de pensar longos períodos nos mais
elevados temas de interesse universal – mas isto é um engano. Demorar-se em
reflexões e meditações é próprio de Espíritos meridianos como o humano. Quão
mais elevado o Espírito, mais conhecimento adquire, e mais rápido vai seu
pensamento; suas opiniões são justas e certas, sem hesitações, e suas decisões
são assertivas e de imediato, sem titubeios. Apenas pelo exercício da fantasia
imaginativa se poderia sustentar que Nosso Lar, se não é produto da mentalidade
coletiva de seus habitantes, o é por conta de um, ou mais de um Espírito superior,
que, mais corretamente ainda não agiria para conter Espíritos em uma cidade
flutuante, como procedem certos experimentos científicos que arrolam cobaias em
labirintos.
4. O ir e vir
“Mal me refazia
da surpresa, quando surgiu grande carro, suspenso do solo a uma altura de cinco
metros mais ou menos e repleto de passageiros. Ao descer até nós, à maneira de
um elevador terrestre, examinei-o com atenção. Não era máquina conhecida na
Terra. Constituída de material muito flexível, tinha enorme comprimento,
parecendo ligada a fios invisíveis, em virtude do grande número de antenas na
tolda. Mais tarde, confirmei minhas suposições, visitando as grandes oficinas
do Serviço de Trânsito e Transporte.” – cap. 10 ‘No Bosque das Águas’
“_Em "Nosso
Lar", grande parte dos companheiros poderia dispensar o aeróbus e
transportar-se, à vontade, nas áreas de nosso domínio vibratório; mas, visto a
maioria não ter adquirido essa faculdade, todos se abstêm de exercê-la em
nossas vias públicas.”
Por quais meios se
locomove o Espírito? Pronuncia-se O Livro dos Espíritos:
“89.Os Espíritos gastam
algum tempo para percorrer o espaço?
Sim, mas fazem-no com a
rapidez do pensamento.”
“89a. O pensamento não é a própria alma que se
transporta?
Quando o pensamento está em
alguma parte, a alma também aí está, pois que é a alma quem pensa. O pensamento
é um atributo.”
“90.O Espírito que se
transporta de um lugar a outro tem consciência da distância que percorre e dos
espaços que atravessa, ou é subitamente transportado ao lugar onde quer ir?
Dá-se uma e outra coisa. O
Espírito pode perfeitamente, se o quiser, inteirar-se da distância que
percorre, mas também essa distância pode desaparecer completamente, dependendo
isso da sua vontade, bem como da sua natureza mais ou menos depurada.”
A questão levantada
pela descrição de veículos recaí forçosamente ao item anterior – não havendo
como sustentar uma cidade fluídica, seus objetos e demais aspectos móveis não
subsistem. Mas, pela lógica de André Luiz expressa na narrativa, transportar-se
pelo pensamento parece ser um habilidade que está sujeita a aquisição, e não um
aspecto inerente do Espírito. A experiência mediúnica, todavia, permite
concluir que os Espíritos que ignoram por quais meios se pode ir de um ponto a
outro, o fazem enfileirando-se dentre os encarnados, tomando coletivos
públicos, aviões, táxis e toda sorte de transportes para poderem locomover-se
com a rapidez que não sabem possuir. Muitos dentre estes, aliás, tomam-se
surpresos por não poderem explicar por quais meios se deslocaram, de onde
estavam para o local em que as sessões de experimentação mediúnica estão ocorrendo.
É a prova de que se encontram por se acotovelarem em meio aos encarnados, assim
como, desde o princípio prescreve o Espiritismo.
5. Suspensão de
Incredulidade
“Obedecendo a
processos adiantados de televisão, surgiu o cenário de templo maravilhoso. Sentado
em lugar de destaque, um ancião coroado de luz fixava o Alto, em atitude de
prece, envergando alva túnica de irradiações resplandecentes. Em plano
inferior, setenta e duas figuras pareciam acompanhá-lo em respeitoso silêncio.
Altamente surpreendido, reparei Clarêncio participando da assembleia, entre os
que cercavam o velhinho refulgente.” – cap. 3 ‘A Oração Coletiva’
Qualquer leitor de Nosso
Lar pressupõe um exercício de suspensão da incredulidade, afinal se trata
desde então da narração das experiências reais pelas quais passou o autor André
Luiz. Ou assim supõe este – cabe ao espírita familiarizado ao tema examinar a
obra por meio de leitura crítica, expondo-a como um romance contrário ao
Espiritismo. Todavia, esta suspensão é exigida em demasia quando diante de
certos pontos anômalos – o exemplo acima enxertado dá conta desta questão, pois
que se pode atribuir a André Luiz a habilidade de poder contar num lance de
olhos 72 pessoas, assim como o fazem alguns indivíduos pertencentes ao espectro
autista, os portadores da Síndrome de Savant. Ou, por se estender de modo
moroso e sonolento, a oração coletiva demandou tempo suficiente para que
pudessem ser contabilizados o número exato das figuras observadas, numa
informação absolutamente inútil para o leitor, que motiva a suspeição quanto a veracidade
do romance.
6. Matrioska
“O sonho
não era propriamente qual se verifica na Terra. Eu sabia, perfeitamente, que
deixara o veículo inferior no apartamento das Câmaras de Retificação, em
"Nosso Lar", e tinha absoluta consciência daquela movimentação em
plano diverso. Minhas noções de espaço e tempo eram exatas.” – Cap. 36 ‘O
Sonho’
Em item anterior foi
demonstrado que André Luiz aponta a existência de cinco corpos constituintes do
ser, em contraponto aos três identificados pelo Espiritismo. Esta passagem é a
primeira, dentre todas existentes em suas obras, onde aborda a questão - e ela se refere a essa experiência que com ele se deu, de haver adormecido em Nosso Lar para ir visitar sua mãe em 'esferas superiores'; como isso é possível? Que 'veículo inferior' teria sido momentaneamente abandonado? O Espiritismo prescreve que o sono é um ensaio para a erraticidade, já que o Espírito, revestido pelo perispírito, abandona o corpo físico a fim de deambular e viver experiências neste período do dia. André Luiz desafia esta lógica espírita tão simples, aproximando sua narrativa a Teosofia, que prega serem sete os corpos constitutivos do
ser – esta, por conseguinte, busca fazer uma síntese das ideias presentes tanto
em filosofias orientais quanto ocidentais, sendo a base do pensamento esotérico
ocidental. Com o que está comprometido André Luiz? Para quem se aventurar em
textos ocultistas, subsistirá uma dificuldade inerente em entender a razão de
ser de cada um desses sete corpos, que fazem do ser humano uma espécie de
Matrioska. A proposta espírita para a questão é mais simples, lógica e racional.
7. Machista
André Luiz deixa
entrever, na passagem abaixo, um indisfarçável machismo, algo que em 1944, ano
em que foi lançado Nosso Lar, pode ter passado sem maior alarde. Parte
da definição dada a Espíritos pseudo-sábios pelo Espiritismo versa que “(...)
a linguagem deles possui um
caráter sério, que pode enganar sobre suas capacidades e suas luzes; mas, em
geral, isto não passa de um reflexo dos preconceitos e das idéias sistemáticas
da vida terrestre; é uma mistura de algumas verdades a erros os mais absurdos,
por entre os quais manifestam-se a presunção, o orgulho, o ciúme e a teimosia
de que não puderam despojar-se.” Preconceito, irmão das
mais rasteiras formas de machismo manifestos na sociedade, ao qual se verifica
refletido na obra do médico carioca, filho do século XIX, em todas as suas mais
demeritórias expressões:
“A mulher não
pode ir ao duelo com os homens, através de escritórios e gabinetes, onde se
reserva atividade justa ao espírito masculino. Nossa colônia, porém, ensina que
existem nobres serviços de extensão do lar, para as mulheres. A enfermagem, o
ensino, a indústria do fio, a informação, os serviços de paciência, representam
atividades assaz expressivas. O homem deve aprender a carrear para o ambiente
doméstico a riqueza de suas experiências, e a mulher precisa conduzir a doçura
do lar para os labores ásperos do homem.” – cap. 20 ‘Noções de Lar’
8. Contradição
“Instantes
depois, divisei ao longe dois vultos enormes que me impressionaram vivamente.
Pareciam dois homens de substância indefinível, semiluminosa. Dos pés e dos
braços pendiam filamentos estranhos, e da cabeça como que se escapava um longo
fio de singulares proporções. Tive a impressão de identificar dois autênticos fantasmas.
Não suportei. Cabelos eriçados, voltei apressadamente ao interior. Inquieto e
amedrontado, expus a Narcisa a ocorrência, notando que ela mal continha o riso.
_Ora essa, meu amigo – disse, por fim, mostrando bom humor –, não reconheceu
aquelas personagens? Fundamente desapontado, nada consegui responder, mas
Narcisa continuou: _Também eu, por minha vez, experimentei a mesma surpresa, em
outros tempos. Aqueles são os nossos próprios irmãos da Terra. Trata-se de
poderosos espíritos que vivem na carne em missão redentora e podem, como nobres
iniciados da Eterna Sabedoria, abandonar o veículo corpóreo, transitando
livremente em nossos planos. Os filamentos e fios que observou são
singularidades que os diferenciam de nós outros. Não se arreceie, portanto. Os
encarnados, que conseguem atingir estas paragens, são criaturas
extraordinariamente espiritualizadas, apesar de obscuras ou humildes na Terra.”
– cap. 33 ‘Curiosas Observações’
Nosso Lar está repleto de
passagens de tal natureza – com que critérios inferi-la? O fato de estar
envolto na carne não parece ser impedimento a Espíritos missionários,
extraordinariamente progredidos, abandonarem seus corpos a fim de empreender
uma jornada as regiões mais elevadas da atmosfera, onde está localizada a
colônia Nosso Lar, que mantém Espíritos da qualidade de um André Luiz,
ex-médico carioca, estigmatizado como suicida pelos abusos que cometeu em vida.
É no mínimo bizarro - o corpo físico é sinal de materialidade suficiente para
que qualquer encarnado esteja abaixo de um desencarnado? O progresso próprio do
Espírito está, então, diretamente relacionado ao fato de estar ou não
encarnado? André Luiz, portanto, dada sua condição de Espírito errante, divide
terreno com Espíritos que lhe são superiores em progresso? Por este raciocínio,
Jesus de Nazaré seria inferior a qualquer desencarnado durante o período em que
esteve entre a humanidade? As questões muitas suscitadas por esta passagem de Nosso
Lar parecem exigir uma lógica complexa demais para que o leitor possa ter
pleno o seu entendimento. Assim, como em todo o restante da obra, o que pode
vir a explicar esta passagem não é a Doutrina dos Espíritos, mas uma doutrina
pessoal autônoma, originada apenas e tão simplesmente do pensamento de André
Luiz; resiste, contudo, a suspeita de o autor estar aqui evocando o gnosticismo
para quem o mundo material é corrompido e mau.
Muitas outras
passagens mais podem ser evocadas pelo estudioso, sob pena de compor uma obra
duas ou três vezes mais volumosa que o próprio Nosso Lar, exclusivamente
com o fito de revelar se tratar da obra de um Espírito pseudo-sábio, produto de
uma mente imaginativa, afeita ao romance. O compromisso de André Luiz, pode-se
especular, não é outro que não o de qualquer romancista, ou seja, apenas
entreter – neste aspecto, sua obra deixa muito a desejar; ela, em realidade,
enfileira-se a tradição de obras como A Divina Comédia, encontrando um
forte parentesco com A Vida Além do Véu, de autoria do Rev. George Vale
Owen. Esta, por conseguinte, é apontada como aquela que teria inspirado Nosso
Lar, enquanto que, para outros estudiosos, ela foi plenamente copiada por
André Luiz, ou Chico Xavier, num flagrante caso de plágio; tal questão há de
encontrar melhor espaço em futuras postagens. Nosso Lar, enquanto
literatura, é uma obra incapaz de figurar entre as grandes experiências de um
leitor obstinado – sua expressiva vendagem deixa entrever a razão exata de sua
existência, e do contexto que a viu surgir. O médium que a pôs no papel não foi
escolhido ao acaso, ou por que fosse o melhor tradutor das ideias do Espirito
desencarnado, mas por que era o único capaz de fazê-lo; mas não pelas razões
positivas que se pode imaginar. Não seria o nome do Espírito, um desconhecido a
chamar a atenção do público, mas do seu psicógrafo, o homem que emprestava sua
vida humilde, seu passado sofrido e seu caráter servil a divulgação da
mensagem, e não propriamente do Espiritismo, falecido este desde que os 'místicos'
suplantaram os 'científicos' no início do século XX (ver publicação
deste blog de 3 de agosto de 2019).
Muita lógica
mercadológica foi posta em prática em derredor de Chico Xavier, sempre tão
afogado em compromissos que nenhuma reação esboçou, ou talvez, não tenha
desejado esboçar; e a mítica imposta ao médium, a custa de uma existência
estoica, quase ascética, num mediunato, tornou-o o líder improvável de um
movimento ilegítimo. A figura frágil e servil de um aleijão amorável, um matuto
vertido em sábio, o maior escritor brasileiro frente ao qual nenhuma crítica ou
oposição resistiu, era e foi o simplório perfeito para dar voz a André Luiz, e
a outros tantos que nenhuma contribuição deram ao Espiritismo; ao contrário,
desferiram duros golpes na tentativa de muitos que buscaram instruir-se,
perpetrando o engano, fomentando o engodo. Chico, por exemplo, afirmou certa
feita o seguinte: “Creio
que sim. Conservo para mim a certeza de que ele, Emmanuel, terá participado da
equipe que colaborou na estrutura da codificação da Doutrina Espírita. A
mensagem intitulada ‘O Egoísmo’, (...) em que se faz referência a Pilatos, é de
autoria de nosso benfeitor espiritual, não tenho dúvidas a este respeito.” –
quando, em realidade, a mensagem referida, contida em O Evangelho Segundo o Espiritismo, é de Emmanuel Swedenborg, polímata sueco que realmente participou do processo da Codificação espírita. Essa e outras contribuições
saídas da boca e da pena de Chico Xavier ganharam o mundo, com a força
proporcional a importância dada a ele – suas palavras se fizeram leis, seus
livros e sua vida se tornaram o guia existencial de um sem número de pessoas
que, erroneamente, se consideram espíritas.
Adentrar tais meandros do modo
de ser, das ações e palavras de Chico Xavier serão o mote para o porvir. Quanto
a André Luiz, como assim expresso foi, muito mais há que apontar em suas obras
em passagens estranhas e insólitas; sequer foram abordados os trechos que
descrevem a existência de animais na Colônia, especificamente uma ave chamada
Íbis Viajores, cuja razão de ser é se alimentar das formas mentais odiosas que
pululam nos céus obumbrados do Umbral – uma invencionice teratológica que
rivaliza com aquelas existentes na série escrita por R. A. Ranieri, como
apontado anteriormente. A questão animal já fora detidamente abordada em
postagem datada de 14 de agosto de 2019. Mas, uma pergunta mais
resta e, ao que consta, jamais fora abordada anteriormente, que diz respeito ao
paradeiro do benfeitor espiritual de André Luiz. Onde estaria ele? Porque não
integrou a equipe de socorro que o foi resgatar no Umbral? Não estando lá,
porque não o encontrou posteriormente na Colônia? Não saberia o autor acerca dos
guias espirituais, também chamadas benfeitores, ou popularmente conhecidos por
anjos guardiões? Acerca deste O Livro dos
Espíritos revela:
“506. Na vida espírita, reconheceremos o
Espírito nosso protetor?
Decerto,
pois não é raro que o tenhais conhecido antes de encarnardes.”
O que terá acontecido a ele? André Luiz não
pareceu muito interessado na questão; por ignorância? Ou por esquecimento?
Talvez, tenha sido um personagem difícil de alocar na trama, já que mais de um
dentre aqueles que o autor encontrou ao longo de toda narrativa conheciam-lhe a
vida e a história, como se transparente fosse. Uma conveniente e oportuna
maneira de explorar os aspectos existenciais da protagonista, suprimindo,
todavia, a presença do benfeitor espiritual; uma ausência pouco sentida, ou
sequer percebida – não para todos.
________________
Em notícia relativamente recente, Chico Xavier e
André Luiz, foram alvo do escrutínio de uma revista científica europeia, a
Neuroendocrinology Letters, que no seu exemplar de nº 8, do volume 34, publicou
artigo de autoria de Giancarlo Lucchetti, Jorge C. Daher Jr., Decio Iandoli
Jr., Juliane P. B. Gonçalves e Alessandra L. G. Lucchetti, que realizaram estudo
comparativo entre as 'revelações' de André Luiz acerca da glândula
pineal contidas em Missionários da Luz frente as recentes descobertas
médicas relativas a este órgão. Claro, por tratar-se de pesquisa e estudo
urdido a partir da AME (Associação Médico-Espírita do Brasil), não seria
aberrante encontrar os mesmos equívocos comuns ao ilegítimo 'movimento
espírita brasileiro', e eles de fato lá estão, como afirmar que o
Espiritismo é uma religião, por exemplo. Mas, na medida em que ainda não
traduzimos por completo o artigo, não atendo às minúcias do estudo, facilmente
encontrável no site mantido pela revista, seria imprudente lançar qualquer
análise. Pressupondo, porém, pela comprovação positiva dos informes de André
Luiz na obra, isto nada altera das conclusões aqui alcançadas acerca de se
tratar de um amiúde Espírito pseudo-sábio. Aliás, o comprova como tal! Tais
ordens de Espíritos são descritos da seguinte maneira por Allan Kardec em O
Livro dos Espíritos.
“Oitava classe. Espíritos
Pseudo-sábios. — Seus conhecimentos são bastante
extensos, porém, acreditam saber mais do que realmente sabem. Tendo realizado
alguns progressos sob diversos pontos de vista, a linguagem deles possui um
caráter sério, que pode enganar sobre suas capacidades e suas luzes; mas, em
geral, isto não passa de um reflexo dos preconceitos e das idéias sistemáticas
da vida terrestre; é uma mistura de algumas verdades a erros os mais absurdos,
por entre os quais manifestam-se a presunção, o orgulho, o ciúme e a teimosia
de que não puderam despojar-se.”
Portanto, como se pode notar, são uma classe de Espíritos hábeis em mixar mentiras e verdades, escamoteando estas em meio àquelas - pior, se se provar positivamente como apontado pelo estudo, vem revelar aos encarnados um conhecimento que estes devem alcançar por seus próprios esforços. Por tratar-se de uma literatura segmentada, seu conteúdo é conhecido senão dos aderentes de Chico Xavier, e do 'espiritismo', não tendo influído em nada nos estudos levados a efeito pelos meios científicos ao longo das décadas, tendo por alvo a glândula pineal. Futuramente trataremos oportunamente deste estudo em particular.
Portanto, como se pode notar, são uma classe de Espíritos hábeis em mixar mentiras e verdades, escamoteando estas em meio àquelas - pior, se se provar positivamente como apontado pelo estudo, vem revelar aos encarnados um conhecimento que estes devem alcançar por seus próprios esforços. Por tratar-se de uma literatura segmentada, seu conteúdo é conhecido senão dos aderentes de Chico Xavier, e do 'espiritismo', não tendo influído em nada nos estudos levados a efeito pelos meios científicos ao longo das décadas, tendo por alvo a glândula pineal. Futuramente trataremos oportunamente deste estudo em particular.
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