quarta-feira, 21 de agosto de 2019

André Luiz - Um Espírito pseudo-sábio à luz dos fatos II


Ia a década de 1940 e a II Grande Guerra Mundial monopolizava as atenções de um mundo em tensão e expectativa – Chico Xavier passava ao largo do fato, possuía preocupações próprias. Tivera um acesso de uremia, depois viu-se obrigado a internar uma cunhada num hospício, e preso a rotina sacerdotal, lidava com Espíritos de toda sorte e a todo instante, desejoso apenas de cumprir o que combinara com Emmanuel – volumes e mais volumes, sem descanso ou distrações. Sua visão piorava, e antes que o escândalo decorrente do processo movido pela viúva de Humberto de Campos o colocasse sob os holofotes da nação uma vez mais, o médium mineiro recebeu Nosso Lar, obra de um Espírito acanhado o suficiente para rivalizar em humildade a ele mesmo, pois se escondia sob o nome de seu irmão André Luiz. Ledo engano – sem cerimônia, o escritor de além-túmulo que se alegava médico de origem carioca entrou de supetão na vida do médium e do ilegítimo 'movimento espírita brasileiro'. Não poucos supostos espíritas puseram senões a obra, mas o apoio de figuras consagradas no meio, como José Herculano Pires, e a mão tentacular da FEB, arrefeceram as críticas e as suscetibilidades em contrário.

Tendo comercializado mais de 1,5 milhões de exemplares, tornou-se um fenômeno editorial que só encontrou paralelo décadas mais tarde, com o advento de Violetas na Janela, de autoria de um Espírito que atende pelo nome Patricia, e que diversamente do médico, ditou não mais que 4 obras, desaparecendo logo após. Antes disto, contudo, as editoras 'espíritas' iniciaram uma espécie de corrida em busca de autores que pudessem emular o estilo e a narrativa de Nosso Lar, com vistas a estas tão superlativas vendas da obra psicografada por Chico Xavier. Diversos exemplares tratando da existência no pós-vida surgiram, e o sucesso posterior de Violetas na Janela apenas acentuou a tendência deste filão, cuspindo fora todo bom senso, com a edição despudorada de obras cujo conteúdo se opõe ao Espiritismo. Nosso Lar não foi diferente – mas afinal, do que trata a obra? Decorrência direta de haver surgido pela primeira vez há exatos 75 anos, e ter sido tão amplamente aceita, Nosso Lar tornou-se um livro arrolado a condição de cânone. E embora seja conhecido pela generalidade dos supostos espíritas, o é apenas superficialmente, estando seus detalhes sob o escrutínio dos estudiosos mais tenazes. Claro, o filme equivocadamente realizado com base neste deu-lhe sobrevida; lançado há cerca de uma década, suas principais passagens foram adaptadas a linguagem cinematográfica, ficando algumas das que suscitam polêmicas resguardadas aos leitores. Acerca das minúcias da obra focaremos esforços, usando a razão e o Espiritismo como ferramentas para deslindar o caráter real desta e de seu autor; para tanto, enumeraremos em itens por assunto as passagens que dão conta de tais obscuros pontos.

1. Para onde se vai após o desencarne?

_Estamos nas esferas espirituais vizinhas da Terra, e o Sol que nos ilumina neste momento é o mesmo que nos vivificava o corpo físico.” – cap.3 ‘A Oração Coletiva’

Há regiões múltiplas para os desencarnados, como existem planos inúmeros e surpreendentes para as criaturas envolvidas de carne terrestre.” – cap.7 ‘Explicações de Lísias

Nosso Lar, portanto, como cidade espiritual de transição, é uma bênção a nós concedida por "acréscimo de misericórdia", para que alguns poucos se preparem à ascensão e para que a maioria volte à Terra em serviços redentores.” – cap. 37 ‘A Preleção da Ministra’

_O Umbral - continuou ele, solícito - começa na crosta terrestre. É a zona obscura de quantos no mundo não se resolveram a atravessar as portas dos deveres sagrados, a fim de cumpri-los, demorando-se no vale da indecisão ou no pântano dos erros numerosos. (...) O Umbral funciona, portanto, como região destinada a esgotamento de resíduos mentais; uma espécie de zona purgatorial, onde se queima a prestações o material deteriorado das ilusões que a criatura adquiriu por atacado, menosprezando o sublime ensejo de uma existência terrena. (...) Concentra-se, aí, tudo o que não tem finalidade para a vida superior. E note você que a Providência Divina agiu sabiamente, permitindo se criasse tal departamento em torno do planeta. Há legiões compactas de almas irresolutas e ignorantes, que não são suficientemente perversas para serem enviadas a colônias de reparação mais dolorosa, nem bastante nobres para serem conduzidas a planos de elevação. Representam fileiras de habitantes do Umbral, companheiros imediatos dos homens encarnados, separados deles apenas por leis vibratórias. (...) Lá vivem, agrupam-se, os revoltados de toda espécie. (...) É zona de verdugos e vítimas, de exploradores e explorados. (...) Cada espírito lá permanece o tempo que se faça necessário. Para isso, meu amigo, permitiu o Senhor se erigissem muitas colônias como esta, consagradas ao trabalho e ao socorro espiritual.” – cap. 12 ‘O Umbral’

_Contudo, Lísias, poderá você dar-me uma idéia da localização dessa zona de Trevas? Se o Umbral está ligado à mente humana, onde ficará semelhante lugar de sofrimento e pavor? (...) _Naturalmente, como aconteceu a nós outros, você situou como região de existência, além da morte do corpo, apenas os círculos a se iniciarem da superfície do globo para cima, esquecido do nível para baixo. (...) _Qual acontece a nós outros, que trazemos em nosso íntimo o superior e o inferior, também o planeta traz em si expressões altas e baixas, com que corrige o culpado e dá passagem ao triunfador para a vida eterna. Você sabe, como médico humano, que há elementos no cérebro do homem que lhe presidem o senso diretivo. Hoje, porém, reconhece que esses elementos não são propriamente físicos e sim espirituais, na essência.” – cap. 44 ‘As Trevas’

Ao leitor é ofertada uma profusão de termos e expressões que se repetem a todo instante, com o fim de localizar o cenário da história; ‘plano(s)’, por exemplo, está presente 41 vezes na obra, assim como ‘esfera(s)’, que surge 66 vezes, ou ‘círculo(s)’, que aparece 44 vezes. Para as personagens da Colônia, e posteriormente para André Luiz que a vem integrar, é fato da existência que, desde o interior do planeta, ou seja, em meio às camadas geológicas da Terra, até os mais altos extratos da atmosfera, da mais densa a mais rarefeita, o pós-vida se divide em círculos, ora identificados por planos, ou esferas. Essa terminologia é bastante pertinente, pois se adéqua perfeitamente a resposta que os Espíritos deram a Allan Kardec em O Livro dos Espíritos, na questão de nº 1017 (em algumas traduções pode ser a de nº 1016). Embora tenha sido transcrita em postagem anterior, em 18 de agosto de 2019, para deixar patente o cotejamento e as inferências que por ele se pode alcançar, se faz necessário enxertá-la uma vez mais:

1017. Alguns Espíritos disseram habitar o quarto, o quinto céu, etc. Que entendiam eles por isso?
Quando lhes perguntais que céu habitam, é porque tendes a idéia de vários céus, dispostos como os andares de uma casa; então, eles vos respondem, conforme a vossa linguagem; mas, para eles, estas palavras: quarto, quinto céu, exprimem diferentes graus de purificação e, por conseguinte, de felicidade. É exatamente como quando se pergunta a um Espírito se ele está no inferno; se for infeliz, dirá que sim, porque, para ele, inferno é sinônimo de sofrimento; mas, sabe muito bem que não é uma fornalha. Um pagão diria estar no Tártaro.
Acontece o mesmo com outras expressões análogas, assim como: cidade das flores, cidade dos eleitos, primeira, segunda ou terceira esfera, etc., que são apenas alegorias utilizadas por alguns Espíritos, quer como figuras, quer, algumas vezes, por ignorância da realidade das coisas e até das mais simples noções científicas. Conforme a idéia restrita que outrora se fazia dos lugares das penas e recompensas e, principalmente, a opinião de que a Terra era o centro do Universo, de que o céu formava uma abóbada e de que havia uma região das estrelas, colocava-se o céu no alto e o inferno embaixo; daí as expressões: subir ao céu, estar no mais alto dos céus, ser precipitado nos infernos. Hoje, tendo a Ciência demonstrado que a Terra é apenas um dos menores mundos, entre tantos milhões de outros, sem importância especial; que traçou a história de sua formação e descreveu sua constituição, provou que o espaço é infinito, que não há alto, nem baixo no Universo, teve-se que renunciar a situar o céu acima das nuvens e o inferno nos lugares inferiores. Quanto ao purgatório, nenhum lugar lhe havia sido indicado. Estava reservado ao Espiritismo dar, sobre todas essas coisas, a explicação mais racional, mais grandiosa e, ao mesmo tempo, mais consoladora para a Humanidade. Pode-se dizer, assim, que trazemos, em nós mesmos, nosso inferno e nosso paraíso; nosso purgatório, nós o encontramos na nossa encarnação, nas nossas vidas corporais ou físicas.

Constata-se que Allan Kardec não apenas conhecia tais espécies de mensagens que atribuíam um local de morada para os Espíritos em erraticidade, como sua profusão, fosse qual fosse, não estava em concordância com o Controle Universal dos Ensinamentos dos Espíritos. A isso, os Espíritos da Codificação responderam de pronto, negando a existência de tais locais, reiterando tudo quanto se propuseram a revelar acerca do estado de erraticidade em que permanecem os Espíritos entre uma encarnação e outra. Não se bastasse este processo de planificação fantasiosa do mundo espiritual, alguns entusiastas da obra se propuseram a dar sua contribuição. Heigorina Cunha fora sobrinha de Eurípedes Barsanulfo, e apesar de portadora de sequelas decorrentes da paralisia infantil, dedicara-se a mediunidade e a trabalhos de benemerência, tendo em Chico Xavier, seu conterrâneo, o exemplo de existência sacerdotal ascética que adotou para si – e assim como este, desencarnou nonagenária. Em 1979, segundo se alega, teria, por meio de ‘desdobramentos’ (ver médiuns sonambúlicos no capítulo XIV de O Livro dos Médiuns) e, guiada por um Espírito de nome Lúcios, visitado a colônia de Nosso Lar, tendo registrado tais experiências em desenhos, que acabaram por ser encartados em sua obra Cidade no Além. Imagina-se que teve a alegria de ver seus trabalhos servirem de guia para o desenho de produção feito para o filme Nosso Lar. Heigorina Cunha faleceu em 2013. Não há de representar dificuldade para o leitor adquirir um exemplar desta obra a fim de examinar por si mesmo os desenhos, mapas e planos representados, de próprio punho pela médium. Em vida, Heigorina se escusou pela qualidade técnica destes, não imaginando que isto é de somenos importância, levando-se em conta o representado. A um deles:



Curiosamente, a médium não representou as esferas internas do planeta, aquelas pertencentes aos abismos e trevas narrados em Nosso Lar. Destarte, como coube a ela ilustrar as descrições de André Luiz, a um amigo de Chico Xavier ficou a tarefa de explorar o que não estava nos desenhos. Rafael Américo Ranieri, delegado de polícia, e prefeito de Guaratinguetá em 1968, eleito deputado estadual em 1974, além de invulgar entusiasta de materializações de Espíritos. Também ele, em ‘desdobramento’, visitou as regiões abismais do planeta, cujas impressões deram em descrições tão ou mais fantásticas que as contidas em Nosso Lar, de tal conta que muitos dos mais ferrenhos fãs de André Luiz têm dificuldade em aceitar suas obras, sendo rejeitadas como apócrifas. Livros como O Abismo, Sexo Além da Morte, Aglon e os Espíritos do Mar, A Segunda Morte são exemplos desta fase obscura de André Luiz, caso tenha de fato trabalhado para guiar as 'revelações' dadas ao delegado acerca do pós-vida. Mas, que não se engane o leitor – se André Luiz é, por Chico Xavier já um desafio a razão, em Ranieri ele não obstrui o autor para narrar algumas das passagens mais fantásticas que qualquer 'espírita' há de por seus olhos. Rafael Ranieri desencarnou em 1989, aos 70 anos, em Guaratinguetá, de acidente vascular cerebral.

2. A Materialidade da vida após a vida

Estava convicto de não mais pertencer ao número dos encarnados no mundo e, no entanto, meus pulmões respiravam a longos haustos.” – cap. 1 ‘Nas Zonas Inferiores’

Tinha a impressão de sorver a alegria da vida, a longos haustos.” – cap. 4 ‘O Médico Espiritual’

_ Não posso negar que esteja melhor; entretanto, sofro intensamente. Muitas dores na zona intestinal, estranhas sensações de angústia no coração. Nunca supus fosse capaz de tamanha resistência, meu amigo. Ah! como tem sido pesada a minha cruz!... Agora que posso concatenar idéias, creio que a dor me aniquilou todas as forças disponíveis...” – cap. 6 ‘Precioso Aviso’

Torturava-me a fome, a sede me escaldava. Comezinhos fenômenos da experiência material patenteavam-se-me aos olhos. Crescera-me a barba, a roupa começava a romper-se com os esforços da resistência, na região desconhecida.” – cap. 2 ‘Clarêncio’

Respirei a longos haustos, sentindo que ondas de energia nova me penetravam o ser.” – cap. 23 ‘Saber Ouvir’

Último adeus à dedicada mãe de Lísias e me vi só, respirando o ar de outros tempos, a longos haustos.” – cap. 49 ‘Regressando a Casa’

São estes os exemplos de um Espírito bastante materializado, com o uso constante de expressões que indicam a existência de pulmões, intestinos, olhos e toda sorte de órgãos que não existem mais. A palavra ‘pranto(s)’ aparece 16 vezes em Nosso Lar, mas esta quantidade não dá conta de exprimir que, no decurso de 50 capítulos, seu protagonista verte lágrimas em 49 deles – de tristeza, alegria, dor, revolta, o que o leitor se propuser a imaginar, ou conferir pela leitura do mesmo; o choro copioso tem por fim criar um vínculo emocional – é tanto uma técnica quanto um vício literário, dada sua repetição constante, demonstrando as limitações estilísticas de André Luiz. Outro exemplo neste tocante, é que ele sempre respira ‘a longos haustos’, como se nota pelos trechos acima. Nunca é um suspiro, uma respiração ofegante, ou algo da mesma espécie. O pós-vida descrito em Nosso Lar é todo humano, materialmente e fisicamente. A protagonista é sentimento e emoção, despojado do racionalismo esperado para um médico. Assim, cada nova descoberta não suscita o exame e a descrição fria, mas um inesgotável deslumbramento expresso por um fraseado emotivo.

O Espiritismo revela que a erraticidade é um vagar, um mover-se, é um não ter local de pouso, um deambular constante. Sustenta-se na lógica mais básica acerca deste ponto, aliás, um argumento de fundo bastante competente a desafiar o ideário de André Luiz – qual a razão de ser de uma casa? De uma moradia? Sendo o corpo físico um frágil, ainda que adequado instrumento das experiências materiais pelas quais o Espírito precisa passar a fim de progredir, compreende-se a razão de preservá-lo, resguardando-o da ação perniciosa dos elementos naturais como chuva e sol, variações extremas ou bruscas de temperatura, além da ação direta e perniciosa de animais e outros indivíduos, bem como o abrigo de objetos de uso cotidiano, necessários as tarefas comuns do Espírito. Não é uma Colônia Espiritual uma cidade, e não é uma cidade um amontoado de casas e edificações? Muitos já sustentaram que Espíritos inferiores precisam de uma casa, de alimentos, de local para banhar-se e obrar. O item 257 de O Livro dos Espíritos, contudo, sustenta algo diverso:

O corpo é o instrumento da dor; se não é a causa primeira, é, pelo menos, a causa imediata. A alma tem a percepção dessa dor: esta percepção é o efeito. A lembrança que dela conserva pode ser muito penosa, mas não pode ter ação física. Com efeito, nem o frio, nem o calor podem desorganizar os tecidos da alma; a alma não pode enregelar-se, nem queimar-se. Não vemos, todos os dias, a recordação ou a apreensão de um mal físico produzirem o efeito real? Ocasionar até a morte? Todo mundo sabe que as pessoas amputadas sentem dor no membro que não existe mais. Certamente, não está, nesse membro, a sede, nem mesmo o ponto de partida da dor; foi o cérebro que conservou-lhe a impressão, apenas isto. Pode-se, portanto, admitir que haja alguma coisa análoga nos sofrimentos do Espírito, após a morte.

O perispírito é o elo que une o Espírito à matéria do corpo; ele é haurido do meio ambiente, do fluido universal; (…) Poder-se-ia dizer que é a quintessência da matéria; é o princípio da vida orgânica, mas não o é da vida intelectual: a vida intelectual está no Espírito. É, além disso, o agente das sensações exteriores. No corpo, a recepção destas sensações localiza-se nos órgãos que lhes servem de canais. Destruído o corpo, as sensações tornam-se gerais. Eis por que o Espírito não diz que sofre mais da cabeça do que dos pés. É preciso, ainda, evitar confundir as sensações do perispírito, que se tornou independente, com as do corpo: só podemos tomar estas últimas como termo de comparação e, não, como analogia. Liberto do corpo, o Espírito pode sofrer; este sofrimento, porém, não é o do corpo.

Durante a vida, o corpo recebe as impressões exteriores e as transmite ao Espírito por intermédio do perispírito, (...) Estando morto o corpo, nada mais sente, porque nele não há mais Espírito, nem perispírito. O perispírito, liberto do corpo, experimenta a sensação; porém, como ela não lhe chega mais através de um canal limitado, torna-se geral. Ora, como o perispírito é apenas um agente de transmissão, visto que é o Espírito que possui a consciência, daí resulta que, se pudesse existir um perispírito sem Espírito, ele não sentiria mais do que o corpo quando está morto; da mesma forma que, se o Espírito não tivesse perispírito, seria inacessível a qualquer sensação penosa; é o que acontece com os Espíritos completamente purificados. Sabemos que, quanto mais eles se depuram, mais etérea se torna a essência do perispírito; donde se conclui que a influência material diminui, à medida que o Espírito progride, isto é, à medida que o próprio perispírito se torna menos grosseiro.

Sabemos que no Espírito há percepção, sensação, audição, visão; que essas faculdades são atributos do ser todo e não, como no homem, de uma parte apenas do ser; mas, de que modo ele as tem? Ignoramo-lo. (...) Pode-se dizer que, neles, as vibrações moleculares se fazem sentir em todo o ser e lhes chegam assim ao sensorium commune, que é o próprio Espírito, embora de modo diverso e talvez, também, dando uma impressão diferente, o que modifica a percepção. (...) Pelo que concerne à vista, essa, para o Espírito, independe da luz, qual a temos. A faculdade de ver é um atributo essencial da alma, para quem a obscuridade não existe. É, contudo, mais extensa, mais penetrante nas mais purificadas. A alma, ou o Espírito, tem, pois, em si mesma, a faculdade de todas as percepções. Estas, na vida corpórea, se obliteram pela grosseria dos órgãos do corpo; na vida extracorpórea se vão desanuviando, à proporção que o invólucro semimaterial se eteriza.

Literalmente, o perispírito é matéria, mas nem para o examinador menos apto ele há de suscitar ser confundido com o corpo físico. O perispírito tem propriedades que, nem de longe, são observáveis neste – ele é expansível, retrátil, maleável e penetrante. Para Allan Kardec, ele é sempre tratado como um envoltório, justamente por cumprir a função de envolver materialmente o Espirito, dando-lhe assim unidade e cumprindo a função de ligá-lo a matéria do corpo físico. Em diversas de suas obras, André Luiz indica a existência de outros corpos constitutivos do ser, sustentando assim um ideário próprio acerca da questão – sua classificação guarda profunda semelhança com aquela dada pela Teosofia, prescrevendo o ser constituído por cinco corpos - corpo físico ou soma, duplo etérico ou biossoma, psicossoma, corpo mental e espírito. O autor espiritual dedica-se a estes em Evolução em Dois Mundos, Nos Domínios da Mediunidade e em Nosso Lar. O exame atento de seus escritos revela uma colcha de retalhos de diversas vertentes e doutrinas, de ideias hauridas tanto no cânone ocidental religioso, quanto nos herméticos tomos de sociedades exotéricas. Há Espiritismo em André Luiz?

3. Objetos do além

_ Se possível, estimaria recebê-lo em nossa casa, enquanto perdurar o curso de observações (...)” – cap. 17 ‘Em Casa de Lísias’

_Guarde este documento – disse-me o atencioso Ministro do Auxílio, entregando-me pequena caderneta –, com ele, poderá ingressar nos Ministérios da Regeneração, do Auxílio, da Comunicação e do Esclarecimento, durante um ano.” – cap. 17 ‘Em Casa de Lísias’

Passados minutos, eis-nos à porta de graciosa construção, cercada de colorido jardim.” – cap. 17 ‘Em Casa de Lísias’

Sentamo-nos, silenciosos, em torno de grande mesa. Ligado um grande aparelho, fez-se ouvir música suave. Era o louvor do momento crepuscular.” – cap. 17 ‘Em Casa de Lísias’

Lísias se aproximou de pequeno aparelho postado na sala, à maneira de nossos receptores radiofônicos.” – cap. 17 ‘Em Casa de Lísias’

No centro, funciona enorme aparelho destinado a demonstrações pela imagem, à maneira do cinematógrafo terrestre, com o qual é possível levar a efeito cinco projeções variadas, simultaneamente.” – cap. 32 ‘Notícias de Veneranda’

A distância de quatro metros, aproximadamente, havia um grande globo cristalino, da altura de dois metros presumíveis, envolvido, na parte inferior, em longa série de fios que se ligavam a pequeno aparelho, idêntico aos nossos alto-falantes.” – cap. 48 ‘Culto Familiar’

Acaso fosse possível aglutinar uma plateia de indivíduos sem relação uns com os outros, como aquelas reunidas em espetáculos ou palestras, e se lhes fosse pedido que imaginasse cada qual uma flor e, ainda possível registrar o que se lhes ia ao pensamento numa única foto, o que se veria? Um jardim? Possivelmente não! A capacidade humana de imaginar é limitada a sua memória, e é praticamente impossível que alguém imagine um objeto, ou uma flor, sem que ele esteja inserido num contexto. Nosso Lar está repleto de objetos, máquinas, veículos, aparelhos estranhos, além de casas, jardins e animais próprios de qualquer cidade do mundo físico. Em O Livro dos Médiuns no capítulo VIII, intitulado Laboratório do Mundo Invisível, tem-se o seguinte:

Os objetos que o Espírito forma, têm existência temporária, subordinada à sua vontade, ou a uma necessidade que ele experimenta. Pode fazê-los e desfazê-los livremente. Em certos casos, esses objetos, aos olhos de pessoas vivas, podem apresentar todas as aparências da realidade, isto é, tornarem-se momentaneamente visíveis e até mesmo tangíveis. Há formação; porém, não criação, atento que do nada o Espírito nada pode tirar.

Ou ainda:

16ª O Espírito tem sempre o conhecimento exato do modo por que compõe suas vestes, ou os objetos cuja aparência ele faz visível?
Não; muitas vezes concorre para a formação de todas essas coisas, praticando um ato instintivo, que ele próprio não compreende, se já não estiver bastante esclarecido para isso.

Imaginemos uma gaveta de um móvel qualquer sendo aberta, e de seu interior seja apanhado um objeto ali depositado – um gabinete, uma escrivaninha ou armário possui a organização singular de seu proprietário; aberrante seria não encontrar este objeto, que se espera que esteja naquela específica gaveta. Para o Espírito errante, o objeto sempre estará lá, porque ele será composto, formado, de modo instintivo, por sua necessidade, expectativa, desejo, prazer, enfim. Este exemplo é meramente ilustrativo. Acaso fosse possível ter acesso a esta hipotética gaveta sem a presença ou conhecimento deste hipotético Espírito, nada haveria em seu interior – ‘Os objetos que o Espírito forma, têm existência temporária (...)’. Não seria pela união conjunta de muitos Espíritos que se poderia sustentar uma colônia? Por certo que, assim como seria impossível obter uma foto de um jardim na medida em que uma plateia o imaginasse cada indivíduo desta, uma flor, não seria possível que a perfeita união do pensamento de Espíritos criasse uma cidade; cada casa estaria inserida num contexto, e seus detalhes e móveis seriam tão temporários quanto a necessidade mais imediata deste ou daquele Espírito. É impossível concentrar o pensamento indefinidamente num foco apenas. O senso comum, e o 'sujeito espírita brasileiro' a ele não escapa, imagina os Espíritos superiores e puros como demandando muito de seu tempo a mais alta capacidade reflexiva, ao ato de pensar longos períodos nos mais elevados temas de interesse universal – mas isto é um engano. Demorar-se em reflexões e meditações é próprio de Espíritos meridianos como o humano. Quão mais elevado o Espírito, mais conhecimento adquire, e mais rápido vai seu pensamento; suas opiniões são justas e certas, sem hesitações, e suas decisões são assertivas e de imediato, sem titubeios. Apenas pelo exercício da fantasia imaginativa se poderia sustentar que Nosso Lar, se não é produto da mentalidade coletiva de seus habitantes, o é por conta de um, ou mais de um Espírito superior, que, mais corretamente ainda não agiria para conter Espíritos em uma cidade flutuante, como procedem certos experimentos científicos que arrolam cobaias em labirintos.

4. O ir e vir

Mal me refazia da surpresa, quando surgiu grande carro, suspenso do solo a uma altura de cinco metros mais ou menos e repleto de passageiros. Ao descer até nós, à maneira de um elevador terrestre, examinei-o com atenção. Não era máquina conhecida na Terra. Constituída de material muito flexível, tinha enorme comprimento, parecendo ligada a fios invisíveis, em virtude do grande número de antenas na tolda. Mais tarde, confirmei minhas suposições, visitando as grandes oficinas do Serviço de Trânsito e Transporte.” – cap. 10 ‘No Bosque das Águas’

_Em "Nosso Lar", grande parte dos companheiros poderia dispensar o aeróbus e transportar-se, à vontade, nas áreas de nosso domínio vibratório; mas, visto a maioria não ter adquirido essa faculdade, todos se abstêm de exercê-la em nossas vias públicas.

Por quais meios se locomove o Espírito? Pronuncia-se O Livro dos Espíritos:

89.Os Espíritos gastam algum tempo para percorrer o espaço?
Sim, mas fazem-no com a rapidez do pensamento.

89a. O pensamento não é a própria alma que se transporta?
Quando o pensamento está em alguma parte, a alma também aí está, pois que é a alma quem pensa. O pensamento é um atributo.

90.O Espírito que se transporta de um lugar a outro tem consciência da distância que percorre e dos espaços que atravessa, ou é subitamente transportado ao lugar onde quer ir?
Dá-se uma e outra coisa. O Espírito pode perfeitamente, se o quiser, inteirar-se da distância que percorre, mas também essa distância pode desaparecer completamente, dependendo isso da sua vontade, bem como da sua natureza mais ou menos depurada.

A questão levantada pela descrição de veículos recaí forçosamente ao item anterior – não havendo como sustentar uma cidade fluídica, seus objetos e demais aspectos móveis não subsistem. Mas, pela lógica de André Luiz expressa na narrativa, transportar-se pelo pensamento parece ser um habilidade que está sujeita a aquisição, e não um aspecto inerente do Espírito. A experiência mediúnica, todavia, permite concluir que os Espíritos que ignoram por quais meios se pode ir de um ponto a outro, o fazem enfileirando-se dentre os encarnados, tomando coletivos públicos, aviões, táxis e toda sorte de transportes para poderem locomover-se com a rapidez que não sabem possuir. Muitos dentre estes, aliás, tomam-se surpresos por não poderem explicar por quais meios se deslocaram, de onde estavam para o local em que as sessões de experimentação mediúnica estão ocorrendo. É a prova de que se encontram por se acotovelarem em meio aos encarnados, assim como, desde o princípio prescreve o Espiritismo.

5. Suspensão de Incredulidade

Obedecendo a processos adiantados de televisão, surgiu o cenário de templo maravilhoso. Sentado em lugar de destaque, um ancião coroado de luz fixava o Alto, em atitude de prece, envergando alva túnica de irradiações resplandecentes. Em plano inferior, setenta e duas figuras pareciam acompanhá-lo em respeitoso silêncio. Altamente surpreendido, reparei Clarêncio participando da assembleia, entre os que cercavam o velhinho refulgente.” – cap. 3 ‘A Oração Coletiva’

Qualquer leitor de Nosso Lar pressupõe um exercício de suspensão da incredulidade, afinal se trata desde então da narração das experiências reais pelas quais passou o autor André Luiz. Ou assim supõe este – cabe ao espírita familiarizado ao tema examinar a obra por meio de leitura crítica, expondo-a como um romance contrário ao Espiritismo. Todavia, esta suspensão é exigida em demasia quando diante de certos pontos anômalos – o exemplo acima enxertado dá conta desta questão, pois que se pode atribuir a André Luiz a habilidade de poder contar num lance de olhos 72 pessoas, assim como o fazem alguns indivíduos pertencentes ao espectro autista, os portadores da Síndrome de Savant. Ou, por se estender de modo moroso e sonolento, a oração coletiva demandou tempo suficiente para que pudessem ser contabilizados o número exato das figuras observadas, numa informação absolutamente inútil para o leitor, que motiva a suspeição quanto a veracidade do romance.

6. Matrioska

O sonho não era propriamente qual se verifica na Terra. Eu sabia, perfeitamente, que deixara o veículo inferior no apartamento das Câmaras de Retificação, em "Nosso Lar", e tinha absoluta consciência daquela movimentação em plano diverso. Minhas noções de espaço e tempo eram exatas.” – Cap. 36 ‘O Sonho’

Em item anterior foi demonstrado que André Luiz aponta a existência de cinco corpos constituintes do ser, em contraponto aos três identificados pelo Espiritismo. Esta passagem é a primeira, dentre todas existentes em suas obras, onde aborda a questão - e ela se refere a essa experiência que com ele se deu, de haver adormecido em Nosso Lar para ir visitar sua mãe em 'esferas superiores'; como isso é possível? Que 'veículo inferior' teria sido momentaneamente abandonado? O Espiritismo prescreve que o sono é um ensaio para a erraticidade, já que o Espírito, revestido pelo perispírito, abandona o corpo físico a fim de deambular e viver experiências neste período do dia. André Luiz desafia esta lógica espírita tão simples, aproximando sua narrativa a Teosofia, que prega serem sete os corpos constitutivos do ser – esta, por conseguinte, busca fazer uma síntese das ideias presentes tanto em filosofias orientais quanto ocidentais, sendo a base do pensamento esotérico ocidental. Com o que está comprometido André Luiz? Para quem se aventurar em textos ocultistas, subsistirá uma dificuldade inerente em entender a razão de ser de cada um desses sete corpos, que fazem do ser humano uma espécie de Matrioska. A proposta espírita para a questão é mais simples, lógica e racional.

7. Machista

André Luiz deixa entrever, na passagem abaixo, um indisfarçável machismo, algo que em 1944, ano em que foi lançado Nosso Lar, pode ter passado sem maior alarde. Parte da definição dada a Espíritos pseudo-sábios pelo Espiritismo versa que “(...) a linguagem deles possui um caráter sério, que pode enganar sobre suas capacidades e suas luzes; mas, em geral, isto não passa de um reflexo dos preconceitos e das idéias sistemáticas da vida terrestre; é uma mistura de algumas verdades a erros os mais absurdos, por entre os quais manifestam-se a presunção, o orgulho, o ciúme e a teimosia de que não puderam despojar-se.” Preconceito, irmão das mais rasteiras formas de machismo manifestos na sociedade, ao qual se verifica refletido na obra do médico carioca, filho do século XIX, em todas as suas mais demeritórias expressões:

A mulher não pode ir ao duelo com os homens, através de escritórios e gabinetes, onde se reserva atividade justa ao espírito masculino. Nossa colônia, porém, ensina que existem nobres serviços de extensão do lar, para as mulheres. A enfermagem, o ensino, a indústria do fio, a informação, os serviços de paciência, representam atividades assaz expressivas. O homem deve aprender a carrear para o ambiente doméstico a riqueza de suas experiências, e a mulher precisa conduzir a doçura do lar para os labores ásperos do homem.” – cap. 20 ‘Noções de Lar’

8. Contradição

Instantes depois, divisei ao longe dois vultos enormes que me impressionaram vivamente. Pareciam dois homens de substância indefinível, semiluminosa. Dos pés e dos braços pendiam filamentos estranhos, e da cabeça como que se escapava um longo fio de singulares proporções. Tive a impressão de identificar dois autênticos fantasmas. Não suportei. Cabelos eriçados, voltei apressadamente ao interior. Inquieto e amedrontado, expus a Narcisa a ocorrência, notando que ela mal continha o riso. _Ora essa, meu amigo – disse, por fim, mostrando bom humor –, não reconheceu aquelas personagens? Fundamente desapontado, nada consegui responder, mas Narcisa continuou: _Também eu, por minha vez, experimentei a mesma surpresa, em outros tempos. Aqueles são os nossos próprios irmãos da Terra. Trata-se de poderosos espíritos que vivem na carne em missão redentora e podem, como nobres iniciados da Eterna Sabedoria, abandonar o veículo corpóreo, transitando livremente em nossos planos. Os filamentos e fios que observou são singularidades que os diferenciam de nós outros. Não se arreceie, portanto. Os encarnados, que conseguem atingir estas paragens, são criaturas extraordinariamente espiritualizadas, apesar de obscuras ou humildes na Terra.” – cap. 33 ‘Curiosas Observações’

Nosso Lar está repleto de passagens de tal natureza – com que critérios inferi-la? O fato de estar envolto na carne não parece ser impedimento a Espíritos missionários, extraordinariamente progredidos, abandonarem seus corpos a fim de empreender uma jornada as regiões mais elevadas da atmosfera, onde está localizada a colônia Nosso Lar, que mantém Espíritos da qualidade de um André Luiz, ex-médico carioca, estigmatizado como suicida pelos abusos que cometeu em vida. É no mínimo bizarro - o corpo físico é sinal de materialidade suficiente para que qualquer encarnado esteja abaixo de um desencarnado? O progresso próprio do Espírito está, então, diretamente relacionado ao fato de estar ou não encarnado? André Luiz, portanto, dada sua condição de Espírito errante, divide terreno com Espíritos que lhe são superiores em progresso? Por este raciocínio, Jesus de Nazaré seria inferior a qualquer desencarnado durante o período em que esteve entre a humanidade? As questões muitas suscitadas por esta passagem de Nosso Lar parecem exigir uma lógica complexa demais para que o leitor possa ter pleno o seu entendimento. Assim, como em todo o restante da obra, o que pode vir a explicar esta passagem não é a Doutrina dos Espíritos, mas uma doutrina pessoal autônoma, originada apenas e tão simplesmente do pensamento de André Luiz; resiste, contudo, a suspeita de o autor estar aqui evocando o gnosticismo para quem o mundo material é corrompido e mau.

Muitas outras passagens mais podem ser evocadas pelo estudioso, sob pena de compor uma obra duas ou três vezes mais volumosa que o próprio Nosso Lar, exclusivamente com o fito de revelar se tratar da obra de um Espírito pseudo-sábio, produto de uma mente imaginativa, afeita ao romance. O compromisso de André Luiz, pode-se especular, não é outro que não o de qualquer romancista, ou seja, apenas entreter – neste aspecto, sua obra deixa muito a desejar; ela, em realidade, enfileira-se a tradição de obras como A Divina Comédia, encontrando um forte parentesco com A Vida Além do Véu, de autoria do Rev. George Vale Owen. Esta, por conseguinte, é apontada como aquela que teria inspirado Nosso Lar, enquanto que, para outros estudiosos, ela foi plenamente copiada por André Luiz, ou Chico Xavier, num flagrante caso de plágio; tal questão há de encontrar melhor espaço em futuras postagens. Nosso Lar, enquanto literatura, é uma obra incapaz de figurar entre as grandes experiências de um leitor obstinado – sua expressiva vendagem deixa entrever a razão exata de sua existência, e do contexto que a viu surgir. O médium que a pôs no papel não foi escolhido ao acaso, ou por que fosse o melhor tradutor das ideias do Espirito desencarnado, mas por que era o único capaz de fazê-lo; mas não pelas razões positivas que se pode imaginar. Não seria o nome do Espírito, um desconhecido a chamar a atenção do público, mas do seu psicógrafo, o homem que emprestava sua vida humilde, seu passado sofrido e seu caráter servil a divulgação da mensagem, e não propriamente do Espiritismo, falecido este desde que os 'místicos' suplantaram os 'científicos' no início do século XX (ver publicação deste blog de 3 de agosto de 2019).

Muita lógica mercadológica foi posta em prática em derredor de Chico Xavier, sempre tão afogado em compromissos que nenhuma reação esboçou, ou talvez, não tenha desejado esboçar; e a mítica imposta ao médium, a custa de uma existência estoica, quase ascética, num mediunato, tornou-o o líder improvável de um movimento ilegítimo. A figura frágil e servil de um aleijão amorável, um matuto vertido em sábio, o maior escritor brasileiro frente ao qual nenhuma crítica ou oposição resistiu, era e foi o simplório perfeito para dar voz a André Luiz, e a outros tantos que nenhuma contribuição deram ao Espiritismo; ao contrário, desferiram duros golpes na tentativa de muitos que buscaram instruir-se, perpetrando o engano, fomentando o engodo. Chico, por exemplo, afirmou certa feita o seguinte: “Creio que sim. Conservo para mim a certeza de que ele, Emmanuel, terá participado da equipe que colaborou na estrutura da codificação da Doutrina Espírita. A mensagem intitulada ‘O Egoísmo’, (...) em que se faz referência a Pilatos, é de autoria de nosso benfeitor espiritual, não tenho dúvidas a este respeito.” – quando, em realidade, a mensagem referida, contida em O Evangelho Segundo o Espiritismo, é de Emmanuel Swedenborg, polímata sueco que realmente participou do processo da Codificação espírita. Essa e outras contribuições saídas da boca e da pena de Chico Xavier ganharam o mundo, com a força proporcional a importância dada a ele – suas palavras se fizeram leis, seus livros e sua vida se tornaram o guia existencial de um sem número de pessoas que, erroneamente, se consideram espíritas.

Adentrar tais meandros do modo de ser, das ações e palavras de Chico Xavier serão o mote para o porvir. Quanto a André Luiz, como assim expresso foi, muito mais há que apontar em suas obras em passagens estranhas e insólitas; sequer foram abordados os trechos que descrevem a existência de animais na Colônia, especificamente uma ave chamada Íbis Viajores, cuja razão de ser é se alimentar das formas mentais odiosas que pululam nos céus obumbrados do Umbral – uma invencionice teratológica que rivaliza com aquelas existentes na série escrita por R. A. Ranieri, como apontado anteriormente. A questão animal já fora detidamente abordada em postagem datada de 14 de agosto de 2019. Mas, uma pergunta mais resta e, ao que consta, jamais fora abordada anteriormente, que diz respeito ao paradeiro do benfeitor espiritual de André Luiz. Onde estaria ele? Porque não integrou a equipe de socorro que o foi resgatar no Umbral? Não estando lá, porque não o encontrou posteriormente na Colônia? Não saberia o autor acerca dos guias espirituais, também chamadas benfeitores, ou popularmente conhecidos por anjos guardiões? Acerca deste O Livro dos Espíritos revela:

“506. Na vida espírita, reconheceremos o Espírito nosso protetor?
Decerto, pois não é raro que o tenhais conhecido antes de encarnardes.

O que terá acontecido a ele? André Luiz não pareceu muito interessado na questão; por ignorância? Ou por esquecimento? Talvez, tenha sido um personagem difícil de alocar na trama, já que mais de um dentre aqueles que o autor encontrou ao longo de toda narrativa conheciam-lhe a vida e a história, como se transparente fosse. Uma conveniente e oportuna maneira de explorar os aspectos existenciais da protagonista, suprimindo, todavia, a presença do benfeitor espiritual; uma ausência pouco sentida, ou sequer percebida – não para todos.
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Em notícia relativamente recente, Chico Xavier e André Luiz, foram alvo do escrutínio de uma revista científica europeia, a Neuroendocrinology Letters, que no seu exemplar de nº 8, do volume 34, publicou artigo de autoria de Giancarlo Lucchetti, Jorge C. Daher Jr., Decio Iandoli Jr., Juliane P. B. Gonçalves e Alessandra L. G. Lucchetti, que realizaram estudo comparativo entre as 'revelações' de André Luiz acerca da glândula pineal contidas em Missionários da Luz frente as recentes descobertas médicas relativas a este órgão. Claro, por tratar-se de pesquisa e estudo urdido a partir da AME (Associação Médico-Espírita do Brasil), não seria aberrante encontrar os mesmos equívocos comuns ao ilegítimo 'movimento espírita brasileiro', e eles de fato lá estão, como afirmar que o Espiritismo é uma religião, por exemplo. Mas, na medida em que ainda não traduzimos por completo o artigo, não atendo às minúcias do estudo, facilmente encontrável no site mantido pela revista, seria imprudente lançar qualquer análise. Pressupondo, porém, pela comprovação positiva dos informes de André Luiz na obra, isto nada altera das conclusões aqui alcançadas acerca de se tratar de um amiúde Espírito pseudo-sábio. Aliás, o comprova como tal! Tais ordens de Espíritos são descritos da seguinte maneira por Allan Kardec em O Livro dos Espíritos.

“Oitava classe. Espíritos Pseudo-sábios. — Seus conhecimentos são bastante extensos, porém, acreditam saber mais do que realmente sabem. Tendo realizado alguns progressos sob diversos pontos de vista, a linguagem deles possui um caráter sério, que pode enganar sobre suas capacidades e suas luzes; mas, em geral, isto não passa de um reflexo dos preconceitos e das idéias sistemáticas da vida terrestre; é uma mistura de algumas verdades a erros os mais absurdos, por entre os quais manifestam-se a presunção, o orgulho, o ciúme e a teimosia de que não puderam despojar-se.

Portanto, como se pode notar, são uma classe de Espíritos hábeis em mixar mentiras e verdades, escamoteando estas em meio àquelas - pior, se se provar positivamente como apontado pelo estudo, vem revelar aos encarnados um conhecimento que estes devem alcançar por seus próprios esforços. Por tratar-se de uma literatura segmentada, seu conteúdo é conhecido senão dos aderentes de Chico Xavier, e do 'espiritismo', não tendo influído em nada nos estudos levados a efeito pelos meios científicos ao longo das décadas, tendo por alvo a glândula pineal. Futuramente trataremos oportunamente deste estudo em particular.


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